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O melhor amigo da TV?

Ricardo Franca Cruz Publicado em 12/10/2007, às 13h24 - Atualizado em 09/11/2007, às 10h41

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Fausto Silva posa com Cesar, seu cachorro, para a Rolling Stone - Fernanda Soares (Still)/RS
Fausto Silva posa com Cesar, seu cachorro, para a Rolling Stone - Fernanda Soares (Still)/RS

Uma aposta, dessas simples que se fazem entre amigos, e Fausto Silva, o maior apresentador da televisão brasileira, está na capa desta edição de primeiro aniversário da Rolling Stone Brasil. Criador de cães e responsável pela vinda da raça italiana cane corso ao país, ele apostou com um de nossos publishers que seu principal animal, o corso negro César, um exemplar perfeito da raça, não levaria, pela terceira vez, o troféu de campeão mundial este ano. "Se o seu cão for novamente campeão, você aceita nosso convite para estar em nossa capa comemorativa como 'O Rei do Domingo na TV do Brasil' e nos concede uma entrevista", sugeriu o publisher, durante uma das famosas mas nunca mostradas pizzas na casa de Fausto, no bairro paulistano do Morumbi. "Entrevista? Enchem o saco pra eu dar entrevista. Você tem que dar entrevista quando tem alguma coisa pra falar. Mas, se a capa for com o César, eu topo. Ele sim que é rei - ainda mais se for tri", impôs o apresentador. Aceitamos. Um aperto de mãos entre cavalheiros e a aposta estava selada. Passaram-se meses.

Cerca de 300 cães participaram da competição, em maio, na Cidade do México. Nascido em terrae brasilis, César sagra-se tricampeão mundial da raça. Logo depois, um telefonema. "Zé, o César foi campeão de novo. Quando faremos a entrevista e fotografamos a capa?". Fausto Corrêa da Silva, não tenha dúvidas, é um homem de palavra.

Semanas mais tarde, encontramos o homem que mais tempo fica no ar nos domingos globais em um dos restaurantes mais tradicionais de São Paulo, no Jardim Europa. Almoços são perfeitos para aproximações com artistas. Não que eles, os artistas, baixem a guarda enquanto comem ou que a satisfação fisiológica causada pela alimentação os deixe mais abertos a perguntas difíceis de serem respondidas. É bem mais simples que isso, sem grandes teorias sobre técnicas de entrevista: agenda de celebridade é sempre concorrida, mas todo ser humano em condições normais de existência pára alguma hora para comer. Naquela tarde, Fausto Silva havia reservado três horas do seu tempo para a Rolling Stone. Depois da conversa durante o almoço, seguiríamos para o estúdio do fotógrafo Maurício Nahas, onde encontraríamos o tricampeão César, acompanhado de seu veterinário, dr. Edgard Brito, e de seu tratador, José Luiz Guedes, e a foto seria realizada. O encontro no restaurante prometia ser a primeira de, ao menos, duas entrevistas. Não foi. Se vira nos 30.

Fausto Silva não é tricampeão mundial da raça - de apresentadores de televisão, de seres humanos, do que for - mas ostenta silenciosamente o título de "homem que tirou o domingo de Silvio Santos". E isso, em uma perspectiva histórica da televisão brasileira, não é pouca coisa. E silenciosamente, porque memória no Brasil é o que mesmo? Já se vão 18 anos desde sua estréia global. Após um reinado solitário desde os anos 60, seu Silvio foi atropelado por um paulista gordo e bonachão, 15 anos mais novo, treinado nas improvisações do rádio, das reportagens esportivas aos programas de humor, e com um talento nato para se auto-sacanear. E rei no Perdidos na Noite, um programa de auditório tosquérrimo e, por isso mesmo, sensacional, que ia ao ar nos finais de semana dos anos 80. "Muda de canal, tá passando um filmão na Globo hoje" ou "isso aqui é uma zona mesmo", costumava dizer na TV Gazeta, depois na Record, depois na Bandeirantes (de 1985 a 1988).

