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Arquivo - Kid Vinil, o último romântico

Para ele, não existia vida sem música

José Julio do Espirito Santo Publicado em 19/05/2017, às 18h40 - Atualizado às 18h56

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<b>Urbano</b><br>

Kid Vinil próximo de casa, no centro de São Paulo. - Fernando Martins
<b>Urbano</b><br> Kid Vinil próximo de casa, no centro de São Paulo. - Fernando Martins

Releia a íntegra do perfil que publicamos na edição 103 (março/15), na época em que Kid Vinil completava 60 anos.

Cantor, radialista, jornalista, DJ, VJ pioneiro e descobridor de novidades, Kid Vinil justifica o “sobrenome” e mostra a força do alter ego que assumiu. Nas quatro paredes da sala da casa dele, no centro de São Paulo, estantes ostentam milhares de discos, entre CDs e vinis. Nos quartos, os armários mal dão conta de abrigar a coleção. “Ainda hoje deve chegar mais um pacote do correio”, comenta Kid, que neste mês completa 60 anos. Um sorriso ilumina o rosto dele. Sentado no sofá da sala de sua “Neverland” de um brinquedo só, ele explica onde ficam os box sets e os discos do coração. Kid não sabe quantificar o que tem no acervo. Deve ter perdido a conta quando passou dos 20 mil títulos.

O quadro não chega a configurar acumulação compulsiva, mas Kid é um ávido consumidor. “Existem bandas de quem realmente quero ter tudo, desde a primeira edição em vinil”, ele justifica. “Levo muito em consideração essa coisa de ter o [produto] físico. Sai a edição nova do Physical Graffiti, do Led Zeppelin, e eu começo a ‘tremer’.”

Houve um tempo em que não existia Kid Vinil, mas um menino chamado Antônio Carlos Senefonte, que se ligou instantaneamente ao rock nos bailes que passou a frequentar com os irmãos e primos mais velhos. Ele conhecia cada faixa dos discos tocados nas festas, mas sentia uma enorme frustração por não tê-los. Sem muitos recursos, sua família mudara-se da pequena Cedral para a capital paulista. Desde os 13 anos, o garoto teve que trabalhar – primeiro, como office boy –, não apenas para ajudar no sustento da casa mas também para poder ter seus primeiros discos. “Eu economizava no ônibus”, relembra. “Ia a pé para um monte de lugar e gastava o dinheiro dos passes em álbuns.”

Até pouco tempo, da janela da sala dava para ver o local onde ele entrou na roda profissional da música, o extinto prédio da gravadora Continental. Aparentando saudade, Kid pega o celular para mostrar uma foto do edifício ainda em pé. O emprego na gravadora veio em 1974: durante o dia, ele convivia com artistas de música sertaneja e outros gêneros populares, e à noite ensaiava com a banda punk Verminose. Mais tarde, o grupo seria rebatizado como Magazine e abraçaria a new wave, lançando o hit “Sou Boy”, que catapultou a figura de Kid para todo o país.

Na mesma época, o vocalista virou um dos maiores propagadores do movimento punk no Brasil. Bandas como Cólera, Ratos de Porão e Inocentes tiveram suas primeiras músicas tocadas no rádio via Programa Kid Vinil, veiculado pela antiga Excelsior FM. A energia com que ele se apresentava à frente do Verminose era igual àquela com que ajudava a organizar shows independentes. “Kid tinha um Fusca e vivia levando as bandas para todo lugar. Não sei como cabia o Ira! e o equipamento todo naquele carro”, lembra o guitarrista Edgard Scandurra.

Estrategicamente posicionado na estante, o CD do extinto Magazine aparece como um pequeno troféu. Hoje, o líder se ocupa com sua nova banda, a Kid Vinil Xperience, e com a festa Geração 80, projeto de all-stars do BRock idealizado por Leo Jaime, ao lado de gente como Ritchie, Leoni e Roger Moreira, do Ultraje a Rigor.

Enquanto o tempo segue e o mundo ao redor de Kid Vinil se altera, uma coisa jamais muda: ele será sempre um amante incondicional da música. Seja em evidência, seja na privacidade de casa, a vida dele gira em torno de sons. E de capas, artes e fichas técnicas detalhadas. Kid é um tipo em extinção – a música digital não o fisgou. “As pessoas meio que acabaram se moldando a esse processo do descartável. É uma música aqui, outra acolá… Não existe um apego. Mas é outra geração. Não dá para você cobrar isso deles”, ele se conforma.

Ainda assim, a nostalgia não ilude o artista. “Enxergo sempre na frente. Não esqueço o passado, mas tem muita coisa nova boa. Hoje mesmo vi um clipe de Kitty, Daisy & Lewis, um trio de irmãos que faz um rock antigo e que ao mesmo tempo é uma coisa supernova.” Ele não abre o YouTube para mostrar o referido vídeo. Em vez disso, fuça uma estante e exibe um compacto em 45 rotações do trio, que acabou de chegar. Mais uma vez, os olhos brilham como os de uma criança com um brinquedo novo. Ele costuma chamar de vício. Na verdade, é uma paixão que mantém como poucos.