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Mãe Coragem

Fernanda Lima surpreende em seu mais novo papel. Grávida de gêmeos, ela não alimenta sonhos e prova que sua história é outra, bem pé no chão

Ademir Correa Publicado em 09/04/2008, às 15h05 - Atualizado em 08/05/2012, às 11h58

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"Não queria ser uma grávida excluída, queria levar uma vida normal. Tá lá, grávida. Não, tô aqui, gato" - Murilo Meirelles
"Não queria ser uma grávida excluída, queria levar uma vida normal. Tá lá, grávida. Não, tô aqui, gato" - Murilo Meirelles

"Vai no supermercado sem calcinha, sei lá. Se tiver sem em um lugar cheio de fotógrafos, provavelmente amanhã tá na internet. Depois não adianta chorar. Tapa-sexo, minha gente", pede Fernanda Lima, clamando pela auto-proteção contra essa íntima invasão que acomete as celebridades de hoje. Ela está de calcinha. Ou de tapa-sexo. Prevenida, sabe que vivemos no momento singular dos criadores de furos-intrigas. Hoje olhamos sob os vestidos de Britney Spears, Paris Hilton, Luana Piovani e Juliana Paes; investigamos o aparecimento de um bico de seio de Narcisa Tamborindeguy (no Carnaval) ou de Adriane Galisteu (em uma festa); damos muita atenção à transparência do figurino de Lindsay Lohan. Sem contar outras já traídas pela moda e descobertas em suas "vergonhas" - atitudes que, mesmo sem querer, ganham ares de atentado ao pudor.

Fernanda está maquiada, recém-saída de uma sessão de fotos em que se mostrou como veio ao mundo. Seis horas de ensaio depois, se declara à câmera . "Acho superlegal. Eu, vestida, é bem mais tranqüilo. Tem que tirar tudo, suei. Encaro numa boa quando não tem erotização, mas é sempre tenso." De roupa - um short jeans, uma regata branca, um colete preto e um All Star rosa sem cadarço -, pega sua bolsa amarela, de couro, e me convida para jantar. Saímos de um prédio em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas e vamos saciar a fome. No trajeto, conta que sua mãe, Maria Tereza, vem ao Rio de Janeiro para dar uma ajuda com os gêmeos, e lembra que este é seu último dia de trabalho antes de entrar de férias - a previsão é de que os filhos nasçam no final de abril. "Quero tentar parto normal", adianta.

Estacionamos no centro do furação paparazzi, o bairro do Leblon. Fernanda queria conhecer o Popfish, reduto nipônico que fica bem ao lado de outros restaurantes em que estrelas da TV e divas da música são comumente enquadradas "almoçando ou jantando" e isso vira notícia semibombástica. Tenho dúvidas sobre a dobradinha gravidez-peixe cru, mas ela, então de oito meses, avisa que está liberada (pelo seu médico) para os sashimis - privilégio que não se estende a todas as gestantes pelo que soube depois. Entramos no pequeno recinto vermelho e cor-de-rosa ilustrado de flores, raios e personagens sorridentes que ganharam vida na parede - como em um universo paralelo, animado. Sentamos, ela abre o zíper - grávidas e pessoas que comem em demasia saem de apertos dessa forma - e pedimos sucos de uva (de lata) com pedaços da mesma fruta (no copo), um pleonasmo do cardápio. O garçom anota nossos quatro temakis enquanto a moça que todos conhecem como Nana pede para baixar o som com receio de que sua fala não seja devidamente registrada.

Indico no menu uma sobremesa chamada "Sem Miséria". Ela começa a rir. Aperto o Rec e pergunto sobre um perfil virtual que a aponta como uma "questionadora". Já vínhamos conversando banalidades e segredos jornalísticos (offs) no caminho até ali e falsa intimidade não é boa para quem nunca tinha se visto. Um silêncio rápido para formular um argumento e vem a réplica [em um tom de voz mais baixo]: "Minha questão hoje é parar de achar que posso mudar o mundo. Tô um pouco sem sonhos, sem utopia. Minha geração [Lima tem 30 anos] está assim, sem vislumbrar alguma coisa legal. Anda tudo tão caído". E emenda. "Comecei a ficar mais descrente em relação a algumas coisas que acreditava que pudesse fazer."

