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Arquivo: Entrevista Rolling Stone com Lou Reed

Nesta entrevista publicada em 4 de maio de 1989, o músico, que morreu no último domingo, 27, fala sobre o Velvet Underground, Andy Warhol e o então recém-lançado álbum New York

David Fricke/ Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 28/10/2013, às 13h46 - Atualizado às 14h18

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Capa Lou Reed - Reprodução
Capa Lou Reed - Reprodução

Em 4 de maio de 1989, a Rolling Stone EUA publicou uma Entrevista Rolling Stone com Lou Reed na qual ele falou sobre o Velvet Underground, Andy Warhol e o então recém-lançado álbum New York. Leia abaixo

A interrupção começa no meio da primeira música. Sobre a guitarra metálica de "Romeo Had Juliette", a ode seca ao amor sob guerra que define o cenário e o tom para a suíte de apocalipse urbano New York, de Lou Reed, um tonto no camarote do Orpheum Theater em Boston fica gritando. "Que droga! Toca rock!" Ele quer sucessos; Reed não está nem aí. Está abrindo seu show de mais de duas hotas nesta noite apresentando New York de uma maneira adequada a seu conteúdo urgente e estrutura narrativa, como um ciclo completo de músicas, todas as 14 em ordem, do começo ao fim.

Morre aos 71 anos Lou Reed, lendário músico do Velvet Underground.

O palhaço quase arruína "Halloween Parade", um hino agridoce aos corpos e almas perdidos para a Aids, com seu falatório. Neste momento, Reed, que nunca se rebaixou, interrompe o show, mira e dispara.

"Isto é rock. É meu rock", Reed dispara com um desfrute ácido. "Se você não gosta do meu rock, por que não vai embora? Pede um reembolso, imbecil”. Silêncio. O tonto já era.

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Ninguém coloca um importunador em seu lugar melhor do que Lou Reed. Claro, ninguém faz Lou Reed melhor do que Lou Reed. Ele mesmo disse isso em 1978 no disco ao vivo apropriadamente chamado de Take No Prisoners [“Não Poupe Ninguém”]: "Faço Lou Reed melhor do que ninguém". Uma década antes, ele havia definido o padrão para versos elaborados sobre sabedoria das ruas, humor negro nas letras, ruídos de vanguarda e pulsação primordial de rock com o Velvet Underground, provavelmente a banda norte-americana mais influente do rock nos últimos 25 anos.

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Os discípulos e descendentes de Reed têm várias idades, sexos e temperamentos, de David Bowie, Ric Ocasek e Chrissie Hynde ao U2, Sonic Youth e R.E.M. No entanto, ele continua imbatível em seu próprio jogo. Também está no auge de sua potência. New York é seu melhor álbum desde o atormentador documento de 1982 sobre amor e obsessão The Blue Mask; também é o mais próximo que ele realmente chegou de recapturar a magia rarefeita do Velvet em disco desde o final da banda. Em New York, ele dramatiza o apodrecimento físico e moral da Big Apple com a mesma sagacidade corrosiva, linguagem mordaz e humanidade disfarçada com a qual mostrou o vício em drogas em "Heroin", o comportamento sexual errante em "Walk on the Wild Side" e, na épica "Street Hassle", a fragilidade da esperança e do amor entre ruínas.

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Nesta noite no Orpheum, parte de uma turnê de primavera que inclui uma semana com ingressos esgotados na Broadway, Reed dá alma aos personagens e às crises do disco com a indignação em lenta ebulição de seu canto inconfundivelmente impassível e a conversa vibrante entre sua guitarra e a de Mike Rathke, que lembra o primitivismo inebriante dos diálogos de seis cordas de Reed com Sterling Morrison no Velvet. "Dime Store Mystery", seu adeus ao empresário original e mentor do Velvet, Andy Warhol, é uma evocação deliberada e dinâmica do estilo singular do grupo de canções artísticas dissonantes e certeiras – o som agourento e serrado do contrabaixo elétrico de Rob Wasserman, à la John Cale; a bateria de dança fantasmagórica de Robert Medici, à la Maureen Tucker; a própria distorção incendiária da guitarra de Reed; o coda com feedback uivante. Aos 47 anos, uma idade na qual muitos de seus contemporâneos estão ensaiando para a aposentadoria, Lou Reed permanece fiel aos extremos sônicos e à visão descompromissada do Velvet Underground.