O histórico programa que apresentou Fausto Silva, primeiro para São Paulo, depois para o Brasil, mudando a cara das atrações de auditório, virou febre entre a juventude. Em São Paulo, jovens se acotovelavam em filas gigantescas para assistir às gravações. A sensação naqueles distantes anos 1980 era a de liberdade pós-militares. Bandas de rock eram habituês do Perdidos na Noite e ali tocavam ao vivo, falando o que bem entendiam e fazendo parte da divertida tosqueira.

Acompanhado de Luiz schmidt, seu advogado, e de Eugênio Dell Agnolo, seu assessor, Fausto Silva chega no restaurante na hora marcada. Traz uma gravata de presente para o nosso publisher, um dos vários regalos que costuma dar aos amigos. Espero que todos escolham seus lugares e sento-me à cabeceira da mesa, a seu lado. Depois de gentilmente pedir minhas credenciais profissionais, começa a beliscar as entradas do restaurante chique. Ligo o pequeno gravador digital e o posiciono à frente do apresentador. Uma matéria no jornal Folha de S.Paulo sobre o Domingão do Faustão no fim de semana anterior ao nosso encontro ainda ecoava na cabeça de Fausto Silva. "Então, o que acontece? Encheram o saco: 'Ah, dá uma entrevista, porque é um cara legal, porque isso, porque aquilo'. Aí, o cara vai lá, faz a entrevista, você atende bem, com educação, e ele coloca no jornal: 'O Verborrágico Faustão'. Puta merda! Tenho certeza de que não sou verborrágico. Mas, se fosse inseguro, eu daria um tiro na cabeça. Tem que ter equilíbrio." Aproveito a deixa e começo com o tema Perdidos na Noite. "Existe a crítica saudosista das viúvas do Perdidos na Noite", ele diz. "Até entendo, mas é aquele negócio: se eu tivesse ficado do mesmo jeito, o que os caras iriam falar? Se você fica a vida inteira como marginal e como antitelevisão, o cara fala: 'Porra, esse cara não muda, é sempre a mesma coisa'. Se você muda, ele fala: 'Por que esse cara mudou?'."

A audiência, então, é conservadora?

Acredito que sim. Mas no Perdidos na Noite era uma anarquia. O clima era favorável a isso porque havia uma ditadura, política e de costumes. Eu tinha uns 30 anos de idade, hoje tenho 57. Fazia o programa que era adequado para aquele público. Foi o Tom Jobim que me falou: "Uma coisa é você ser cult, apresentador de um programa contestador. Você está agora em uma televisão do grande sistema. Se você não der certo, eles vão dizer: 'Tá vendo? Ele não devia ter saído de lá!'. Agora, como você está começando a fazer uma coisa diferente, tem que se preparar, porque as pessoas vão falar: 'Ah, antigamente era melhor!'". O Tom sabia das coisas.

Você surgiu na televisão como apresentador de um programa inovador, que ousava. Você achava que um dia estaria na Globo?

Eu não tinha muito essa consciência de estar fazendo no Perdidos algo inovador e ousado. E jamais pensei que fosse trabalhar na Globo. Aliás, a comunicação do Perdidos era toda baseada na programação da Globo e das outras emissoras, eu ficava mandando o telespectador embora - "Muda de canal, tá passando um filmão na Globo, meu! O que você tá fazendo aqui!?".

A televisão brasileira comportaria hoje um programa como o Perdidos na Noite?

No Perdidos fizemos programas históricos: Arthur Moreira Lima, Gilberto Gil, Legião Urbana, Marinalda, a rainha do forró, Milionário e José Rico, Nora Ney. Aí que você mostra o contraste do Brasil. Eu me lembro que a Nora Ney era uma senhora já naquela época e cantou 'New York New York' com duas mil pessoas no teatro Zácaro em pé. Ela chorava. Dava pra fazer isso. Era um programa cult, jovem. Hoje isso não existe mais.

Você lê as outras 40 perguntas e 40 resposta em nossa edição 13, comemorativa de aniversário