Os cones de salmão são servidos e instantaneamente falamos de Lula. "O que aconteceu para que você ficasse tão incrédula?", indago. Ela me encara como se dissesse em bom gauchês - 'tu é alienado' - e discursa: "Vivo em um país em completa decadência. Não tem ética nenhuma, está cheio de corruptos. Tem um presidente demagogo que fala um monte de porcaria, não só ele, os que vieram antes também". Fica pensativa. "Sinto a necessidade de ver o cara na TV falando: 'Brasileiros e brasileiras... papapá, papapá. Temos um problema'. Se fizesse isso uma vez por mês, se aproximaria um pouco da gente. A política tem que ficar mais perto", afirma. Deixando claro que está bem informada, clama por explicações contundentes - admite que precisamos sair desse barco furado. "De tempos em tempos até paro de ler jornal, senão tu começa a ficar angustiada. Vê um Jornal Nacional e é triste. Ao mesmo tempo não dá para alienar. Tá tudo aí. O que posso fazer pela natureza? Porra nenhuma. Posso separar meu lixo, enterrar meu adubo orgânico, não jogar papel no chão e dar uma mensagem ou outra como comunicadora. Mas o que está acontecendo, entende, essas campanhas... Vai saber se o dinheiro não é desviado."

Pareço estar diante de um ícone de massa que acredita na resolução dos perrengues nacionais com uma simples exposição televisiva - percepção que pode ter surgido, em mim, por saber que ela trabalha nesse veículo há cerca de oito anos. Brinco dizendo que políticos passariam o dia inteiro em rede aberta dando esclarecimentos. "Até pode ajudar [essa função educativa da telinha]. Na real, isso cabe ao Estado. Mas não sei com o que ele está preocupado." Para Fernanda, a lista de "coisas a fazer" que deveria estar colada na geladeira do Brasil é extensa:

"Primeiramente a educação. O sistema carcerário que é um lixo, destrói mais. A natureza tá acabando. Desarmamento. Prostituição infantil. Também sofremos com a desigualdade - porque aqui pobre é rato, as pessoas morrem e não têm nem sobrenome. Um rico que vai preso paga a fiança, sai e vira personagem de filme visto por 3 milhões de pessoas. É muito feio o que tá acontecendo com a gente. Aí tem PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], Bolsa-Família, todas essas ilusões. Tá tudo errado mesmo", sentencia. Ela pára, respira... Me olha. Indignação? Cidadania? Revolta? Impossível precisar.

Duas semanas antes desse rendez-vous, em uma tarde prosaica de trabalho, recebo uma polaróide "superconfidencial" em que Fernanda Lima está de perfil, nua, cobrindo os seios com as mãos e com a perna direita levemente levantada - sua roseira-tatuagem está à mostra. Na cabeça, usa um chapéu. A intenção do e-mail era mostrar o potencial do que ensaiávamos fazer [achei inconveniente divulgar a imagem, mas imprudente não falar sobre a existência dela]. Não restaram dúvidas de que encontraríamos uma protagonista e não uma princesinha que acabou desnuda por falta de malícia - inclusive já havia se exposto dessa forma para publicações internacionais [revistas Boss e V]. Também não precisávamos nos preocupar exatamente com o conteúdo. "Até a Cinderela é mais do que um rostinho bonito", provoca. "É lógico que consegui várias coisas por esse motivo. Não é um mérito, é um fato. Se fosse só bonita, não estaria aqui, não acha?"

A gaúcha não é uma refém do meio ultravaidoso em que está inserida, nem de si mesma. Apesar do carisma, de alguma sorte e muito esforço, nunca foi pega no colo em suas escaladas. Por isso fala o que pensa, ou melhor, fala e pensa. Controla a própria vida desde os 14 anos, quando começou sua carreira de modelo e foi descoberta, por acaso, como toda boa história de menina-top model - "Acompanhava uma amiga até uma agência e me convidaram para fazer um teste...". Sua perfeição natural contrasta com um caráter inquisidor e com a vontade que parece ter de desafiar a ordem, mesmo em sua fase mais cética. A harmonia com que diz viver bate em cheio com a realidade carioca, cidade que adotou.

A entrevista acontece no início de março, quando tablóides contam, em um fim de semana, 11 assassinatos nos morros e uma explosão. "E Porto Alegre, meu? Tu desce do carro e tem que sair correndo para a portaria", apavora-se ao discorrer sobre a situação de emergência em que se encontra sua terra natal. "Não lembro de lá ser tão violento. Claro, a história da humanidade é truculenta, mas a banalidade com que as coisas tão acontecendo.... Tá muito próximo da gente. É uma guerra que te massacra dia após dia", lamenta, deixando claro, porém, que essa calamidade não é um horrível privilégio de nações em desenvolvimento. "Também sinto isso em Paris, em Londres. Tenho medo do homem. As pessoas tão muito individualistas. Se a gente discutir no trânsito, tu pode me matar. Todo mundo anda armado. Tenho que usar carro blindado, é um stress desnecessário."