"Fiz o que sempre faço”, Reed diz sobre as músicas, o som e o sentimento de New York entre goles de água com gás e baforadas no cigarro antes da passagem de som. “A única mudança foi – e sei que soa clichê – mas se você pratica algo repetidamente, supostamente fica melhor naquilo."

Os fãs concordam. New York é o disco mais bem-sucedido de Reed desde o apogeu de Transformer (que gerou seu único single Top 10, "Walk on the Wild Side"), Rock n Roll Animal e Sally Can't Dance, em meados dos anos 70. Houve alguns quase acertos desde então, como o power rock fácil de New Sensations, de 1984, mas Reed insiste que seu interesse no sucesso pop comercial está abaixo de zero. “Fiquei completamente bem ajustado a ser uma figura cult", afirma.

O que lhe incomoda é o furor contínuo, 22 anos depois do lançamento do primeiro disco do Velvet Underground, quanto a seu estilo de compor e escolha de assuntos. Para o jovem Lou Reed, recém-saído da Universidade de Syracuse – onde dividia seu tempo entre cursos de redação criativa, estudos de poesia com Delmore Schwartz e uma série de bandas de bar no campus –, discussões francas sobre sexo, drogas e amor devastador não eram grande coisa na literatura séria. Se a música pop realmente era arte (uma grande premissa de meados dos anos 60), embalar essas discussões com guitarras elétricas e percussão tribal era a coisa mais lógica do mundo.

"Nunca, jamais, achei que as pessoas ficariam indignadas com o que eu fazia”, afirma. "Você podia ir à livraria do bairro e conseguir tudo aquilo”. Só que a versão de Reed para o Grande Romance Americano, agora com mais de 25 álbuns de duração, tem o peso da observação pessoal precisa e, durante um período particularmente animado nos anos 70, verdade autobiográfica (hoje seu pior vício é fumar – “o próximo a ser eliminado”, jura).

Com New York no Top 50, a turnê atraindo públicos extasiados e alta expectativa para a estreia em novembro de Songs for Drella – o réquiem dramático de Reed e John Cale para Andy Warhol (recentemente exibida pela primeira vez como uma obra em andamento em Nova York) – Reed se sentou com a Rolling Stone EUA para conversas profundas em Boston e Washington, combinadas aqui com uma sessão que aconteceu há alguns meses em Nova York. Com óculos de aro redondo que lhe dão um ar levemente profissional, ele falou sobre suas composições, amor pelo rhythm & blues dos anos 50, a influência espiritual e artística de Andy Warhol, a música e a mística do Velvet Underground, e sobre a elaboração, e a mensagem, de New York.

"É interessante quando se está por aí há tanto tempo quanto eu e se vê essas coisas acontecerem”, Reed observou quase no fim. "É como, você quer ser sério? Sobre sua própria vida? E se não quiser, há discos de festa, que são muito divertidos. Só que estou interessado em outra coisa. Não estou dizendo que é melhor do que o resto. É só diferente.

"Tenho mais algumas palavras à minha disposição, e não posso ignorar isso."

Quando você recentemente induziu Dion ao Hall da Fama do Rock, lembrou em seu discurso de estudar geometria em casa em Long Island nos anos 50 enquanto ouvia grupos vocais de R&B como The Paragons, The Diablos e The Jesters no rádio. A maioria das pessoas não associa você ou seus discos com este tipo de soul antigo das ruas.

Bom, elas podem não me comparar também com alguém que esteja tentando entender geometria sólida, mas escute o final de "Halloween Parade". Jeffrey [Lesser], o engenheiro, fez aquele ótimo falseto agudo. Todas as minhas partes vocais de apoio se baseiam nesse tipo de música.


