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O homem por trás de Borat

Na única entrevista em que responde por si mesmo, Sacha Baron Cohen fala da experiência de inventar um novo tipo de comédia com o rapper Ali G e explica qual é a sensação de conquistar Hollywood na pele de Borat, o repórter do Cazaquistão

Neil Strauss Publicado em 22/09/2008, às 18h03

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Sacha Baron Cohen: "Eu me dei o prazo de cinco anos para começar a ganhar dinheiro como comediante. Senão, viraria advogado" - Divulgação
Sacha Baron Cohen: "Eu me dei o prazo de cinco anos para começar a ganhar dinheiro como comediante. Senão, viraria advogado" - Divulgação

Dois carrões Escalade param no meio da Rua 65, no bairro de West Side, em Manhattan (Nova York). Do jipão da frente sai um cara alto, esquisito, de bigode, usando um terno cinzento todo desengonçado. No último mês, por meio de uma série de invasões na imprensa - entrevistas, notícias e publicidade abrangente -, esse homem se tornou um habitué dos lares norte-americanos: Borat.

No último Dia das Bruxas, milhares de Borats circularam pelas ruas pedindo gostosuras e ameaçando travessuras, na maior ode que o país poderia prestar ao ilegítimo jornalista cazaque. Mas este aqui é o Borat original. Um time de assessores, fotógrafos e colaboradores se aperta ao redor dele enquanto Sacha se dirige às escadas rolantes que levam ao cinema Walter Reade - uma pré-estréia de seu primeiro filme está prestes a começar. Ele faz uma parada, vira-se e estende a mão. - "Oi", diz, com um sotaque britânico profundo e refinado que nunca ouvi sair daquele rosto bigodudo, apesar de já ter assistido a cada minuto disponível das gravações que fez.

"Sou o Sacha." E com esta única palavra - "Sacha" - o humorista britânico informa que vai me deixar entrar nos bastidores da cortina cazaque, dentro da mente do homem por trás do bufão, para o âmago do mundo muito particular de Sacha Baron Cohen, o enigma mais famoso da Inglaterra. - Desde que alcançou a posição de astro na Grã-Bretanha em 1998, com seu outro alter ego, Ali G, um branco metido a negão, Baron Cohen nunca deu uma entrevista em seu país natal como ele próprio e também nunca deu uma entrevista tão extensa. Mesmo durante as ações de promoção de seu papel de coadjuvante em Rick Bobby - A Toda Velocidade (2006), uma paródia de Will Ferrell às corridas de Nascar, o Sacha Baron Cohen que ele mostrou à imprensa continuava sendo um personagem: ou parecia um ator britânico pretensioso ou um observador idiota. H Um homem mais baixo, de cabeça raspada, corre atrás de Borat.

"O seu cabelo", diz, enquanto estica as mãos e arruma o emaranhado de cachos pretos na cabeça dele. Trata-se de Jason Alper, que desenhou todas as fantasias de Baron Cohen e que, naquela mesma noite, roubaria os sapatos dele sem querer.

Depois de dar uma parada para os paparazzi em sua pose de sempre - sorriso abobado, cotovelos apertados dos lados do corpo, polegares para cima -, Sacha entra no cinema e apresenta Borat - O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América. "No começo, os censores do Cazaquistão não queriam deixar permitir o lançamento do filme por causa do anti-semitismo", diz à platéia. E o que se segue é uma das maiores comédias da década e talvez um gênero completamente novo de cinema. Nele há apenas quatro atores verdadeiros (e um astro pornô que interpreta o filho adolescente de Borat, Huey Lewis); o restante do elenco são pessoas reais que Borat encontra enquanto viaja pelos Estados Unidos em busca de Pamela Anderson (ela estava ciente da piada). Todos os norte-americanos que passaram perto de uma TV ou folhearam um jornal conhecem essa história.