Ainda no trânsito, mas trocando de pista, recordo a inofensiva pancada automobilística que levou quando ia ao médico, acompanhada do ator Rodrigo Hilbert (pai de seus filhos). "Fernanda Lima sofre acidente", anunciavam os sites de fofoca. "A gente viu que isso ia acontecer. Não foi nada. O Rodrigo olhou, deu o telefone, entrou e fomos embora. Depois vazou... Tu não imagina quantas pessoas me ligaram nervosas. Acho um pouco assustador a dimensão, a distorção e a invenção de notícias desse tipo." Talvez essa seja uma das causas do isolamento da moça, proteger-se da falsidade das informações que pipocam ao alcance do mouse. "Quanto mais conseguir manter minha vida, mais real vai ficar.

Quanto mais a gente expõe... por exemplo, tô tentando aqui falar contigo e tô tentando ser sincera. Não sei se estou sendo sincera. Não tira isso do contexto senão tu fode a frase, hein? Lógico... À medida que saiu da gente, tá transformado. Por isso não dá pra ficar contando tudo. Acho perigoso. É mais simples do que toda essa purpurina", confessa. "E a gente fala muita coisa que não é, mas quer ser. O que vou inventar pra ti pra ser legal, para ficar bem na fita? Lógico, tu acaba sofrendo as conseqüências disso. Na hora em que vai deitar sozinha: 'Cadê eu?', 'Quem sou eu?'. Dúvidas normais de qualquer ser humano", se analisa. Mas fama também é privação. "Às vezes deixo de ir a um show por causa de foto, pergunta, pergunta, pergunta, gente anotando, correndo", assume. "Também não gosto de ir à praia no final de semana, é cheia, barulhenta. Não me incomoda deixar de ir. Mas imagino que deve ter muita gente que pesa não poder fazer as coisas. A Xuxa, por exemplo, se ela gosta de ficar sozinha, tudo bem."

A superexposição a que se refere vem de seu contrato com a Globo, feito em meados de 2004. Foi para o canal substituir Angélica (durante sua licença-maternidade, o que aconteceu novamente há poucos meses) na apresentação do diário Video Game. Assim que chegou ao casting estrelado do Plin Plin, viu que bola fora é fim de carreira na certa. Ela sabe que existe a imagem perfeita e imaculada de uma 'global' e que isso, de alguma forma, pode afetar futuros cont(r)atos. Em outros mercados, como nos Estados Unidos e na Inglaterra, é possível viver de escândalos e a imprensa se apropria desses artistas tidos com personalidade - as músicas viram hit, cinemas lotam, os acordos como garotos-propaganda passam a ser milionários e por aí vai. E Fernanda Lima é uma boa moça? "Sou certinha. Correta, no sentido de não me drogar, não fumar, não beber. Já fiz tudo o que um adolescente comum, festivo, faz. Mas nunca com exagero. Me considero quase sem graça no dia-a-dia", adianta. No Brasil, fumar, ter uma sex tape, beber (cerveja pode) causa demissão. "Tu acha que a Globo vai me contratar se eu for uma louca, drogada?"

- "As pessoas têm que mentir para não perder o emprego?", rebato.

"Não preciso mentir, mas posso não falar. Lembra o que aconteceu com a Soninha? Ela foi mandada embora da TV Cultura. A Época me procurou para participar daquela matéria [publicada em 2001, reportagem que ganhou outdoors com a seguinte chamada: "Eu Fumo Maconha"]. Tem coisas que a mídia transforma... uma frase e ela já estava desempregada. Tu defende o teu [seu indicador vem na minha direção]. Cada um defende o seu", explica sobre essa lei informal que parece pasteurizar um bom-mocismo way of life para a vida pública. "Dou graças a Deus de não ter dito nada, porque achei aquilo tão nocivo, tão feio [Fernanda acabou indo para a praia e esqueceu de ligar para a revista]. Foi superprejudicial para quem resolveu debater o assunto." Mas a apresentadora e atriz admite se arrepender de frases já publicadas. "Me preocupo quando falo alguma coisa que a minha família se incomoda. Sempre dou umas letras, talvez devesse ficar mais quieta." Lembro de sua entrevista para a Playboy (em 2004), em que experimentou falar sobre ecstasy. "Tudo aquilo foi parte de um momento. Tudo o que afirmei era verdade. E não me fez mal. Mas sabia que tinha contado coisas mais picantes. A imprensa pode te destruir." Em seu blog, na época, deixou o seguinte recado para os fãs: "O que deveria ser uma matéria jornalística acabou em pizza... Basta olhar com atenção e perceber que muitas perguntas não casam com as respostas. O que torna tudo muito sem sentido... É uma pena, pois de cinco horas de um papo muito legal, editaram só a meia hora de sacanagem". Pragmática, a jornalista fica apreensiva cada vez que solta uma sentença que pode ter sentido dúbio, não gosta de ver seus pensamentos indevidamente apropriados e explica-se quase sempre que se lê mal editada. Defende seu pão (integral) de cada dia: "A gente vive ali da TV. Quero fazer publicidade. Mas a minha intenção é justamente não usar uma máscara. Porque funciona profissionalmente, mas pessoalmente dói. Tem que lidar com muita coisa para orquestrar isso. Mas não preciso me segurar. Tu tá numa festa e tem que fumar um cigarrinho escondido. Eu já nem faço isso."