Como "And the colored girls go do da-do da-do" em "Walk on the Wild Side"?

Claro, tudo. Gravei meu primeiro disco aos 14 anos ["Leave Her for Me", do The Jades, em 1957], fazendo esse tipo de música. Agora escute "There Is No Time" [em New York]. Se você superar o estouro sônico, "There Is No Time" é só uma versão muito acelerada daquilo.

Onde estava o R&B nas músicas e no som do Velvet Underground?

Sempre esteve em algum lugar na banda. Havia dois lados da moeda, para mim. Aquele tipo de música – R&B, doo-wop, rockabilly – e então Ornette Coleman e Don Cherry, Archie Shepp, coisas assim. Quando estava na faculdade, tive um programa de jazz na radio, que chamei de Excursion on a Wobbly Rail, que era uma música de Cecil Taylor. Eu zanzava pelo Village seguindo Ornette Coleman onde quer que ele tocasse. Havia uma música dele, "Lonely Woman", com o baixo de Charlie Haden [cantarola o riff]. Extraordinária.

Ao mesmo tempo, havia outra música, uma das minhas preferidas de todos os tempos, chamada "Outcast", de Eddie and Ernie. Como pré-Sam and Dave. Morria com ela. Eu a tocava para o Velvet Underground e dizia "Escuta esta parte do baixo, é impressionante."

Há aquela pequena citação de guitarra de "Hitch Hike" de Marvin Gaye em "There She Goes Again", no álbum The Velvet Underground and Nico. ¬

Uma coisinha introdutória, certo? O negócio é que, na verdade, tivemos uma regra na banda por um tempo. Se alguém tocasse um lick de blues, levaria uma multa. Claro, não tínhamos dinheiro para multar ninguém, mas isso foi porque havia muitas bandas de blues, todas fazendo isso. Embora realmente gostasse daquilo para cantar, não consigo cantar aquilo. Tive de achar meu próprio jeito, então todos os arranjos e coisas assim, essas partes tipo R&B podem estar no subconsciente, mas saíram brancas. O que falei sobre Dion na cerimônia de indução foi verdadeiro. Havia um homem branco cantando daquele jeito, obviamente de Nova York, e fiquei muito impressionado com aquilo.

Como Andy Warhol realmente "produziu" o primeiro disco do Velvet Underground?

Afastando as pessoas de nós, porque elas achavam que ele estava produzindo. Elas não nos contrataram porque éramos nós, mas sim por causa do Andy. E ele assumiu tudo. Dissemos “Ele é o produtor” e ele ficava lá sentado.

Ele era meramente uma presença benigna?

Simplesmente fazíamos o que fazíamos e ele dizia “Ah, foi ótimo”. “Ah, vocês devem deixar assim”. “Ah não, está maravilhoso”. Eu já tinha estado em estúdios, compondo e gravando esses tipos de discos que vão direto para o saldão de desconto, músicas da moda que vendem por 99 centavos, mas Andy absorveu todo o impacto. Só que a MGM disse que queria trazer um produtor de verdade, Tom Wilson, então é aí que você tem "Sunday Morning", com todos aqueles overdubs – a viola no fundo, Nico cantando, mas ele não podia desfazer o que já tinha sido feito.

Alguma das músicas no primeiro álbum do Velvet foi composta durante seu trabalho anterior escrevendo sucessos rápidos sob encomenda na Pickwick Records?

Algumas delas. "Heroin". Não lembro as outras, mas sei que já tinha "Heroin".

Você não se sentiu um pouco esquizofrênico, compondo músicas pop pré-fabricadas da moda, como "The Ostrich" e "Cycle Annie", de dia e algo como "Heroin" à noite?

É que Andy estava fazendo arte comercial e, então, a outra arte. Ele apoiou o show [Exploding Plastic Inevitable] com sua arte comercial. De onde você acha que eles conseguiram o dinheiro? Não tínhamos heranças nem nada, éramos duros, então Andy fazia uma capa da TV Guide ou algo assim.