Depois da exibição, Borat volta ao hotel Mandarin Oriental para tomar um banho e voltar a ser Sacha Baron: um londrino de boas maneiras, noivo da atriz Isla Fisher (de Penetras Bons de Bico, de 2005), residente ocasional, e relutante, de Los Angeles (Califórnia). Fico esperando na porta do restaurante Asiate até ele chegar. Já me encontrei com Baron Cohen há três anos, quando ele gravava a primeira série de Da Ali G Show para a HBO - Sacha entrevistava um grupo de cientistas de renome na pele de Ali G, um jovem apresentador de programa de entrevistas com estilo pseudo-hip-hop. Na época, nossa conversa resultou em respostas como a seguinte: "Quando saí do arbusto de pompom da minha mãe, comecei a chorar em ritmo de jungle. Minha primeira palavra foi 'ho' [vagabunda]". Mas esta entrevista promete ser diferente.

Apesar de Borat ter sido abordado por uma multidão quando chegou (uma hora antes), Sacha Baron não é reconhecido sem o figurino do personagem. Nesta noite, o ator está recluso com um sorriso acanhado. Ele usa um suéter branco com ótimo caimento, jeans azuis bem passados, um boné que lhe cobre as sobrancelhas e chinelos brancos do hotel. "Não consegui achar meus sapatos", se desculpa. "Acho que o Jason levou embora quando recolheu meus figurinos do Borat. Isso acontece sempre." Ele está meio para baixo, passou quase todos os dias do mês anterior na pele de Borat. "É exaustivo", explica, "porque existe uma enorme pressão para que você seja engraçado quando aparece em algum lugar como seu personagem cômico". Ao mesmo tempo, esta viagem promocional pode muito bem ter sido o canto do cisne do repórter cazaque: o personagem foi submetido a uma exposição internacional tão implacável que vai ser difícil encontrar alguém no mundo ocidental que acredite que ele é um jornalista do Cazaquistão. "Pode ser que o Borat vá morar em algum canto bem obscuro onde é difícil entrar em contato com ele."

Quando o garçom nos conduz a um lugar reservado e tranqüilo, Baron Cohen dispara: "O que achou do filme?". Não está puxando papo: é a ansiedade que precede a estréia.

- Gostei, respondi.

-Ia ser ruim se você não tivesse gostado, reflete Sacha.

- Garanto que gostei.

- Mesmo? Foi difícil de fazer, esclarece.

Baron Cohen, 35 anos, parece nervoso com o lançamento de seu longa-metragem [nos Estados Unidos]: não tem certeza se o público vai entender, não tem certeza se o anti-semitismo será mal interpretado, não tem certeza se vai bater a bilheteria de Meu Papai É Noel 3, não tem certeza se todas as decisões certas foram tomadas na edição de 400 horas de filmagem (mais 50 horas de making of) para 84 minutos de exibição. Apesar de suas preocupações, raras vezes um filme recebeu tanta cobertura positiva da mídia. As performances de Borat em praticamente todos os programas nas grandes redes de TV norte-americanas transformaram-se em arte - cada uma delas era como uma esquete independente. E ele colocou ainda mais lenha na fogueira com uma coletiva de imprensa na frente da embaixada do Cazaquistão e uma passeata até a Casa Branca para responder aos boatos de que o governo cazaque o processaria - e reclamaria dele durante um encontro com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush.

Na pele de Borat, Baron respondeu: "Não tenho ligação com o Sr. Cohen e apóio totalmente a decisão do meu governo de processar esse judeu." Mas hoje, sem o bigode, Baron Cohen responde às alegações do governo cazaque a sério, pela primeira vez: "Estive em uma situação bizarra em que um país me declarou como seu inimigo número um", comenta, forçando um sorriso amarelo. Ele faz uma pausa e então retrocede um pouco. "Sempre é arriscado quando não se escolhe o caminho normal." [Pausa]. Talvez agora ele esteja se levando a sério demais.

Quando Baron Cohen ficou sabendo que o governo cazaque estava pensando em processá-lo e colocar um anúncio de página inteira no jornal The New York Times para promover o país, ele editava o filme em Los Angeles. Sua reação: "Fiquei surpreso, porque sempre confiei no público, acreditava que as pessoas perceberiam que era um país fictício e que sua única razão de existir era permitir às pessoas que externassem seus próprios preconceitos.

Escolhemos o Cazaquistão porque é uma nação sobre a qual ninguém sabia nada, então basicamente poderíamos brincar com estereótipos que as pessoas poderiam ter a respeito desse lugar (atrasado) que fez parte da União Soviética. O negócio não é tirar sarro do Cazaquistão. Estamos rindo é das pessoas capazes de imaginar que o Cazaquistão, como o descrevo, possa existir - que acreditam que existe um lugar onde os homossexuais usam chapéus azuis, as mulheres vivem em jaulas, onde se bebe urina e a maioridade foi elevada aos 9 anos".