- Você se preocupa em dar um bom exemplo?

"Inconscientemente sim. Mas antes de qualquer coisa para fora sempre tento exercitar aqui dentro [coloca a mão no peito]. Tu começa a ficar conhecida e acaba meio louca. Por isso eu me fecho. Mexo muito esse lado - meditação, ioga, leitura, filosofia. Faço análise. Quero aprender línguas. Preciso sair do meu centro pra me enxergar de fora - não posso acreditar em mim. Don't believe the hype".

Fechar-se, em um mundo em que todos se abrem, vide a obsessão "púbica", também tem um preço e uma aparente antipatia a ser contornada. "As pessoas me acham blasé, justamente pelo fato de não ficar procurando agradar. Sou na minha e não 'Ahhhhhhhhhhhhhhh [faz um gesto brusco com os braços e grita]. Vou me abrindo. São algumas barreiras normais da vida que, para se relacionar, todos colocam." Ela parece ressabiada com o teor íntimo das perguntas e avisa: "O gaúcho é meio grosseiro, e não nego a raça. Que é o que mais agrada e desagrada em mim. Quem gosta, gosta. Quem não gosta, se assusta", explica suas raízes. "Sou mais intro. Às vezes, posso parecer um pouco antipática mesmo." Imprescindível não notar certa timidez no olhar. Ela pode até soar meio seca, direta, mas isso não passa de senso de realidade aliado a um signo emocional-autodefensivo de Câncer.

A poucos dias de sua licença-maternidade - quer ficar um ano criando seus meninos [um deles deve chamar João e o outro ainda está sem nome, o casal tem dúvidas entre Artur ou Francisco...] -, Fernanda Lima passa uma imagem da guerreira que não teme ousar. "Batalhei para caramba. Saí de casa cedo. Viajei para o Japão, Itália, Suíça. Fui assaltada. Morei em São Paulo, sem grana. Mas sempre fui muito disciplinada", faz um currículo breve. "Comecei a pegar trabalho mesmo depois que cheguei de Milão. Não fiz nada lá. Ou voltei com um olhar, uma atitude diferente, ou foi só por causa do estigma: 'Voltou de Milão'. Fui lidando com muita naturalidade, sem tentar mostrar o que não era."

A partir da publicidade, acabou na MTV e embarcou para o Havaí, como apresentadora do Mochilão. Em seguida, recebeu uma proposta da Rede TV, onde apresentou o Interligado Games e o TV Escolha. Nessa época, teve problemas com o sotaque carregado, linguajar que é também seu marketing pessoal, mesmo que inconsciente. "Talvez nem consiga falar de outro jeito. Acho que diferencia, chama a atenção de alguma forma. Mas não forço, senão fica feio...", esclarece.

Ela voltou à Music Television, continuou suas andanças mochileiras e também esteve à frente do Luau MTV e do procura-namoro Fica Comigo. "Só saí porque não tinha mais o que fazer lá e tava querendo me mudar de São Paulo. O Fica Comigo não tinha mais verdade - as pessoas não iam pra encontrar alguém. Uma inocência tinha sido perdida, pelo tempo de duração mesmo. E o Mochilão não estava exatamente me levando para onde queria. Acabava fazendo esporte radical. Aquilo começou a me fazer mal. Achei que meu tempo tinha chegado ao fim." Investigo se, por acaso, ela não teria ficado maior do que a própria MTV? "Talvez sim, no meu sonho. Talvez eu achasse que.... humpf... sempre com o pé no chão porque não tinha para onde ir. Por mais que achasse que estava maior, então deveria ter para onde ir, não? Ninguém me chamou. Mas pensava que podia render mais, ter mais visibilidade. Esperei para saber o que podia ser menos nocivo", admite. "É uma indústria muito tentadora. De repente, tu ganha X e alguém te oferece 10 X. Hoje já não sei se iria ganhar 10 X para contar feijão [risos]. Na época achei que tinha que construir algumas bases."