Não via isso como esquizofrênico, eu só tinha um trabalho como compositor. Quer dizer, um trabalho realmente amador – eles vinham, davam um assunto e escrevíamos. Ainda é meio assim. Realmente gosto se alguém chega, diz que quer uma música e me dá o assunto. É ainda melhor se me dizem que tipo de atitude querem. Consigo me distanciar completamente disso. Andy dizia que gostava muito quando as pessoas corrigiam sua arte comercial porque ele não tinha nenhum sentimento com relação a ela. Não sentia nada, e como os outros sentiam, deveriam estar certos.

Andy lhe dava assuntos sobre os quais compor?

Claro. Ele falou: “Por que você não escreve uma música chamada 'Vicious' [Cruel]?" Falei "Bom, Andy, que tipo de crueldade?" "Ah, sabe, como se eu te batesse com uma flor”. Escrevi isso, literalmente, porque tinha um caderno naquela época que usava para poesia, coisas que as pessoas diziam. Como em "Last Great American Whale" [de New York] – "Stick a fork in their ass, and turn them over, they're done" [Enfie o garfo neles e gire, estão no ponto]. Ouvi isso pela primeira vez no Meio-Oeste; John Mellencamp quem disse. Nunca tinha ouvido essa expressão. Ele falou: “Enfie um garfo em mim e gire, estou no ponto”. Escrevi e mudei um pouco.


Só que eu fiz isso também na Factory. Voltei e compus uma música, "Vicious/You hit me with a flower/You do it every hour/Oh baby you're so vicious" [Cruel/Você me bate com uma flor/Faz isso o tempo todo/Oh baby, você é tão cruel]. As pessoas me perguntavam “O que você quer dizer com isso?” e eu não queria dizer “Bom, pergunte ao Andy."

Ou então ele falava "Ah, você deveria compor uma música, fulana é uma femme fatale. Escreva uma música para ela, chamada 'Femme Fatale'". Não havia mais nenhum motivo. Ou “Sister Ray" – quando estávamos gravando o segundo álbum, ele falou “Agora você tem de fazer a música do 'sucking on my ding-dong’ [chupando meu piu-piu]". "Ok, Andy". Ele era muito divertido, de verdade.

Ele era percebido mais como um instigador, uma espécie de manipulador.

Era um catalisador, sempre unindo elementos dissonantes, o que era algo do qual nem sempre eu gostava. Então, quando trouxe a Nico, dissemos "Hmmm", porque o Andy falou: "Ah, vocês têm de ter uma cantora”. Falei “Ah, Andy, dá um tempo”. Lá estamos nós, fazendo seis shows por noite em um lugar terrível para turistas no Village, com o público atacando as pessoas sobre a música.

Warhol e o Velvet se separaram em 1967. Ele perdeu interesse na banda?

Não. O Andy atravessa coisas e nós também. Ele se sentou e conversou comigo. “Você tem de decidir o que quer fazer. Quer continuar simplesmente tocando em museus e festivais de arte daqui para frente? Ou quer começar a ir para outras áreas? Lou, você não acha que deveria pensar nisso?” Pensei e o despedi, porque achei que era uma das coisas a serem feitas se fossemos nos afastar daquilo.

Qual foi a reação de Andy?

Ele ficou furioso. Nunca tinha visto o Andy com raiva, mas naquele dia, sim. Ficou louco, me chamou de rato. Foi a pior coisa em que conseguiu pensar.

Como você vê o Velvet agora? Acha que, depois de apenas cinco anos e quatro discos, a banda deixou muitas coisas inacabadas?

John [Cale] diz que ela terminou antes de conseguir o que deveria ter conseguido. Acho que ele está certo, de alguma forma. Meus discos são uma versão dela, os discos de John são uma versão dela. A bateria de Maureen Tucker é algo que não pode ser substituído por ninguém. Claro, Loaded não tinha Maureen e é o disco preferido do Velvet Underground para muita gente, então não podemos ficar perdidos demais na mística do Velvet Underground.