Na verdade, Borat é muito mais ácido em sua crítica aos Estados Unidos do que ao Cazaquistão. As piadas que Baron Cohen menciona acima - e todo o resto a respeito de espancar ciganas, jogar judeus em poços e fazer filmes pornográficos com macacos - são claramente uma paródia. Mas a América que Borat descobre - lotada de homofobia, xenofobia, racismo, classicismo e anti-semitismo - é muito verdadeira. "Uma parte do filme mostra o absurdo que é ter qualquer tipo de preconceito racial, seja o ódio pelos afro-americanos ou pelos judeus", diz Baron Cohen.

Um garçom coloca um tira-gosto em nossa frente.

- O que é isto?, pergunta Cohen.

- Ceviche, o garçom responde.

- Quais são os ingredientes?

- Coco, peixe, yuzu, romã.

Baron Cohen continua seu interrogatório: Que tipo de peixe?.

Logo fica claro que ele não está simplesmente curioso, nem que é vegetariano ou que tem alergia a amendoim. Ele só come alimentos kosher e quer se assegurar de que não há frutos do mar, porco ou qualquer outro ingrediente proibido no prato. Judeu devoto, Baron Cohen também respeita o Sabá sempre que pode - isso significa que não trabalha do anoitecer de sexta-feira até o anoitecer de sábado.

Sem ter muita certeza se o garçom é confiável ou não, ele cutuca o tira-gosto enquanto revela que seus pais "adoram" o humor judeu. Sua avó materna, que tem 91 anos e mora em Haifa (Israel), foi a uma sessão do filme, à meia-noite, e então ligou para o neto, às 4 horas da manhã, para dar os parabéns e examinar em detalhes as cenas. "Borat essencialmente funciona como uma ferramenta", diz Baron Cohen. "Como ele próprio é anti-semita, permite que as pessoas baixem a guarda e exponham seus próprios preconceitos. "Throw the Jew Down the Well ["Jogue o Judeu no Poço", uma canção interpretada em um bar de country & western durante o Da Ali G Show] foi um esquete bem controvertido e alguns integrantes da comunidade judaica realmente acharam que incentivaria o anti-semitismo. Mas, para mim, revelou algo a respeito daquele bar em Tucson. E a questão é a seguinte: Aquilo revelou que o pessoal era anti-semita? Talvez. Mas vai ver que só revelou que eram indiferentes ao anti-semitismo", conclui. "Eu me lembro de ter estudado história na universidade. Houve um historiador importantíssimo no Terceiro Reich, o Ian Kershaw. E o que ele disse: 'O caminho até Auschwitz foi pavimentado com indiferença'. Sei que não é muito engraçado ser um comediante que fala do Holocausto, mas acho que é uma idéia interessante o fato de que nem todo mundo na Alemanha era obrigatoriamente um anti-semita tresloucado. As pessoas simplesmente deviam ser apáticas."

Baron Cohen não faz essa afirmação em tom assertivo, mas com certa timidez, como se estivesse falando quando não é sua vez. É interessante observá-lo assumir um tom retraído porque este é o oposto dos seus personagens, aqueles toscos sinceros que não têm medo de colocar um saco com os próprios excrementos em cima da mesa em um jantar refinado ou perguntar ao (jogador de futebol inglês) David Beckham se ele consegue mamar nos peitos da mulher, Victoria Beckham, a "Posh Spice". Existe um certo sadismo em Baron Cohen, que parece ficar mais à vontade quando deixa os outros constrangidos. Em certo grau, Borat e Ali G são refúgios seguros para ele, máscaras atrás das quais pode se esconder. Se tudo que sai da sua boca é paródia, então você nunca pode ser responsabilizado pelo que diz - porque não estava falando sério mesmo. Em contraste, o próprio Baron Cohen não tem álibis. Faz todos se perguntarem se ele seria capaz de suportar as situações constrangedoras a que expõe seus alter egos. "Acho que teria muita dificuldade", reconhece o comediante.

