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Pitty

Redação Publicado em 06/08/2009, às 10h47 - Atualizado em 19/08/2009, às 13h13

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Pitty - Chiaroscuro
Pitty - Chiaroscuro

Pitty

Chiaroscuro

Deckdisk

Cantora segue dona de seu destino e traz surpresas em terceiro disco de estúdio

A porta-voz feminina do rock nacional deste milênio tem suas virtudes. Enquanto as garagens ainda concebem, a cada dia, dezenas de grupos prontos para acompanhar a desgastada fórmula do hardcore melódico, Pitty segue na contramão. A artista saiu do underground baiano para ganhar o país com composições próprias, mais maduras que muito do que se ouve nas rádios. Em Chiaroscuro, seu terceiro disco de estúdio, a cantora cresce e desvia da cartilha sonora usada nos trabalhos anteriores – Admirável Chip Novo (2003) e Anacrônico (2005). Se no primeiro Pitty ganhou fãs com o discurso consistente e os riffs criativos de Peu Sousa, no segundo, já sem o guitarrista, marcou território com um som mais pesado, calcado no metal. Agora, ela usa elementos do tango, de grupos vocais femininos e do rock sessentista para compor as 11 faixas do álbum. Rafael Ramos continua na produção e a temática não mudou: crises existenciais, rejeição e amores, tudo embalado com referências literárias um tanto óbvias (aqui tem até Alice no País das Maravilhas) e alguma dose extra de seriedade. Mas os anos que separam Anacrônico de Chiaroscuro (e os três meses de férias antes de entrar em estúdio) serviram para Pitty repensar a carreira – mais solta, ela já não precisa da marra de quem tem algo a provar. No período de entressafra lançou o bem-sucedido {Des}Concerto: Ao Vivo (CD e DVD), gravou uma participação em “The Kill”, do 30 Seconds to Mars, e colaborou com o ótimo projeto Na Confraria das Sedutoras, do 3 na Massa. Mesmo com tanta atividade, faltava um retorno ao material inédito. Chiaroscuro começa com “8 ou 80”, uma síntese da evolução do grupo. O baixo de Joe e as guitarras de Martin, ex-Cascadura, trazem ecos do Queens of the Stone Age. Os vocais de Josh Homme também são emulados nos segundos finais e a faixa mostra uma banda mais desenvolta. “Me Adora”, a primeira música de trabalho, deve causar estranheza – mas os ouvidos se acostumam com o passar das audições, e, depois do baque inicial, percebe-se potencial para as rádios. Pitty previu que a referência a Jovem Guarda (diga-se: no ano que marca as cinco décadas de carreira de Roberto Carlos) seria destacada, e assim não tem como fugir: o ar romântico, a construção dos versos e a melodia fazem vir à memória a Wanderlea roqueira do final dos anos 60 – guardadas as devidas diferenças, dá para citar “Vou lhe Contar”, de 1967, versão da Ternurinha para “Pushin’ Too Hard”, do grupo The Seeds. Mais pesada, “Medo”, a primeira das três faixas assinadas em parceria com Martin, faz menção ao escritor Marcel Proust. O lado do conflito pessoal aparece em “Água Contida”, que conquista pelo violino de Hique Gomez, uma das mentes por trás do duo Tangos e Tragédias. O disco segue conciso e desemboca numa balada que parece não ter sido escrita para um homem. Na bela “Só Agora”, fica a impressão de que ela canta, com a voz macia e sem afetações, para um filho que ainda não veio. Para arrematar a calmaria, um provável hit: “Fracasso” tem riffs simples e refrão fácil de se cantar. Pensando em como seria a “Amélia” de hoje, Pitty buscou a obra de Simone de Beauvoir para compor “Desconstruindo Amélia”. Mas nem a “ajuda” da feminista francesa a fez escapar de uma letra simplista, compensada pela levada cabaré tocada por Duda na bateria. As duas surpresas negativas surgem quase no final. “Rato na Roda” e “Trapézio” caem no esquecimento depois de algumas audições. A épica “Todos Estão Mudos”, citando “O Corvo”, de Edgard Allan Poe, retoma o gás e encerra bem o disco. Chiaroscuro pode não se tornar o maior sucesso comercial de Pitty, mas prova que a cantora pode se dar ao luxo de arriscar. E assim continuar contra a maré: em vez de perder fãs, que crescem e deixam seus ídolos adolescentes para trás, ela amadurece e os mantém ao longo da carreira.

BRUNA VELOSO