Só que essa mística é mais penetrante agora do que antes. Onde você ouve a influência do Velvet Underground hoje?

Ouço coisas que às vezes me fazem pensar “Ah, isso soa como o Velvet”, ou “Soa como eu” ou como Maureen. É raro ouvir totalmente. Por outro lado, o Velvet Underground podia fazer muitas coisas de muitos jeitos. Podia ser muito dissonante, muito lindo, e todas eram músicas de dois, três acordes. Todos os meus álbuns são de músicas de dois, três acordes. Sei que para uma banda nova, se ela precisa de material, minhas coisas até são boas, porque não têm muitos acordes. Está tudo ali. Talvez seja por isso que as pessoas gostem, porque é muito simples.

Depois de sair do Velvet Underground em 1970, você trabalhou para seu pai por um tempo.

Como datilógrafo. Ele tinha uma empresa, era presidente dela. Realmente queria que eu cuidasse dos negócios da família, mas era realmente impossível. Só que quando saí do Velvet Underground, simplesmente fiz as malas. Para mim, chega... Então fui datilógrafo por dois anos. Minha mãe sempre me disse no ensino médio: “Você tem de aprender a datilografar, para ter algo a que recorrer”. Estava certa.

Há uma biografia antiga para a imprensa de Lou Reed enviada pela RCA que tem comentários seus escritos a mão. Para aquele período imediatamente depois do Velvet, você colocou "exílio e muita ponderação". Sobre o quê?

Sobre qual seria minha próxima jogada. Eu queria ser sozinho? Queria ter uma banda? Queria simplesmente compor, sem subir ao palco? Sou a última pessoa no mundo a achar que deveria estar sobre o palco. Algumas pessoas gostam dos holofotes sobre elas, eu não. Gosto da música e de apresentá-la. Fazer isso para as pessoas – que gostam dela.

Quero sair dessa coisa de rock, de verdade. Está um pouco tarde agora, mas não gosto dessa parte. Só que aqui estou eu, no palco, apresentando minhas coisas. Com certeza parte do motivo originalmente é porque ninguém mais faria isso e ainda acho que, até certo ponto, eu me faço muito bem.

Com o sucesso de "Walk on the Wild Side" e o subsequente interesse renovado pelo Velvet, você ficou mais conhecido como o homem que ousou colocar grandes tabus sociais nas músicas – vício em drogas, desvios sexuais...

Só era tabu nos discos, vamos nos lembrar disso. Filmes, peças, livros, está tudo ali. Você lia Ginsberg, Buroughs, Hubert Selby Jr. Se quiser levar essas coisas a um nível que valha a pena considerar, não pode se comparar com as outras coisas que estão em disco. Começa a olhar para Brecht e Weill.

No entanto, você se sentiu pressionado para continuar compondo músicas tipo Lou Reed?

Por um tempo, eu me senti auto-impelido a compor músicas do tipo Lou Reed. Deveria ter entendido que uma música Lou Reed era qualquer coisa sobre a qual queria escrever.

Só que, durante os anos 70, você não simplesmente escreveu sobre extremos na arte e no estilo de vida, também os viveu.

Zigue-zague da vida real. Sim, por que não? Demorei um tempo, talvez seja daqueles que demoram para despertar. Vamos falar assim. Não sou duro comigo mesmo por nada disso. Tenho uma compreensão e simpatia pela situação. Agora, estou dedicado a nunca mais deixar essas coisas acontecerem. Simplesmente iria embora.

Em 1989, como você se compara àquele Lou Reed?

Não olho para trás, mas escrevi um disco sobre isso. Compus uma música, "Growing up in public/With your pants down" [Crescer em público/Com as calças arriadas]. É o que achava daquilo tudo, e isso disse tudo o que eu tinha de dizer sobre aquilo. A maioria dos grandes erros foi cometida em público e gravei em disco, para completar. Muitos romancistas incluem isso em seus livros. Norman Mailer tem seu Advertisements for Myself.