Há duas coisas a respeito das quais Baron Cohen não gosta de falar: sua vida pessoal e seu processo de trabalho - como cria seus tipos, como consegue entrevistas com figuras altamente inacessíveis como Newt Gingrich [ex-porta-voz da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos] ou Donald Trump [o magnata], como faz com que levem a sério suas perguntas absurdas. Eis o que apreendi a respeito de como ele age. Claro que suas técnicas nunca param de evoluir e, depois de cada vez que escapa por um triz ou de uma entrevista menos do que perfeita, o escrupuloso Baron Cohen incorpora uma nova regra.

Com Ali G, os pedidos de entrevista vêm de uma empresa de produção britânica falsa (a United World Productions). E, até pouco antes de as câmeras serem ligadas, o entrevistado fica achando que é o diretor distinto e bem vestido que vai fazer as perguntas e que o sujeito com abrigo folgado e óculos escuros, que carrega o equipamento, só faz parte da equipe de produção. Com o Borat, por outro lado, os entrevistados são informados de que a equipe está fazendo um documentário para a televisão do Cazaquistão. Para a surpresa dos produtores, celebridades e políticos se mostram dispostos a dar uma entrevista assim tão obscura e, uma vez em frente às câmeras, ficam ansiosos para agradar.

Como Da Ali G já tinha tido duas temporadas na HBO, a maior parte do filme de Borat teve que ser feita na Região Sul dos Estados Unidos, uma das mais pobres do país, onde a TV a cabo não é tão difundida. Como precaução extra, durante a pré-entrevista, os produtores se asseguravam de que as possíveis vítimas nunca tinham ouvido falar de Baron Cohen. Como última medida de segurança, havia sempre uma advogada por perto. Antes de cada cena, os produtores diziam o que tinham a intenção de fazer e ela afirmava onde ficava o limite entre a comédia e a mentira-crime. Chegando à locação, a primeira medida tomada é fazer com que os entrevistados assinem uma cessão de direitos de uso de imagem, redigida de maneira vaga, omitindo o nome verdadeiro do lugar em que a matéria vai ser exibida. No caso de cenas gravadas em público, os passantes recebem formulários para assinar. "Colocávamos alguém no lobby do hotel com os papéis", conta Larry Charles, diretor de Borat (que já dirigiu o seriado Seinfeld), ao se lembrar de uma cena: "Dizíamos às pessoas que estávamos filmando e que podiam aparecer passando na cena. Então elas pegavam o elevador e pronto, dois caras pelados entravam correndo".

Na pele de Ali G, logo antes do início das entrevistas, Baron Cohen aparece e faz perguntas bem idiotas (pede para soletrarem palavras fáceis, quer saber como se pronuncia o nome de todos, tem dúvidas sobre como se escrevem letras específicas do alfabeto, por exemplo), para que os entrevistados se acostumem com sua imbecilidade. Então, quando a câmera começa a rodar, Ali faz perguntas como: "Qual é o tipo de ácido que realmente faz você viajar?" e "Que mal a violência faz?". Na pele de Borat, Baron Cohen coloca seus entrevistados à prova de maneira diferente. Primeiro, costuma oferecer um cigarro, ou algum presente (uma lata de peixe, um saco de biscoitos ou um beijo afetuoso demais), cazaque para provar que é autêntico. Ele observa a maneira como aceitam (ou recusam!) o regalo, e isso faz com que saiba até onde estão dispostos a ir. No caso do ativista de direita Alan Keyes, o mimo foi identificado como a "costela de um judeu". Keyes aceitou e ainda agradeceu. No entanto, ao se dar conta de que fizera aquilo "no ar", teve um ataque, arrancou o microfone e saiu da sala às pressas. A produção conseguiu trazê-lo de volta dizendo que houvera um mal-entendido e que Borat não dissera "Jew's rib", mas sim "dew's rib", o que significa costela do orvalho da manhã - isso pode não ter feito o menor sentido para Keyes, mas pelo menos não acabaria com sua carreira política.

