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Viagem Insólita

Seis músicos, uma equipe de 50 pessoas, toneladas de equipamento, um boneco gigante, um Boeing 757 e mais de 30 países visitados - o Iron Maiden conseguiu transformar os detalhes de sua turnê em uma atração à parte

Renato Viliegas Publicado em 27/03/2011, às 09h14

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Bruce Dickinson, vocalista e piloto, pronto para comandar o Ed Force One - John McMurtie
Bruce Dickinson, vocalista e piloto, pronto para comandar o Ed Force One - John McMurtie

"Bom dia a todos, sejam bem-vindos ao vôo AEU666, com destino a Curitiba. A temperatura está agradável e o nosso tempo de viagem está previsto para 35 minutos. Estamos aguardando autorização para decolar, o que deve demorar uns 15 minutos. Enquanto isso, aproveitem as bebidas."

Pronunciada pelo comandante, a mensagem - um tanto fora do convencional para os padrões das companhias aéreas - ecoou pelo áudio da aeronave minutos antes da decolagem rumo ao Sul do Brasil. Se o "666" no número do vôo e o convite para um drink não bastassem, uma olhada para o rosto do piloto - que acaba de sair da cabine para conversar com uma das aeromoças - não deixa dúvidas: estou a bordo do Ed Force One, o avião que transporta o Iron Maiden durante sua atual turnê. A voz inconfundível, que retorna ao sistema de som para avisar sobre a decolagem iminente, pertence a ninguém menos do que o vocalista - e piloto - Bruce Dickinson.

Desde que partiu pela primeira vez no dia 30 de janeiro rumo à Índia, para o primeiro de 23 shows da primeira fase da "Somewhere Back in Time Tour", o Ed Force One chama a atenção por onde pousa. Na pista do Aeroporto de Viracopos, em Campinas (São Paulo), impressiona a quantidade de câmeras trabalhando - são funcionários do aeroporto, guardas de segurança e até penetras mais sortudos (ou bem relacionados) fotografando incansavelmente o avião customizado com o logotipo da banda e uma chamativa imagem do mascote Eddie em sua cauda. Antes do embarque, mesmo a equipe de apoio do Iron Maiden não resistia a registrar o momento. "Em todo lugar, a gente tira fotos antes de embarcar, mesmo vendo este avião quase todo dia", confessa Justin Garnet, roadie do guitarrista Janick Gers.

A idéia surgiu do próprio Dickinson, 49 anos. Piloto há mais de 20 anos e desde 1982 à frente do Iron Maiden, o vocalista passou a levar seu hobby a sério ao comandar vôos comerciais pela empresa aérea britânica Astraeus. Quando a turnê atual começou a ser planejada (e a idéia de se fretar um avião para levar banda, equipe e equipamentos surgiu), Dickinson se apressou em sugerir algo que seria mais do que uma simples facilidade logística. "Tudo começou por questões práticas e técnicas", explica Bruce, vestindo boné, camiseta e bermuda, durante o vôo de Curitiba a Porto Alegre - único trecho da turnê sul-americana em que folgou como piloto. "Quando você viaja para lugares como Austrália, Índia, América do Sul e Japão em um período curto de tempo, acaba perdendo tempo e dinheiro com embarques, desembarques, imigrações e coisas assim." A vida nos aeroportos é realmente bem mais simples para o Iron Maiden desde que começou a viajar a bordo do Ed Force One (o nome surgiu de um concurso realizado pela banda entre seus fãs pela internet). Acompanhado de uma equipe de mais de 50 membros, o grupo jamais despacha bagagens nem passa pelo check-in, seguindo direto para a pista de pouso. Nos vôos internacionais, até a imigração é feita separadamente, sem as tradicionais filas que seres humanos "normais" são obrigados a enfrentar. "Fazer dessa forma é mais econômico e fácil", completa o comandante. "Não existe avião no mundo como o Ed Force One. É um Boeing 757 modificado, com uma área de carga maior que o normal. Nenhuma banda no mundo tem algo parecido. O Metallica está morrendo de inveja!", provoca, orgulhoso.

Apesar da força de imagem e do evidente trabalho de marketing que uma ação como essa representa, o Ed Force One é apenas a cereja no sundae da atual excursão mundial do Iron Maiden, uma das maiores e mais bem-sucedidas da carreira da banda britânica de metal. Iniciada em Mumbai, Índia, a turnê passou por Japão, Austrália, Américas do Sul, Central e do Norte, e se prepara para uma segunda fase, com mais shows nos Estados Unidos e na Europa e, muito provavelmente, um retorno ao Brasil e a outros países da América do Sul.