É notável que, considerando sua história movimentada e notável falta de sucessos, você ainda consegue ter seus “anúncios” gravados em disco por um grande selo.

Esquisito, não é? Não sei por que as pessoas me dão contratos para gravar. Acho que é porque elas pelo menos atingem o ponto de equilíbrio e estão ganhando alguns trocados. Sou uma figura cult, mas vendo alguns discos.

E quanto ao caso memorável em 1979 quando, durante um show no Bottom Line, em Nova York, você viu o presidente de sua gravadora, Clive Davis, na plateia e exigiu "Cadê o dinheiro, Clive"?

Estava bêbado e sempre me arrependi de ter feito isso. Por outro lado, estava louco, porque deveria haver alguns displays promocionais na cidade e achei que estava sendo enganado. Reagi de uma maneira da qual não me orgulho, mas eu era assim na época. Você me empurrava, eu empurrava de volta. Ou esperava até poder fazer a você o que achava que você havia feito comigo. Não acho que o Clive estava tentando fazer qualquer coisa comigo, mas estava frustrado, então descontei nele, e sempre me arrependi de ter feito isso.

Por outro lado, assim é o Lou! [Risos]

Qual seria o engano mais comum sobre você?

Ah, não sei, teria de ouvir a lista.

Por exemplo, você é difícil.

Vou dizer, sou genuinamente um cara bom. De verdade, muito bom. Só que acho que sou temperamental. Estou falando sobre mim mesmo, hoje. Acho que tenho bom controle sobre isso, mas às vezes temperamental pode ser confundido com ser difícil.

Por exemplo, não gosto de ser entrevistado. Por que alguém iria querer ser entrevistado? Alguém em seu pleno juízo? Por que você, se a situação fosse invertida, iria querer sentar aqui comigo fazendo perguntas sobre você? “Como foi aquele fracasso que você teve aos 22 anos, David?" Quem precisa disso, a não ser que você seja egoísta e realmente goste de falar de si mesmo? Eu não, porque me conheço. Acho que sou bom.

Com certeza fui muito difícil no passado, de muitas maneiras, ou extremamente temperamental, mas porque eu era perturbado e não tinha a cabeça no lugar. É diferente agora. Claro, estou mais velho. Supostamente, quando você fica mais velho, entende algo de tudo o que se passou, ou cai duro e este é o fim. Acho que agora entendo algumas coisas melhor do que outras pessoas, e luto por isso. Não acho que isso seja ser difícil – quer dizer, soa brega, mas é como ser fiel à sua visão.

Como você se sentiu quando "Dirty Blvd." [de New York] foi lançada como single nas rádios com as palavras "piss" ["Give me your tired your poor I'll piss on 'em/That's what the Statue of Bigotry says", ou Dê seus cansados, seus pobres e mijarei neles/É isso o que a Estátua da Intolerância diz] e "suck" ["The TV Whores are calling the Cops out for a Suck", ou As vadias da TV estão chamando os tiras para uma chupada] cortadas? Não foi nada demais em 1972 ouvir "Walk on the Wild Side" nas rádios AM completa com o verso "even when she was giving head" [até quando ela estava fazendo boquete].

Eu fiz os cortes em "Dirty Blvd". Não queria que o pessoal de promoção se sentisse derrotado antes de começar. Estava com o [engenheiro de masterização] Bob Ludwig – Bob e eu nos conhecemos há muito tempo, desde o Metal Machine Music – e o Bob me disse: “Se você acha que terão um problema com isso, por que não dá uma opção, para que os caras da promoção não tenham de sair e bater com a cabeça na parede Coloque uma guitarra em vez das palavras”. Perguntei à gravadora: “Isso facilitaria a vida de vocês?” “Ah, está brincando? Não queríamos tocar nesse assunto."

Você não fica incomodado por ter optado por essa concessão?

Teria me incomodado se a outra versão não existisse. Achei que a música representava o álbum e queria facilitar para todo mundo. Não queria entrar em uma batalha sobre aquelas palavras. Estou por aqui há muito tempo, já provei o que queria dizer. As pessoas entendem de onde venho.

