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Inédito em CD, de Graça na Web

Clássico show-protesto de Gilberto Gil na USP espalha-se pela internet

Por Camilo Rocha Publicado em 17/05/2011, às 10h26

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<B>CONTRA A DITADURA</B> Gilberto Gil em 1973, mesmo ano das gravações "perdidas" realizadas na USP. - J. FERREIRA DA SILVA
<B>CONTRA A DITADURA</B> Gilberto Gil em 1973, mesmo ano das gravações "perdidas" realizadas na USP. - J. FERREIRA DA SILVA

Pode o registro de um evento musical histórico permanecer escondido do público? No Brasil sem memória, pode. Nos Estados Unidos e Europa, qualquer gravação relevante logo vira uma bela edição em CD ou DVD. Se aqui fosse assim, há muito tempo teria sido editado comercialmente o áudio do show que Gilberto Gil fez na Escola Politécnica da USP, em 1973.

Em março daquele ano, Alexandre Vannucchi Leme, estudante de geologia da USP, foi torturado e assassinado pela repressão política. A missa por Vannucchi, com cinco mil pessoas, foi o primeiro ato de massa contra a ditadura desde o AI-5, em 1968. "As pessoas começaram a reagir, elas sentiram que não dava mais", relembra Laís Abramo, na época estudante de ciências sociais da USP (hoje diretora da Organização Internacional do Trabalho no Brasil). Laís, que conhecia Gil, procurou o músico com outros estudantes para convencê-lo a fazer um show em protesto contra a morte de Vannucchi.

A apresentação foi marcada para 26 de maio, um sábado, à tarde. No show, Gil tenta aliviar a carga política da ocasião. Começa com sambas antigos, como "Chiclete com Banana" e "Senhor Delegado". Mas o público quer engajamento. Pede "Cálice". Gil desconversa, diz que não se lembra bem da letra. Rapidamente, um estudante produz um pedaço de papel com os versos. Gil se conforma: "Tá legal, pode me dar..." A plateia cai no riso. São essas trocas do músico com o público, conversas, brincadeiras, comentários, que tornam o registro tão saboroso e lhe conferem o peso histórico. Alguns momentos de papo duram quatro, cinco minutos. Em vários momentos, Gil confronta o pensamento dos estudantes, como na questão da militância dos artistas. "Uma cartilha, uma regra para o comportamento do compositor... seria também uma censura", diz o músico.

Ary Perez, na época do grupo de teatro da Poli, hoje artista plástico e designer, conta que o evento injetou ânimo e autoconfiança nos universitários. "A partir do show, ressurge o movimento estudantil. Já que não podíamos mudar na política, iríamos tentar mudar através da cultura." Perez esteve por trás da única tentativa de lançar oficialmente o show, ao lado do jornalista Caio Túlio Costa. Por volta de 2002, Perez encontrou fitas de rolo com a gravação. Procuraram o ex-uspiano e amigo Paulo Tatit, músico do Grupo Rumo e Palavra Cantada para remasterizar o áudio.

Gilberto Gil foi contatado, mas a história não andou. Tendo acabado de assumir o Ministério da Cultura e com a agenda de shows lotada, não pôde dar atenção ao projeto, segundo Perez. Costa diz também que não havia recursos para viabilizar o lançamento.

O disco não saiu, mas Costa foi motivado a escrever um livro sobre o assunto. Em 2003, lançou o elogiado Cale-Se, em que conta em detalhes a história do show e do contexto político em torno dele. A gravação da apresentação pode ser encontrada facilmente na internet. Basta digitar "Gilberto gil poli usp 1973" no Google e aparecerão links e torrents. Tirando algumas pequenas falhas de áudio e imperfeições de edição, são quase três horas de som de ótima qualidade.

O show de Gil na Poli foi um corajoso ato de desafio à ditadura militar em uma de suas fases mais sinistras. Ajudou a reorientar o movimento estudantil da época, em busca de alternativas de resistência. É a fotografia de um Brasil idealista, tentando reagir à barbárie oficial. "Deixou lembranças muito fortes nos que vivenciaram esse período difícil", diz Costa. Merecia um lançamento à altura de sua relevância.