Quando cada uma das entrevistas termina, a piada não acaba. Seja na pele de Ali G, Borat ou Brüno (um repórter de moda gay da Áustria), Baron Cohen continua incorporando o personagem do momento em que sai do hotel até quando a equipe de produção encerra os trabalhos. Isto às vezes significa conduzir reuniões de produção fantasiado. "Ele e eu tivemos algumas discussões acaloradas, como costuma acontecer entre diretor e ator, mas ele ficava gritando comigo com aquela roupa de Borat", lembra Larry Charles. "Eu, no meio de uma plantação de algodão na Louisiana levando bronca do Borat." Às vezes, depois de uma entrevista, Borat ficava discutindo longamente com seus entrevistados curiosos longe das câmeras - e, às vezes, quando as coisas davam errado de verdade, com a polícia. "Na primeira vez que a polícia me parou, pensei: 'O que fazer?', porque estava separado da equipe", conta Baron Cohen. "E então cheguei a conclusão de que: 'Não deve ter lei contra falar com uma voz engraçada com um policial'. Além do mais, não sabia qual tinha sido a história que o resto da equipe contou para a polícia. Lembro que o Larry ficou muito surpreso quando o Serviço Secreto nos deteve na frente da Casa Branca e eu continuei representando o personagem", explica Baron. "O Sacha não largou o personagem: perguntou a eles de que organização eram, eles responderam 'Serviço Secreto', e ele disse: 'Tipo a KGB?'. Ele consegue ficar supercalmo sob fogo cerrado", explica Charles.

O primeiro objetivo da equipe quando a polícia chegou foi afastar Baron Cohen dali o mais rápido possível, porque, se fosse preso, seria deportado e isso acabaria com o filme. Em Manhattan, depois de filmar uma cena em que Borat acha que a conta do hotel é tão alta que deve ter comprado também a mobília do quarto, o produtor de diálogo e o primeiro assistente de direção acabaram passando 19 horas na cadeia. Isso aconteceu porque o gerente do hotel teve um chilique quando viu o comediante arrastando a colcha e o despertador pelo saguão. Quando um mandado de prisão foi emitido para Baron Cohen também, a equipe de produção o mandou para Nova Jersey - que fica ao lado de Nova York, mas, por ser outro estado, está submetida a leis diferentes. Só a menção de uma de suas artimanhas de entrevista durante o jantar faz com que Baron Cohen se contorça todo. "Na verdade, você sabe mais sobre o processo do que..." [Faz uma pausa]. "Qualquer pessoa que não faz parte dele." [Longa pausa]. "Isso é um desastre. É horrível para mim." [Risos nervosos].

Às vezes parece que Baron Cohen está prestando um desserviço a si mesmo ao guardar tanto segredo a respeito de suas técnicas. Afinal de contas, o que torna sua comédia tão eficiente não é o processo, que qualquer pessoa pode desvendar e replicar de todo modo, mas o próprio comediante. "Meus pais me deram muito carinho", recorda. "E acho que isso me dá forças para entrar no meio de um monte de gente que me odeia." [Pausa. Dúvida. Percepção de que esse comentário pode persegui-lo em entrevistas por anos a fio. Retroceder].

O mais novo de três filhos homens, Baron Cohen passou seus anos de formação na escola particular para meninos Haberdashers' Aske's, perto de Londres (Inglaterra). Sua avó era uma bailarina renomada que fugira da Alemanha durante o Terceiro Reich e se mudou para Haifa, onde abriu sua própria academia, que combina ioga, exercícios aquáticos e aeróbica para pessoas da terceira idade - ocupação que exerce até hoje, aos 91 anos. Em Londres, a filha dela (a mãe de Baron Cohen) ganhava a vida dando aulas em sua escola de dança. E o pai de Baron Cohen, galês, tinha uma loja de roupas em Piccadilly Circus.

O futuro de Baron Cohen foi determinado mais ou menos aos 8 anos, por dois acontecimentos fundamentais. O primeiro foi ter visto um dos filmes de Peter Sellers, da Pantera Cor-de-Rosa - o que estabeleceu a admiração vitalícia pelo trabalho do ator britânico. O outro foi quando os irmãos mais velhos conseguiram fazer com que ele entrasse em um cinema escondido para assistir A Vida de Brian (1979), do Monty Python. Alguns anos depois, Baron Cohen começou a ouvir fitas do programa Derek and Clive, com Peter Cook e Dudley Moore. "Quando era criança, também gostava de rap", completa. Ele hesita em divulgar qualquer informação a respeito de si mesmo, porque cada fato novo logo é adicionado escrupulosamente a sua parca biografia oficial. Depois de um momento, afrouxa. "Costumava dançar break também. Com 12 anos, minha mãe levava meu grupo para [o bairro] Covent Garden, no meio do inverno. Nós estendíamos um linóleo e começávamos a fazer nossos passos ali mesmo."