Com repertório baseado nos discos lançados nos anos 80 e repetindo a temática de palco da época de Powerslave (1985), as apresentações representam uma verdadeira viagem para o passado tanto para fãs como para a banda - apesar de os músicos não concordarem com as comparações entre esta turnê e a "World Slavery Tour" (que trouxe o Maiden ao Brasil pela primeira vez, em 1985). "Estamos tocando muito melhor agora do que estávamos naquela época", diz Dickinson, rapidamente endossado pelo guitarrista Janick Gers: "Muita gente chegou a dizer que voltamos aos anos 80, e não é isso. Em nossa última turnê, tocamos o [disco] A Matter of Life and Death [2006] inteiro. Não lembro de ninguém fazendo isso desde os anos 70", diz. "Tocar coisas antigas não pode ser visto como uma forma de esconder o que fazemos hoje."

"O Iron Maiden não é uma banda de 'greatest hits' das antigas", emenda o também guitarrista Adrian Smith, um dos fundadores do grupo. "Estamos sempre escrevendo coisas novas, para manter o que fazemos sempre fresco." Completando o trio de guitarras, Dave Murray acredita que a banda não pode apenas se concentrar em músicas antigas ou o interesse de tocar junto desaparece. "Temos que mostrar o Iron Maiden de uma forma completa", teoriza. "Alguns fãs querem ouvir o material antigo, mas outros querem as coisas novas. Há alguns anos, fizemos uma turnê chamada 'The Early Days' [na qual o Maiden apresentou apenas músicas de seus dois primeiros discos, quando o vocalista ainda era Paul Di'Anno]. Depois, promovemos o disco novo. Agora, estamos fazendo isso. E acho que estamos fazendo certo, porque os fãs não parecem reclamar."

As palavras "fanatismo" e "Iron Maiden" sempre caminharam juntas em harmonia, e a combinação era evidente durante a semana que o grupo passou na América do Sul. Além da grande quantidade de fãs nas portas dos hotéis, não eram poucos os que se hospedavam andares abaixo dos ídolos, apenas para tentar um mínimo contato ocasional no bar ou no elevador. O sentimento de devoção é traduzido em tatuagens, camisetas desbotadas e faixas escritas a mão. A banda reconhece que o culto se apresenta de maneira diferenciada no Brasil e na Argentina, onde lota estádios (nos Estados Unidos, em contrapartida, o Maiden jamais vendeu muitos discos ou chamou a atenção em suas passagens). Notórios por retribuírem pedidos de autógrafos e fotos, os seis Maidens jamais reclamam do fanatismo exacerbado. "Tanto assédio é um problema, porque não podemos andar tranqüilamente na rua. Mas é um problema ótimo de se ter", brinca o baterista Nicko McBrain.

Também impressionante é a faixa etária média do fã-clube do Iron Maiden. Com mais de 30 anos de carreira, os britânicos se orgulham de carregar fãs daquela época aos seus shows - muitas vezes, acompanhados de seus filhos e netos. "Temos hoje duas, e, em muitos casos, três gerações de fãs", diz Murray. As primeiras fileiras das sempre lotadas apresentações comprovam o fato. McBrain recorda um show na Cidade do México em que um se surpreendeu ao ver um fã acompanhado do pai e do filho pequeno, todos vestidos com camisetas do Iron Maiden. "Eram três gerações de fãs, bem ali na minha frente", sorri. Nenhum dos seis integrantes compreende as causas da constante renovação de seu quadro de fãs, mas não parecem se preocupar com esse detalhe. "Boa parte de nossa platéia hoje não havia nem nascido quando essas músicas foram escritas", aponta Dickinson.

"Chega a ser engraçado, pois algumas vezes o público se cansa antes da gente", ironiza o baixista Steve Harris, 52 anos, que fundou a banda em 1975, quando tinha 19. "Eu estou lá, pulando no palco, e de repente vejo as pessoas pararem. Eu penso: 'Ei, eu tenho 52, vocês têm menos de 20! Qual o problema de vocês?'."

A rotina fora dos palcos não é menos movimentada. Na América do Sul, foram seis shows em 11 dias, passando por Colômbia, Brasil, Argentina e Chile. Dias de folga são artigos de luxo. Entre os seis, era unânime a opinião de que a turnê é por demais cansativa. "É bem duro", reclama Harris. "Tivemos poucos dias livres. Era dia de viagem, dia de show, daí viagem de novo. Da próxima vez, vamos colocar datas livres no meio disso tudo."

