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Carlinhos Brown

Carlinhos Brown acredita que a Bahia precisa continuar sendo autoral e quer ouvir alguém que faça uma música que substitua o axé

Marcus Preto Publicado em 12/12/2007, às 00h00 - Atualizado em 14/01/2008, às 18h45

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Brown: um tipo brasileiro na Europa - Vincent West/Reuters
Brown: um tipo brasileiro na Europa - Vincent West/Reuters

Uma década depois de ser considerado a grande novidade da música por seu álbum de estréia, Alfagamabetizado, Carlinhos Brown virou produto importado em seu país. A Gente Ainda Não Sonhou, seu disco mais recente, foi gravado no Candeal, em Salvador, mas lançado pela Sony/BMG na Europa, no início de 2007. E só agora ganhou uma versão nacional.

A gente ainda não sonhou. A gente ainda vai sonhar?

Esse título surgiu quando estava havendo o bombardeio no Iraque. Será que o que estava acontecendo era ficção ou havia pessoas reais sofrendo e chorando? Com a idéia de sonhar com o futuro nós inventamos a roda, os aviões, os foguetes, aprendemos a fazer novas mídias, a fazer guerra, mas não aprendemos a fazer paz. A paz virou um item supérfluo e isso está muito ligado a não sonhar. Sonhar acordado é bom, são essas coisas que modificam. Mas, acima de tudo, sonhar bem é facilitar que o sonho dos outros também se realize.

Agora, seus discos são lançados por uma gravadora internacional. O Carlito Marron se tornou maior do que o Carlinhos Brown?

Nesses últimos 15 anos, consegui fazer uma obra no exterior que não consegui aqui. No meu país, eu sou um produto importado. E sinto muito por isso.

Mas essas obras não poderiam ter sido lançadas aqui?

Havia muitas críticas ao meu modo de ser, ao meu jeito de vestir. Era um cara que colocava saia, cocar, era todo carnavalesco. Um ser estranho para quem queria me ver de camiseta Hering e calça jeans. Queria parecer com os índios, com os negros, com os 500 anos do Brasil que não perdeu seu barroquismo. E isso [esse modo de vestir] foi muito bom para mim lá fora, as pessoas me identificam como brasileiro exatamente por causa desse meu jeito.

Quando você surgiu, suas composições eram elogiadas, mas a crítica reclamava dos seus dotes como cantor.

Sim. Fazia um show, via todo mundo cantando, todo mundo contente. E, para algumas pessoas, isso não era suficiente. Isso mostra que o Brasil não se importa muito com o desejo de aprender. Parece que todo mundo no Brasil já sabe. E eu não sei. Então fui aprender com quem realmente podia me ensinar. Não com quem já sabe, e sabe tanto que só sabe criticar. Eu quero quem me ensina. Vivo em um país onde é preciso ter uma imagem. Estou mais para Wilson Simonal do que para Reynaldo Gianecchini. E todo mundo sabe como se tratam os wilsons.

No seu caso, as críticas foram sempre destrutivas?

Há uma coisa que me encanta no Brasil: há muitos talentos. E muitos talentos passam a não prestar. Eles não prestam, mas deixam sempre um resquiciozinho para ser estetizado. E, de repente, tem uma seqüência de coisas parecidas com o que não presta. Isso é bem do domínio. Eu, se descobrisse hoje que tinha algum talento, esconderia algumas coisas. Porque, às vezes, é muito - choca demais - e você termina mexendo em alguns poderios estéticos aos quais o país é muito preso ainda. O Brasil é muito novo para ter um pensamento museológico sobre sua cultura. Ela precisa ser preservada, mas não está morta.

O que acha da música baiana que é feita hoje? Essa facção mais famosa, que ainda usa os ecos do sucesso do axé como matéria-prima, ainda pode nos render alguma novidade?

A música de Carnaval é extremamente necessária. De tudo isso, é o Carnaval que é eterno. E ele vai utilizar esses rótulos como meros acompanhantes, como uma fantasia. Uma fantasia que dura 100 anos, como o frevo. Ou que está durando 20 e poucos, como o axé music. Salvador está muito preparado para fazer música de verão, os "summer hits". É quase um jingle. Um refrão grudento, que se aprende na hora. Ali, música é "mão pra cima, mão pra baixo", porque o que importa é a animação.

Ivete Sangalo é uma de suas parceiras, não?

A Ivete é uma melodista incrível. Mas o público brasileiro é muito separatista: não quer que Pitty cante nada que não seja rock ou que Ivete cante outra coisa a não ser aquilo. Cabe a nós, artistas, sermos o que somos e quebrar tudo. Dizer para o público: "Amo vocês, mas essa cobrança não condiz com o que tenho a oferecer". O que a Bahia precisa é não provar nada e continuar sendo autoral. Se você tiver uma música fácil, carnavalesca, e alegre que substitua o axé music, mostre!