Qual era o nome do grupo?

[Hesitação. Aceitação]. "Bom, não tinha um nome até começarmos a nos apresentar em bar mitzvahs. Acho que nos chamávamos Black on White [Preto no Branco]. Usávamos passos robóticos na maior parte do tempo. Em essência, éramos garotos brancos, judeus e de classe média adotando essa cultura. Estas são mais ou menos as origens de Ali G."

Dan Mazer conheceu Baron Cohen na escola Haberdashers' Aske's quando os dois tinham 11 anos. "Aquilo é basicamente uma fábrica de comédia", ele diz a respeito da instituição de ensino. "Só tem um monte de jovens judeus convencidos. E, como éramos todos fracos para brigar, compensávamos com embates verbais. Sacha era sempre o mais gregário da sala. Ele tinha tanta personalidade que não podia imaginar que conseguiria se esconder tão bem atrás de personagens construídos de maneira tão brilhante quanto Borat e Ali G", confidencia o ex-colega. No ensino médio, Baron Cohen passou muito tempo com um grupo de jovens judeus, o Habonim Dror, onde começou a atuar. Quando se formou, foi morar durante um ano no kibutz Rosh Hanikra, em Israel. Depois, foi para o Christ's College, na Universidade de Cambridge (Reino Unido), estudar história, e acabou atuando em produções como O Violinista no Telhado, com o grupo Cambridge Footlights. Durante a faculdade, Baron Cohen também fincou as raízes de sua carreira futura: "Comecei a desenvolver personagens para entrar nos lugares sem pagar. Em Cambridge, havia uns bailes que custavam umas 120 libras. Tentava entrar com alguns amigos, fingindo ser a banda ou algo assim. E a gente conseguia. Lembro-me de quando fui a Nova York, aos 23 anos. Eu e os meus amigos entrávamos nos clubes dizendo que éramos seguranças ou traficantes de drogas", confidencia. "Sacha sempre teve chutzpah (nenhum medo), em qualquer situação", explica Mazer, que passou a escrever e produzir com Baron Cohen. "Ele tem menos disposição de aceitar um 'não' como resposta do que qualquer pessoa que já conheci. Em Nova York, nunca considerava a opção de não entrar em um lugar, da mesma maneira que nunca vai considerar a opção de não conseguir uma entrevista com o FBI na pele de Ali G. A maior habilidade que tem é sua sagacidade inacreditável. E é frustrante, porque tem sempre razão."

Depois da faculdade, Baron Cohen resolveu ganhar a vida no ramo do entretenimento. "Eu me dei o prazo de cinco anos para começar a ganhar dinheiro trabalhando como ator ou comediante", conta. "Se não desse certo, ia fazer outra coisa, viraria advogado ou algo assim." Aos 24 anos, conseguiu seu primeiro emprego na televisão como apresentador de um programa medíocre de cultura pop chamado Pump TV em um canal pequeno de televisão por satélite. "O orçamento era umas 40 libras por semana e tínhamos audiência de 50 e 60 pessoas. Mas isso me deu acesso à equipe de produção e à sala de edição, então começamos a fazer experiências com filminhos curtos, que, em geral, nunca eram exibidos. Uma vez, na noite do Dia dos Namorados, dois caras que trabalhavam comigo invadiram o estúdio e transmitiram todas as cenas que nunca tinham ido ao ar. Eles foram demitidos. Pouco depois disso, o canal fechou."