New York com certeza é o mais puro Reed. A cidade e seus habitantes são combustível para seu motor desde o início do Velvet.

Bom, Faulkner tinha o sul, Joyce tinha Dublin. Tenho Nova York – e seus arredores. É uma cidade enorme. O motivo pelo qual não acho que o disco seja inibido pelo aspecto do tópico é porque viajo muito. Converso com as pessoas e são as mesmas histórias em todo lugar. Nome diferente, mesma situação.

Só que há uma diferença na perspectiva. Há raiva e urgência nas músicas, enquanto em suas canções do Velvet você era mais um observador, um jornalista emocional.

Não sei se há raiva ali.

Urgência?

É diferente de raiva.

Há uma sensação de olho por olho, estar contra a parede, em músicas como "There Is No Time", "Busload of Faith" e "Hold On".

É interessante, do ponto de vista da composição, as técnicas que usei. A sequência é importante, porque toda vez que você se depara com uma música, já enfrentou outras antes dela. Houve outras coisas sopradas em seu ouvido, preparando para o que a música irá falar. Em "Romeo Had Juliette", você tem dois adolescentes. Há "Halloween Parade", pessoas morrendo de Aids, então Pedro no hotel decadente em "Dirty Blvd". Então, existem essas duas pessoas brigando ["Endless Cycle"] e se elas tivessem o filho.

Daí passa para ecologia ["Last Great American Whale"] e, de repente, você tem um cara falando “Poxa, talvez eu devesse ter um filho" ["Beginning of a Great Adventure"]. Só que, enquanto ele fala disso, você é atingido por outras cinco faixas. O que está acontecendo com os jovens? O que está acontecendo com a terra?

Nos últimos anos, você fez shows beneficentes, apareceu em "Sun City" e fez turnê em favor da Anistia Internacional. Essas experiências de alguma maneira inspiraram ou influenciaram a atitude e o tema de New York?

Há muitas coisas sobre as quais escrever. Poderia escrever sobre a mesa, quem sentou a ela, o que significa para mim. É uma ótima mesa antiga, olhe aquele ponto ali. Há muitos assuntos, mas foi isto que saiu. Além disso, tenho conversado sobre essas coisas com muita gente, sobre o que está acontecendo. Como escritor, isso realmente atraiu minha atenção, hoje, agora. É perfeitamente possível que eu lance um disco de festa em seguida. Só que, do meu próprio jeito, acho que este é um disco de festa – só não do tipo que você está acostumado. Não é um álbum pop. Nem acho que faço mais parte do rock. Há um nicho de "música Lou Reed", e ele está ali.

Vamos falar sobre alguns de seus contemporâneos. Bob Dylan, por exemplo. Ele andou com Warhol na Factory por um bom tempo em meados dos anos 60 e na época, como você, estava ocupando transformando a composição no rock.

Sempre saio para comprar o último álbum do Dylan. Bob Dylan consegue transformar uma frase, cara. Como seu último disco [Down in the Groove], sua escolha de músicas. "Going ninety miles an hour down a dead-end street" [Indo a 140 por hora em uma rua sem saída] – daria tudo para conseguir escrever essa ou "Rank Strangers to Me". A palavra-chave ali é "classificar".

Realmente consigo ouvir algo assim. O resto é pop, tenho zero de interesse nisso, mas Dylan constantemente me espanta. "Brownsville Girl", o que ele fez com Sam Shepard, disse "Até as equipes da SWAT aqui estão se corrompendo". Fiquei de queixo caído. Tive a mesma reação com algumas de minhas coisas, e a única pessoa em quem consigo pensar e faz isso comigo é o Dylan.


E quanto a John Lennon? Como você, ele escreveu francamente em suas músicas sobre sua vida.

Ele compôs uma música chamada "Mother" que achei muito boa. "Jealous Guy". Gostei de suas coisas fora dos Beatles. É meu gosto, mas o tipo de fraseio que me derruba é o de Dylan. Para a linguagem, até hoje o Dylan me mata.