A modelo que virou apresentadora e atriz. História já contada, preconceito para os mais puristas. Independentemente de qualquer título que venha ganhar, Fernanda Lima formou-se em comunicação social e foi direto para a trama das 7. Aceitou o papel principal de Bang Bang (2005), folhetim escrito por Mário Prata. "A possibilidade de atuar é sensacional. Tem um mistério. Alguém que se abre a isso está a fim de mexer em todos os demônios. Essa primeira incursão também veio acompanhada de críticas severas, doloridas. "Podem não ter gostado. Tava muito crua mesmo. Acho que ajudou muito o fato de já ter uma carreira [e atrapalhou porque, como já era conhecida, a vigilância foi severa]." Inserida em um produto cultural valioso de exportação, a porto-alegrense se deparou com o duro processo diário. "Não é passo a passo. 'Vai. Começou.' É: 'Vai lá. Se vira.' Se a pessoa entra mais ou menos, vai melhorando e depois entende tudo. Tu aprende a fazer, domina a linguagem. Não quis negar o convite porque achei incrível o lance do faroeste [gênero western da encenação]." E recorda com certa nostalgia os primeiros momentos de gravação. "[Dá um sorriso de contentamento] Comecei no Deserto de Atacama, andando a cavalo. Foi mágico, vendo todo aquele visual. Vai, gravando: 'atira'." Quanto à personagem: "A Diana era dura, sofrida, violenta. Desenvolvi a luta, a agressividade, o lance de 'fazer'."

Esse capítulo acabou e a neoatriz foi intimada para outra jornada, Pé na Jaca (2006), de Carlos Lombardi. Aceitou mais essa, mesmo admitindo que as opiniões contrárias de antes não eram completamente infundadas. "Com certeza [risos]. Alguma coisinha aqui ou ali dava pra ler. Tava assustada. As críticas me machucaram, mas cicatrizou. Sabia que na próxima estaria preparada - mais forte, mais íntegra, com mais vontade", reflete. "Estou sempre recomeçando. Isso me alimenta. Prefiro não saber, e aprender, do que não fazer por medo de ser gongada." E parece não se arrepender de ter dado mais esse tiro no (em um primeiro momento) nada. "Só acho o dia-a-dia realmente cruel, injusto. Se grava a toque de caixa, é um trabalho como qualquer outro. Não tem essa de 'esmiuçar uma cena'. Os atores ficam cansados. Chega no final e tu tá arreganhado, louco que acabe. É que ninguém fala sobre isso. É pesado." A boa telespectadora que é continua sua avaliação. "As histórias são muito repetitivas, a direção é muito corrida. São 34 cenas para gravar em um dia. Você acha que tem tempo de fazer uma coisa bem-feita? É o que dá. Poderia ser melhor se as condições fossem outras. Mas a vida é diferente. Uma novela não tem mais 30 personagens, tem 80. Acho que tá mal acabado, podia ser melhor. Com as condições que se têm, eles fazem milagre. Capotam, tem perseguição, tomadas de ação. Acho que falta um diálogo um pouco mais rico."

Como apresentadora, Fernanda emplacou em novos formatos. Comanda o Por Toda a Minha Vida - telebiografia de grandes nomes da música como Elis Regina, Leandro, Renato Russo, Nara Leão, Tim Maia, Mamonas Assassinas e Dolores Duran. "Essa idéia surgiu durante Pé na Jaca. Todos achavam que faltava algo assim. Várias vezes me reuni com o Mario Lúcio [ex-diretor artístico da emissora] e o Ricardo [Waddington, diretor de núcleo e ex-namorado de Fernanda]. E acabou rolando o da Elis. É um serviço que a gente presta resgatando essa memória." Também se viu debatendo o futuro adolescente em um quadro especial, o Daqui pra Frente, do Fantástico. "Eles queriam que fosse algo bem informativo mesmo."

