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Exclusivo: Cora lança álbum repleto de mitologia, dores e reflexões; ouça El Rapto

Igor Brunaldi Publicado em 18/04/2018, às 15h00 - Atualizado em 20/04/2018, às 12h39

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A banda curitibana Cora - Lara Albrecht
A banda curitibana Cora - Lara Albrecht

Por Igor Brunaldi

A banda curitibana Cora, idealizada em 2013 por Kaíla Pelisser (sintetizador e voz) e Katherine Zander (guitarra e voz), carrega consigo toda uma sonoridade introspectiva e um mood místico e misterioso desde o primeiro EP, não vai ter Cora, lançado em 2017. Nesta quarta, 18, o grupo lançou o disco El Rapto, no qual abraça de vez as dores do existir feminino e as trevas presentes no interior de cada ser, transmitidos através de composições meticulosas que, em certos momentos, parecem ter sido extraídas de um sonho, e em outros momentos, de um pesadelo.

Durante as gravações, Kaíla e Kathe contaram com colaborações de Lorenzo Molossi (bateria), Lui Bueno (guitarra e voz) e Leonardo Gumiero que, além de produzir, tocou baixo, sintetizador, beats digitais e cítara. Desde a finalização da produção, no entanto, a formação passou por mudanças. Durante a turnê de promoção do disco, a dupla será acompanhada por Lorenzo ainda na bateria, Manu Barreto no baixo, e assumindo a guitarra, Alessandro Oliveira (ex-guitarrista da banda Audac).

El Rapto se apresenta de forma enigmática, e revela seu potencial sem pressa, evocando o mesmo sentimento que se tem durante o progresso da leitura de um livro. O nome e toda a construção do álbum foram baseados no mito grego de Perséfone. A banda explica que "o rapto, entre outras simbologias, mostra a adolescente sendo conduzida por uma figura masculina munida de autoridade até o mundo escuro do inconsciente. Lá, ao comer as sementes de romã oferecidas por Hades, cria um vínculo com ele e seu reino e periodicamente retorna à terra e ao Olimpo para conviver com sua mãe, quando volta a ser Koré - ou Cora. Nesse ciclo, emerge de volta à consciência, porém leva consigo os frutos do que aprendeu ao entrar em contato com o fosso mais profundo da psique.” A narrativa escolhida se mostra presente inclusive na capa do disco, que exibe um fragmento de uma releitura da escultura "O Rapto de Proserpina", do artista italiano Gian Lorenzo Bernini.

As nove faixas que compõe o disco transitam entre delírios cantados em português, espanhol e inglês. Kaíla conta que "o espanhol veio de um tempo que morei em Buenos Aires e foi arrebatador. Me descobri outra pessoa falando espanhol, com outras nuances de expressão e de auto significação. Depois fomos juntas pra lá (eu e a Katherine), compartilhamos um pouco disso que eu vivi lá e também trouxemos umas histórias que rechearam as músicas", acrescentando que "compor em inglês sempre vai ser mais fácil, soa tudo muito leve e cinematográfico. Em espanhol também soa tudo meio almodovariano e quente. Mas em português é bem mais gratificante." Os vocais, além de contribuírem para a narrativa, somam forças à ambientação criada no projeto, se entrelaçando com o instrumental igualmente curioso e criativo, gerando aquela vontade de ouvir tudo novamente para conseguir entender cada detalhe.

Um mood obscuro permeia o disco inteiro. Guitarras ecoam e flutuam ao longo das músicas e sintetizadores disparam lapsos de insanidade, evidenciando a confiança da banda em compor dream pop. A surpresa vem com a fuga da escuridão espacial desse gênero, em momentos em que guitarras gritam com distorção, proporcionando explosões sentimentais, como berros de "chega". Kathe conta que essa agressividade surgiu com o processo de amadurecimento das integrantes, e que "o peso da vida vai fazendo a gente querer trabalhar questões pesadas de forma pesada. Acho até que isso fala muito sobre as personas que simbolizam a banda: a Koré, enquanto essa personificação do dream pop etéreo e a Perséfone enquanto personificação dessa sonoridade mais agressiva."

O crescimento da banda fica cada vez mais evidente conforme as faixas vão passando, evolução que acompanha angústias psicológicas das integrantes, além de andar lado a lado com o mito apresentado. "O EP [não vai ter Cora] faz parte do período da Cora ainda sob tutela familiar, da mãe reclamando da ausência do pai, são composições mais inocentes. A Cora no El Rapto está em processo de transição, por isso também as 3 línguas. Ela já abandonou alguma ingenuidade, apesar de ser possível encontrar esse tema em músicas como 'Call From Gloom' e 'Eye Booger'. A Cora agora está aprendendo a olhar para o seu lado negro e trabalhar internamente para que ele não tome conta dela, como nas faixas 'Tulpa' e 'Massagem Cardíaca'", revela Kathe, e Kaíla completa dizendo que o lançamento "veio cheio de simbologias que na verdade são bem diretas, são mensagens profundas sobre coisas que vivemos no passado e continuamos vivendo, a dualidade entre o puro e o sombrio. Além disso, durante as gravações e finalização do álbum, a formação da banda acabou mudando de novo e isso sempre acaba mexendo de certa forma com a estrutura de tudo."

Durante 39 minutos, Cora chora, grita, se desespera e se encontra. Lançado através do selo PWR Records, El Rapto carrega em cada uma das faixas o contato com emoções amortecidas, a descoberta de sensações perdidas, o peso da existência e o expurgo de um pranto há muito preso.

Ouça o álbum completo abaixo.