Bruce Springsteen.

Gosto dele nos shows. Ele é um ótimo artista ao vivo. o que realmente gosto são os trechos com Clarence e tudo, essas grandes introduções faladas.

Por que ele veio recitar aqueles versos em "Street Hassle"?

Porque se eu tivesse feito isso, teria soado engraçado, e quando ele recitou, soou real. Ele estava no mesmo estúdio, o Record Plant. Não estava dando certo comigo, então o engenheiro perguntou “Por que você não pede ao Bruce para fazer? Ele realmente conseguiria”. Então pedimos ao Bruce e ele reescreveu um pouco.

O final da passagem dele é uma derivação inteligente de "Born to Run" – "There are tramps like us/Who were born to pay" [Há vagabundos como nós/Que nasceram para pagar]. Essa foi a contribuição?

Não, essa foi minha. Tinha sido escrita com ele em mente, mas ele não estava lá. Eu só estava brincando com o título.

Como alguém que fez parte do circo de celebridade de Warhol em seu auge, o que você acha das festas das celebridades em Nova York agora?

Não estou familiarizado. Não vou a boates, nem a shows. Sabe, depois de estar com Andy, se eu nunca mais fosse a uma dessas coisas seria cedo demais. Ainda me sinto assim. Não vou ao China Club, ao M.K., ao Tunnel. Recebo cartões de todos esses lugares, mas não vou. Não estou interessado. Sou meio chato, não?

Há alguma música pop agora que lhe interesse?

Não tenho ouvido o suficiente. Não escuto rádio, não sei o que está por aí. Sei que minha esposa, Sylvia, é louca pelo Waterboys, então ouvimos muito Waterboys. Só que, claro, estou interessado nas letras. Há pouquíssima gente que realmente consegue escrevê-las.

Depois de sair da faculdade, você realmente tentou seguir a carreira de escritor – de poesia ou prosa, em vez de compositor?

Ganhei um prêmio de poesia. Enquanto estava na Factory, Gerard Malanga [sócio de Warhol e biógrafo do Velvet] enviou um de meus poemas a uma revista. Eu era publicado em revistas pequenas. Eugene McCarthy me deu o prêmio, algo como “um dos cinco melhores novos poetas em uma pequena revista literária”. Fiquei furioso com o Gerard por ter enviado, porque odiava o poema. Não me importava se outra pessoa o achava bom. Eu sabia que era horrível. Achei que minhas letras de música eram muito melhores do que aquele poema em particular.

Você sempre argumentou que seus discos são sua versão do Grande Romance Americano.

É, quando você toca todos em seguida. Se tem a paciência de seguir.

Você acha que seu “romance” teria feito sucesso como poesia ou prosa em vez de rock?

Não teria bateria. Não teria guitarras, então você não conseguiria o aspecto físico daquilo. É meio o que gosto nele.

Ironicamente, dado o viés casa vez mais conservador dos EUA, sua obra parece mais drástica, mais potente, do que 10, 15, até mesmo 20 anos atrás.

Acho que o acobertamento do assassinato de Kennedy, depois o perdão de Nixon, deixou muita gente arrasada. Disseram “Bom, não sabíamos que era besteira antes, mas com certeza sabemos agora, então que se dane. Cada um por si”. Ninguém dá a mínima. As pessoas sabem que estão sendo ferradas. Não há tempo de cuidar de mais nada.

Só que New York é basicamente sua maneira de dizer que você dá a mínima.

É sim. Também é sobre o uso da linguagem. É por isso que digo que talvez não devamos pensar que faço discos de rock. Estou nessa pelo longo prazo. Acho que acabei de começar a entender isso, o que posso fazer, o que quero fazer com isso, e quem quero levar comigo quando fizer isso.

É realmente fácil, de certo modo, porque as pessoas que gostarem irão comigo. E quem não gostar dirá que estou falando bobagem. Tudo bem. Se não me querem, também não estou interessado nelas. Não tem problema [sorri]. Não tenho nenhum problema com isso.