Projetos mentais delineiam seu futuro pós-licença. "Gosto do que faço. Se pudesse faria mais - tenho idéia, energia, vontade. Mas também, 'Okkkkkkk'. Tá bom", contenta-se, apesar de enumerar suas preferências. "Quero fazer trabalhos legais, música, entrevista, com auditório, com brincadeira. Ao mesmo tempo, posso ser telefonista, desde que acredite naquilo." À minha frente, uma espécie de curinga, uma faz-tudo. "Minha idéia é sempre crescer, somar e oferecer isso para o espectador. Se, de repente, esse lado não estiver sendo aproveitado, ok. 'O que vocês têm [pergunta para a Globo]? Piada, riso, gargalhada?' Ok. 'Xuxa?' Faço. 'Criança?' Amo. 'Adulto, entrevista?' Me ajudem. 'Seriedade? Jornalismo?' Tô dentro. Não tenho o perfil de repórter séria, de cabelinho chanel, mas posso ser do meu jeito. Acho que foi isso que eles viram em mim."

Muitas facetas, essa também é a forma como ela se define. "Profissionalmente? Uma apresentadora em seu caminho, uma atriz completamente aprendiz, uma jornalista estudando na prática. Besteira. Rótulos bobos que a gente dá", descarta instantaneamente suas aptidões. "Eu mudo todos os dias de manhã. Não tenho coerência nenhuma. Mas minha lógica é não aceitar coisas que desviem minha conduta, meu caráter, minha dignidade", responde. "Se a gente tem um feeling, deve segui-lo. Quando fiz Bang Bang, sabia que ia perder Cão sem Dono (2007), que era meu sonho." Fernanda abriu mão de sua grande investida na sétima arte devido à forte agenda de gravações a que seria submetida na TV. "O cara [o diretor Beto Brant] me apresentou um roteiro. Pirei. Se passava em Porto, uma gaúcha, uma modelo... era a 'minha' vida. Mas optei por uma novela... fui massacrada. Falei: 'Putz, acho que não escolhi bem'. Mas agora vamo embora, né?" O fato de já ter construído sua credibilidade em outros canais traz a ela certa desenvoltura para lidar com caminhos, em princípio, tortuosos. "Sinto que as pessoas me respeitam pela minha intenção de fazer as coisas. Se criticam ou não é porque tu tá chamando a atenção. De alguma forma a pessoa tá olhando aquilo, querendo te ajudar." O "daqui pra frente" não a aflige. Deve ter certeza de seu belíssimo rosto pronto para ser dado a tapa. "Não tenho um planejamento de carreira. Se eles [o escritório que a representa] pensam em alguma coisa, ligo: "Oi. Amanhã tô querendo ir para a China."

Fernanda se mexe no sofá do restaurante. Tenta subir o zíper. Por baixo da mesa, teme revelar partes que não precisam ser vistas. Eu me rendo. Peço para colocar a mão em sua barriga. Ela aponta o local onde está a cabeça de um dos bebês. Encosto, de leve. É uma "cena" e tanto. Lembro de Juno MacGuff, a adolescente-gestante que olha para a sua cintura e diz: "I'm a Planet. I'm a Planet. I'm a Planet". Meu braço recua. Saio de minha lisergia de concepção. "Adoro Juno, é um filme maravilhoso, revolucionário", elogia Fernanda. Ela, que manteve o corpo esguio e expõe apenas um indício gigante de seu futuro como progenitora, deixa claro que não se derreteu na gestação - o que também não aconteceu na ficção com a menina (Ellen Page) de Juno, o pregnant-movie dirigido por Jason Reitman - e não costuma conversar o tempo inteiro com "eles", simplesmente "por não ter muito o que dizer". "Sou muito séria. Não sou uma menininha que agora vai ter que virar mãe e deu. Vai ser natural. Não tenho muito: 'cacacacacá' [mexe os dedos rapidamente como se fizesse uma mágica]. Meu lado infantil é um pouco masculinizado - pra jogar, pra brincar, pra construir coisas, pra fazer molecagem. Sempre quis ser adulta."

Quanto à exploração de seu "estado", sabe exatamente até onde pode ir e volta ao assunto. "Gosto de moda, gosto de me reinventar. Tenho essa coisa meio drag queen de fazer um cabelão, um 'meicão'. 'Posso ser uma mulher grávida, de repente meio roqueira." De alguma forma, uma releitura do clássico retrato imortalizado por Demi Moore na capa da Vanity Fair, em agosto de 1991. "Desfilei com sete meses na Sapucaí, na Grande Rio. Imagina. Completamente improvável. Tava há muito tempo segurando eles [olha para baixo]... E ninguém da minha família tinha me visto grávida", conta.