Cohen foi então para um programa chamado Talk TV na London Weekend Television, onde encontrou um mentor na pessoa de Mike Toppin, diretor que tinha editado as comédias clássicas do Ealing Studios. Toppin incentivou Baron Cohen a desenvolver seus tipos. Baron Cohen sacode a cabeça, balbuciando coisas a respeito de como todos os seus primeiros vídeos, de dar vergonha, provavelmente vão parar no YouTube depois desta reportagem. "A idéia era que apresentasse o programa, e então nós passaríamos alguns segmentos pré-gravados com diversos personagens fazendo comentários sobre o apresentador. E uma dessas criações era uma forma primitiva de Ali G." Uma das inspirações para o personagem foi um DJ branco de hip hop da Radio One (BBC), chamado Tim Westwood. "Costumávamos ir a uns eventos de hip-hop, e mesmo naquele ambiente ele era meio cômico. Quando descobri que Tim era de fato filho de um pastor, a coisa ficou ainda mais absurda porque ele fazia a maior questão de ser apresentado como gangsta."

Na época, o proto-Ali G era um personagem de classe alta que fazia monólogos amalucados e atendia por diversas alcunhas, entre elas MC Jocelyn Cheadle-Hume. Mas, um dia, tudo mudou: Baron Cohen, enquanto filmava um segmento de MC Jocelyn Cheadle-Hume, viu um grupo de skatistas brancos também vestidos como aspirantes a gangstas. Baron Cohen e Toppin acharam que poderia ser divertido interagir com eles. "Depois", lembra, "eu e Mike nos entreolhamos e, de repente, percebemos que as pessoas acreditam neste personagem. E, naquele momento, um ônibus de turismo apareceu em uma parada bem do nosso lado. Olhei para o Mike, e disse: 'Venha atrás de mim'. Pulamos para dentro e tomamos conta do ônibus. Peguei o microfone e falei: 'Yo, saca só essa. Tô aqui e esse busão é meu. Booyakasha'." Animados com o arroubo, Baron Cohen e sua equipe invadiram também um bar, onde ele começou a dançar break até que a polícia foi chamada para expulsá-los. "Então vimos um prédio que abrigava uma multinacional. Entrei no lobby e disse: 'Vim aqui falar com o meu pai, ele trabalha no sexto andar'. Subimos e fomos escorraçados pela segurança 20 minutos depois. Tínhamos descoberto uma nova forma de fazer comédia. Provavelmente já existia, e outras pessoas já tinham feito aquilo, mas nós nunca tínhamos pensado em pegar um personagem cômico e colocá-lo em uma situação real."

A dupla atordoada chegou ao estúdio em cima da hora para gravar o programa. E, no meio da transmissão do segundo segmento do MC cheio de pose, o chefão do canal ligou para o estúdio e exigiu que tirassem o material do ar. "Ele disse: 'O que vocês acham que estão aprontando? Nós vamos ser processados!' Então eu vi que estávamos fazendo algo que poderia ser bom." Anos depois, o personagem recebeu do produtor Harry Thompson, do Channel 4, o nome de Ali G - ele achou que um nome étnico faria com que os entrevistados demonstrassem menos probabilidade de desafiá-lo, por medo de parecerem racistas.

Mais ou menos na mesma época, Baron Cohen começou a brincar com outro arquétipo: um repórter chamado Alexi Krickler, da Moldávia, que usava uma gravata estampada com notas musicais e era incapaz de compreender expressões e conceitos britânicos. Por exemplo, quando entrevistava alguém a respeito do time de rúgbi British Lions [Leões Britânicos], ele ia e voltava com a entrevista durante dez minutos, incapaz de compreender que, na verdade, não havia leões reais em campo. "Fiquei surpreso com a paciência de alguns dos integrantes da classe mais alta, que tinham tanta vontade de parecerem educados, principalmente em frente às câmeras, que nunca me deixavam falando sozinho", comenta. Krickler tinha sido inspirado em um médico que Baron Cohen conhecera na praia de Astrakhan, no sul da Rússia. Lá, Baron Cohen se deparou com um dos lugares mais deprimentes que viu em toda a vida. "Mas lá tinha um sujeito que era médico e, no momento em que o conheci, comecei a rir", recorda. "Peguei dele alguns elementos para compor o Borat, mas nada do racismo nem da misoginia nem do anti-semitismo. Aliás, ele também era judeu." O último grande papel criado por Baron Cohen foi Brüno - repórter de moda que implorava para que celebridades lhe dessem entrevistas e, quando finalmente concordavam, ele esquecia tudo - que estreou em um quadro durante a Semana de Moda de Londres para o canal Paramount Comedy Channel.

