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Elza Soares - A Mulher do Fim do Mundo

Elza Soares

Mauro Ferreira Publicado em 28/10/2015, às 10h53 - Atualizado às 11h10

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Cantora carioca expõe a alma em disco de sambas roqueiros gravados com músicos de São Paulo - Fabio P Corazza
Cantora carioca expõe a alma em disco de sambas roqueiros gravados com músicos de São Paulo - Fabio P Corazza

A Mulher do Fim do Mundo

Samba em esquema noise pauta o disco que conecta a cantora carioca Elza Soares aos melhores músicos da cena paulistana contemporânea. Primeiro álbum de repertório inteiramente inédito na discografia dessa artista egressa dos anos 1950, A Mulher do Fim do Mundo representa mais um ato de resistência da valente cantora de voz rouca. “Me deixem cantar até o fim”, exige Elza repetidas vezes, ao término do samba de Romulo Fróes e Alice Coutinho que batiza o trabalho produzido por Guilherme Kastrup. De espírito roqueiro, o samba do disco desnuda as vísceras e a violência das periferias. “Maria da Vila Matilde”, samba de Douglas Germano, denuncia com bravura a violência doméstica contra a mulher. “Cê vai se arrepender de levantar a mão para mim”, ameaça Elza, cobra criada em morro carioca. O álbum versa sobre um universo em desencanto. “Luz Vermelha”, composição de Kiko Dinucci com letra de Clima, ilumina temores e angústias das metrópoles em decomposição de valores. Mas Elza é loba valente que enfrenta as dores e o apocalipse iminente sem negar a força da raça e do sexo. Em “Pra Fuder”, ela dá o bote no macho. “Você vai gemer feito um cordeiro entregue para a morte”, promete, libidinosa, na faixa de alta voltagem erótica. Com os toques incandescentes das guitarras de Rodrigo Campos e Kiko Dinucci, “Benedita” mantém a chapa quente ao perfilar a personagem-título, senhora do crack e da zona, em tema que evoca os tons vanguardistas da obra do nego dito Itamar Assumpção. Aos 85 anos, com fôlego de gata que parece já ter tido mais de sete vidas, Elza se enturma com os jovens músicos, como prova o dueto com Rodrigo Campos em “Firmeza?!”, tema que foca a correria e a automação urbanas já visualizadas em 1969 por Paulinho da Viola em “Sinal Fechado”. Aberto pelo canto à capela de “Coração do Mar”, poema de Oswald de Andrade musicado por José Miguel Wisnik, A Mulher do Fim do Mundo é uma obra que encara de frente a morte, assunto de “Dança”. Nesse cenário negreiro, a vida escorre – e corre pelas frestas urbanas.
Elza Soares é a própria mulher vinda de um fim de mundo em que as vicissitudes são provas diárias de resistência. Com cordas e versos de poesia concreta, “Solto” fala dessa resiliência ao enfocar um corpo quase morto que caminha em sua própria sombra. Ao final do disco, a intérprete enfatiza, no canto à capela de “Comigo”, a presença da mãe já morta, sinalizando que o fim de uma vida, ou de um álbum, carrega também um começo.

Fonte: Natura Musical