E ela está consciente das dificuldades de carregar o "peso" da maternidade. "Esse barrigão não é a coisa mais fácil do mundo. Tira um pouco do ar. Tu tá vendo que tô cansada? Limita a tua liberdade. Mas é muito interessante o seguinte, as pessoas vêm: 'Não vai parar? Não tem que parar?' Não, meu corpo não mandou." E, assim, sua intensa agenda de compromissos foi seguida à risca. "Não queria ser uma grávida excluída, queria levar uma vida normal. Tá lá, grávida. Não, tô aqui, gato", peita. "O cara vai sozinho. 'E a grávida, a gorda, como é que tá?', ficam perguntando. 'Tá lá. Chata pra caralho.' Queria ficar pra cima. Não digo feliz, porque também um dia tu tá feliz, noutro não." E comenta, então, os cuidados que teve para manter-se com saúde. "Voltei a comer carne. Mas acabei tomando muito refrigerante. Um dia olhei minha bunda e tinha umas 15 celulites. Ahhhhhhh [faz uma cara de espanto]. Parei na hora", solta uma risada. "Não acho que mudei muito. Nem sinto aquele hummmmm [tenta mostrar sensação de plenitude dando um abraço no ar]. Nove meses voam. Nos quatro primeiros passei muito mal, emagreci. Depois que começou a vir barriga e tal eu me gostei. Sou supervaidosa, me cuido. Não quero ficar feia, mas não persigo isso." Envelhecer? "Inevitável. Não vou fazer plástica pra me transformar num dragão [estica o rosto para mostrar o resultado da intervenção cirúrgica feita por algumas plastificadas que circulam por aí]. Hoje em dia tem coisas excelentes, mas acho uma senhora elegante mais bonita do que um monstro."

Mãe mesmo, Fernanda acredita que vai virar só "quando saírem os bichinhos". Se explica: "A única coisa de concreta é esse movimento [de vez em quando, aquele grande balão que guarda duas vidas se manifesta, se estica, se contrai]. Tu olha e vê: 'caramba, tem coisa aqui dentro'. Aí, já tive que arrumar um quarto e contratar uma babá, o que inchou meu orçamento". Para a sua prole, ela tem uma receita: paz de espírito, algo que está acontecendo antes mesmo do nascimento. "Tive três discussões, por besteira, e foi horrível porque senti que eles não curtiram. Fico imaginando alguém que é violentada, que passa por dificuldades financeiras, não dorme direito, mora mal, foi abandonada pelo marido. Tudo isso vai para a criança. Tentei viver esse período sem falsidade, sem gritaria. Daqui acho que já vai sair alguma coisa." A responsabilidade adulta parece não assustar essa célebre gestante e vem acompanhada também de certa calma. "Penso muito no que vou dizer para esses moleques. Eles podem tentar uma vida fácil ou estudar para caralho e se foder para não ganhar bem." Desde que se descobriu "esperando", desistiu de apenas um trabalho, o teste para escolher a nova Bond Girl de 007 - Quantum of Solace, a mais recente empreitada da franquia James Bond - o papel foi abocanhado pela ucraniana Olga Kurylenko. Fernanda resolveu curtir seu "estado especial".

A estrela da Globo faz parte de um baby-boom de famosas - Halle Berry, Jessica Alba, Camila Pitanga, Fernanda Torres estão entre as agraciadas pela cegonha. Já existe, há tempos, até um setor da mídia que fecha autorizações exclusivas para apresentação de rebentos aos leitores. Revistas norte-americanas têm tradição nessa seara e já foram acordadas cifras milionárias para a publicação de fotos da filha de Tom Cruise, do menino de Angelina Jolie, do casal, que ainda nem tinham nascido, de J-lo [estima-se que ela tenha pedido 6 milhões de dólares para abrir seu álbum]. Por aqui, Angélica e Luciano Huck acabaram de imprimir a família nas bancas. "Não pensei nisso ainda. Não sei, cara. Às vezes dá vontade porque a gente é tão explorada. Acho que é usar as criancinhas que nem tiveram opção", teoriza. "A priori não. Porém, é como te falei. Minha coerência varia. Depende do quê, como, quem, quando." Quanto? "Já tenho campanhas chegando para fazer com os bebês. Óbvio que minha opção é sem eles... Não te esquece, tenho dois filhos pra criar. Não é brincadeira. Não sei que salários são esses astronômicos que as pessoas botam no jornal. Não é o meu. O que ganho é exatamente minha despesa mensal." Com quase uma década de telinha, questiono o fato de que talvez seu nível de vida tenha ascendido assim como sua trajetória. "Não. Sou supereconômica. Moro numa casa térrea, tenho um carro. Tenho uma empregada, não tenho jardineiro, caseiro. Tenho um imóvel em São Paulo. Não vou ao shopping e fico comprando roupa. Aproveito viagem de trabalho e emendo. Minha vida é cara."

