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Cidade Fantasma

Há uma cidade dos Estados Unidos em meio à Floresta Amazônica. Abandonada e parcialmente digerida pela vegetação, Fordlândia é hoje, 80 anos depois de fundada, a ruína de um sonho capitalista

Por Daniel Augusto Publicado em 16/10/2008, às 18h47

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Há cerca de dois anos, quando Hillary, uma das filhas de Ed Townsend, entrou na universidade, ele resolveu presenteá-la com uma viagem para onde ela quisesse ir. Ele, que tem as duas filhas em alta conta - na mansão da família, na pequena cidade de Grove, em Oklahoma, nos Estados Unidos, há uma cúpula que ele mandou fazer em que ambas aparecem como anjos renascentistas -, imaginou que ela gostaria de ir para a Europa, ou, quem sabe, para mais uma viagem de compras em Nova York. "Pai, eu quero conhecer o lugar onde você nasceu", disse a garota, para a surpresa de Townsend.

Depois de 54 anos sem voltar ao Brasil, em 2006 ele embarcou em um vôo com a família até o Pará, alugou um iate em Santarém, e de lá seguiu pelo rio Tapajós. Sabendo que Ed estava particularmente sensível às memórias por causa da morte recente de seu irmão gêmeo, Bill, três meses antes, Charles Townsend, irmão e sócio, que estivera no local em 2005, alertara: "Você poderá se chocar com o que vai ver". O barco atracou no surrado píer no começo da madrugada, 12 horas depois de ter saído de Santarém, rasgando o coração das trevas da maior floresta do mundo. A escuridão da noite impedia uma avaliação precisa do estado em que o local se encontrava. Com os olhos cheios de lágrimas, Ed Townsend ainda tinha a esperança de que Fordlândia não houvesse mudado muito.

No início do século 20, Fordlândia foi uma das cidades mais desenvolvidas do Norte do Brasil. Fundada em 1928, chegou a abrigar 3 mil pessoas. Tinha uma escola que ensinava inglês, um hospital com operações inéditas na região como cirurgias plásticas, um pequeno cinema com sessões de segunda a sexta, e uma infraestrutura de água, eletricidade, moradia e saneamento de causar inveja ao resto do país. "Fizeram um serviço hidráulico em que toda a plantação tinha hidrômetros, encanamentos de água, coisa muito boa, sabe. Coisa de americano mesmo, gente que tinha dinheiro", relata um hoje velho senhor, Eymar Franco, que cresceu junto com a cidade. "Água encanada, luz elétrica, um bom salário, assistência médica, escola pro filho. Imagine isso no final da década de 1920, na Amazônia, onde não existia escola, hospital, médico. De uma hora pra outra isso cai em plena selva amazônica!", conta o engenheiro florestal Cristovam Sena, dono da mais invejável fonte de arquivos sobre Fordlândia no Brasil.

Mas a história que se segue é a crônica de uma sucessão de fracassos que ganham relevo por terem sido conduzidos por um dos homens mais poderosos do mundo, Henry Ford. "Ele foi uma espécie de visionário da sociedade de consumo norte-americana", afirma Steven Watts, autor da mais recente e completa biografia sobre o empresário, The People's Tycoon: Henry Ford and the American Century (O Magnata do Povo: Henry Ford e o Século Americano, sem edição brasileira). Watts explica ainda que Ford foi, por um bom tempo, o empresário mais bem-sucedido do mundo. Dono da maior fábrica do planeta até então, foi responsável por uma série de mudanças que alterariam em definitivo a face do globo. Nascido em Dearborn, Michigan, em 1863, passou a juventude em um ambiente rural, mas fascinado pela idéia do automóvel. Em um de seus diários da época, escrevera: "O cavalo já era".

Segundo Watts, a importância principal dessa figura de múltiplas faces, híbrido entre inventor, engenheiro, empresário, industrial e celebridade, foi a mudança cultural que inspirou. Para o bem e para o mal. "Henry Ford inventou, ou foi o arquiteto, do século americano, do poder americano e do lugar que os Estados Unidos ocupariam no Século 20. A sociedade de consumo se tornou uma espécie de sinônimo de Estados Unidos. Consumir era ser americano. Com Ford, passa a ser não somente normal consumir, mas muito bom." Não à toa, o escritor Aldous Huxley dividiu a história em Admirável Mundo Novo, sua obra máxima, em antes e depois de Henry Ford, assim como o cristianismo fez com o Messias. Mesmo com todas as cartas aparentemente em seu favor, Henry Ford, à frente da Ford Motor Company, fracassou diante da Floresta Amazônica, enterrando alguns milhões de dólares no Brasil.