No final, esses tipos terminariam por alimentar um império de humor. Mas não antes de Baron Cohen ter desistido totalmente de uma carreira no mundo do entretenimento. Ele se aproximava com rapidez do final de seu prazo de cinco anos para conseguir viver da carreira de ator cômico e não tinha conseguido quase nada. Andava tão sem dinheiro que, com freqüência, precisava usar as roupas de Ali G para sair. "Estava em uma praia na Tailândia. Quatro anos e dez meses tinham se passado desde que me formara, e tinha acabado de voltar do casamento do meu irmão na Austrália", lembra o comediante, devorando seu peixe. "Estava pensando em ficar na Tailândia, porque vivia muito bem com 50 libras por dia. Foi quando recebi um telefonema da minha agente dizendo que havia uma audição para o The 11 O'Clock Show, um programa de comédia que passava tarde da noite. Eles estavam em busca de um apresentador. Lembro de ter dito a ela que não sabia se queria voltar. Tinha sido rejeitado tantas vezes que não sabia se valia a pena."

Mas sacha resolveu ir. e, depois de sua audição ter sido recebida com entusiasmo morno, decidiu mostrar a eles uma fita de Alexi Krickler em uma passeata pró-caça à raposa no Hyde Park. Foi contratado na hora. E, assim, os segmentos de Ali G no The 11 O'Clock Show conquistaram seguidores fiéis, atingiram nível cult, permitindo que o personagem tivesse seu próprio programa (de seis episódios) Da Ali G Show. Apresentado ao público norte-americano depois de, na pele de Ali G, interpretar o motorista de limusine no clipe "Music", de Madonna, Baron Cohen acabou importando seus tipos ao levá-los aos Estados Unidos para duas temporadas na HBO. Além disso, ele pegou papéis em Hollywood como a voz do rei dos lêmures em Madagascar (em grande parte para agradar aos sobrinhos que, segundo ele, ficaram assustados no meio da estréia e foram embora) e em Rick Bobby - A Toda Velocidade (devido ao pedido de Will Ferrell, fã de Ali G). "Tenho novos personagens que quero começar a desenvolver nos próximos seis meses", diz Baron Cohen. "Mas acho que vai ser mais difícil fazer coisas em situações reais. Estou ansioso para começar a fazer filmes em estúdio."

No final de outubro, a Universal Pictures venceu uma guerra de ofertas para desenvolver um novo produto de Baron Cohen. Apesar de os boatos darem conta de que o negócio foi fechado por US$ 42,5 milhões para um filme com Brüno, Baron Cohen diz que o número é inexato, que o acordo é apenas para ver a possibilidade de fazer cinema e que ele ainda não sabe se o filme vai ser roteirizado ou se acontecerá em ambiente real, nem se vai trazer Brüno ou não. Neste momento, aliás, a única coisa que Baron Cohen tem certeza é de que precisa de férias.

Depois que Cohen dá a última garfada em seu peixe, pede licença para passar o que resta da noite fazendo o roteiro de suas participações em programas de rádio e TV no dia seguinte. No entanto, promete ligar dali a alguns dias para continuar a conversa. Uma semana mais tarde, pouco depois de voltar de Nova York para sua casa alugada em Los Angeles, Baron Cohen cumpre a promessa. Começa o papo dizendo que está preocupado com algumas coisas que disparou na entrevista e espera que não tenha sido prolixo demais ao falar sobre o governo do Cazaquistão. "Desculpe por ser tão cauteloso, mas estas coisas começam a ganhar muito peso e importância quando a gente as adia por anos e anos", finalmente reconhece, falando sobre o fato de dar entrevistas em sua própria pele. "Literalmente, foi aterrorizante ter concordado em fazer isto."

Apesar de, no passado, ele ter citado de tudo - desde motivos legais até esforço para manter a credibilidade de seus personagens -, Baron Cohen apresenta mais uma razão para ter ficado longe da imprensa. "Sou uma pessoa fechada, e conciliar isto com ser famoso é difícil", admite. "Então, estou tentando comer o meu bolo também - fazer com que meus personagens sejam famosos e ainda assim eu levar uma vida normal, em que não caio na arapuca da fama e de ser reconhecido." "Acho que fui ganancioso." [Pausa. Suspiro. Possível iluminação] "Talvez esteja na hora de abrir mão."