Chegamos à sobremesa. na cadeira ao lado, uma adolescente delicia-se com um Melona. Explico que esse melão no palito é uma febre, ou um refresco, em São Paulo e ela resolve experimentar. Junto com outro suco. Os pedidos chegam, Fernanda joga o gelo no meu copo e diz: "Sempre comi muito. Almoço forte e janto mais leve", dá suas dicas para manter a forma. "Sabia que tô fazendo picolé agora? Uns ótimos."

Imagino-a colocando os diferentes sabores nas forminhas enquanto penso em suas horas vagas, o fora da TV. "Minha liberdade? Consegui chegar até aqui com a vida que queria. Gosto de dormir às 10 da noite - quer coisa mais careta? - e acordo às 6 da manhã pra fazer ioga [tem um vídeo disseminando essa filosofia. Apesar de não ter gravado as aulas para ganhar dinheiro, acredita que a atriz Jane Fonda, musa da aeróbica, foi sempre uma inspiração]. As nove horas eu tô acabando o café, leio a Folha, O Globo, dou uma nadada, tomo sol. Volto, abro o computador, começo a trabalhar, pego um livro. Depois faço uma comida sensacional: arroz, feijão, farofa, ovo... É um outro tipo de libertação. Não sou festeira. Uma noite de Carnaval pra mim vale como seis meses de balada", reitera.

Na maior festa do Brasil, ela também foi alvo de um fato curioso. "Vieram perguntar como estava meu umbigo. Respondi: tá legal", faz uma expressão de interrogação como se questionasse a relevância do tema abordado. "Mas isso quase não me acontece porque vivo encasulada, bem canceriana", afirma a caçula entre dois irmãos, Rodrigo e Rafael. "Tinha que escolher um lugar para morar. Estava cansada de: 'o mundo, o mundo, o mundo. O céu, a Lua, o mundo'. E aí tá na Lua e quer mais. Fincar o pé onde?"

O local onde construiu sua concha é realmente escondido, no distante bairro do Recreio dos Bandeirantes, zona oeste. "Moro num terreno de 2 mil metros quadrados, embaixo de um morro. Minha casa é uma [espécie de] cocheira. Tenho um jardim enorme que cuido alucinadamente. Onde extrapolo? Ora, tudo o que plantei tá dando - 30 maracujás por mês, manga... No meu condomínio tem boi, galinha, mico." É lá que faz topless e escolhe seus próximos projetos, como abrir um restaurante no Rio (é sócia do Maní, em São Paulo) ou, quem sabe, fazer outro DVD, talvez sobre alimentação vegetariana. Se existe uma fórmula para a felicidade? "Esse conceito é relativo. Me sinto bem realista. Tô escovando os dentes e meus cachorros ficam me olhando... Isso é lindo. Imagino meus filhos escovando os dentes e os cachorros olhando para eles... Aí sai aqui e vê um morto na esquina. É uma roda viva."

Mais um melona, por favor!", ela me desafia a citar que tinha comido dois picolés - ficou na dúvida de levar um terceiro para viagem. O ambiente é invadido por Amy Winehouse (em voz). Paramos para ouvir... Mas se tivesse uma música só sua, ou se fosse imortalizada em canção, Fernanda Lima queria ganhar esse presente de Arnaldo Antunes. "Admiro muito. Gosto dele cantando de pijama, acho superexperimental. Detesto rádios que tocam esses sucessos da hora, isso me polui profundamente."

Em uma ação antipoluição, pedimos a conta, já passam das 22h. Esse início de noite foi conduzido por uma trilha eclética, de MPB a eletrônica bate-estaca. Ela pensa na possibilidade de encontrar alguns amigos, é sábado. Fecha o zíper e levanta. Saímos. Chegamos ao carro, Fernanda volta. Banheiro. Agora partimos.

Acomodados no ar-condicionado que nos tira do calor típico da praia-cidade, passamos pela orla, penso na água, pergunto...

"O que faz você chorar?"

"Eu seguro", solta de imediato, "acho que já segurei tanto por causa dessa melancolia idiota que tenho, um saudosismo. De amor."

Desligo o gravador. Fernanda Cama Pereira Lima me olha, respira fundo: "Ai que medo".

O editor Ademir Correa assinou a reportagem sobre Grazi Massafera na RS 12 (set. 07).