Um dos mais interessados nesse "descanso extra" é Nicko McBrain. Se para um baterista o esforço físico de um show já é geralmente mais intenso, some a isso o fato de ele ser o mais velho do sexteto (completa 54 anos em junho). O repertório da turnê, sem baladas ou faixas lentas, também não facilita sua vida. "Quando recebi o setlist pela primeira vez e olhei as primeiras músicas... 'Aces High', 'Two Minutes', 'Revelations', 'The Trooper'. Ok, aqui eu desmaio e não tem mais show!", ironiza o baterista, durante a viagem rumo à Argentina. Se a voz não soa cansada, a seriedade do tom evidencia que a preocupação com a saúde se tornou sua prioridade atual: "Preciso me cuidar, não sei quanto tempo mais agüento fazer isso. Tenho dores nas mãos, nos joelhos... Sou o vovô da banda, tenho que descansar para resistir". Prova dos novos tempos é o fato de o músico sempre beber uma xícara de chá durante o intervalo do épico "Rime of the Ancient Mariner", para "retomar as energias". "O engraçado é que nos anos 80 eu tomava uma cerveja nessa hora!", brinca.

Considerado por muitos "o sétimo Maiden", Rod Smallwood empresaria a banda britânica desde 1976 e lidera a numerosa equipe de roadies, técnicos de áudio, luz e palco, seguranças e até uma camareira, responsável por todo o figurino da banda. Alguns dividem funções, como Michael Kenney, que cuida da manutenção dos baixos de Steve Harris e faz, escondido, as partes de teclado em algumas faixas.

Enquanto o Maiden executa seu setlist no palco, a movimentação por trás dele é mais intensa, em um espetáculo mais coreografado do que o dos próprios músicos. Mudanças de cenários, efeitos de fumaça (resultado do disparamento de extintores de incêndio) e mudanças de figurino acontecem de maneira precisa e ensaiada, sob o risco de o andamento do show ser comprometido. Até a aparentemente espontânea subida ao palco de alguns fãs selecionados durante "Heaven Can Wait" é cronometrada: antes de terem seus segundos de glória frente à multidão, os escolhidos aguardam ao lado do palco durante a execução da música anterior do repertório, vigiados de perto por membros da equipe de segurança da banda.

Cada um dos seis integrantes do Iron Maiden possui seu próprio camarim particular, assim como uma sala pessoal para preparação antes do show. O espaço destinado a McBrain tem uma bateria, menor do que a usada no show, com a qual ele se aquece antes de subir ao palco. Um escritório sempre é montado no backstage, onde são decididos os últimos detalhes da viagem seguinte. Há também um espaço reservado para o figurino, um refeitório, uma sala para receber convidados e um massagista de plantão. Durante a passagem pelo Brasil, uma equipe de filmagem liderada pelo documentarista Sam Dunm (diretor de Metal - Uma Jornada pelo Mundo do Heavy Metal) documentou todos os passos do Maiden: as cenas captadas farão parte de um longa-metragem com lançamento programado para 2009.

O fato de banda e equipe viajarem juntas em um mesmo avião contribui para manter o alto-astral da turnê, mesmo com as reclamações-clichê sobre o excesso de convivência e a distância dos familiares serem constantemente lembradas nas conversas durante os vôos. Brincadeiras a bordo são freqüentes, e mesmo um pouso menos eficiente do Comandante Bruce Dickinson no Aeroporto de Curitiba é motivo para sonoras vaias e risadas de seus ilustres passageiros.

Família e amigos também fizeram parte da jornada sul-americana do Iron Maiden. Bruce trouxe a esposa, que encontrou a banda em São Paulo, e seguiria com o marido até o fim da turnê. Steve Harris, além das filhas Carey e Lauren (que viaja com sua banda, abrindo os shows da turnê), trouxe ao Brasil 11 amigos que formam o time de futebol com quem joga aos fins de semana na Inglaterra. A equipe veio para uma partida que aconteceu um dia antes do show em São Paulo, e acompanhou o grupo até o Sul do país. "Adorei que o time tenha vindo, mas ao mesmo tempo, agora que eles se foram, eu consigo dormir mais um pouco", brincou Harris, bebericando a primeira de várias cervejas da noite em um bar em Buenos Aires, uma rotina que se repetiu entre cada show sul-americano.

O continente, aliás, deve receber em breve outra dose de Iron Maiden. Durante o show paulistano, Dickinson prometeu o retorno em menos de um ano, informação que ganhou força pelos dias seguintes. Sem qualquer divulgação oficial, rumores de backstage já garantiam que cinco shows devem acontecer no Brasil em 2009. Uma volta à Argentina também era cogitada, e, quem sabe, locais inéditos como a Bolívia podem entrar na lista. "Ainda estamos em negociação com algumas pessoas, mas certamente vamos voltar, e com o show completo desta vez", revela Dickinson. "Queremos trazer tudo, efeitos, explosões, os fogos, o Eddie maior, tudo."