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Com atrizes, projeções e 25 músicas inéditas, Titãs estreia ópera rock sobre assédio: “Híbrido entre cinema, teatro e show”

Por dentro de Doze Flores Amarelas, o novo e ousado projeto da banda, que estreia nos palcos esta semana, no Festival de Curitiba, segue para São Paulo e vai render disco de estúdio

Lucas Brêda, de Curitiba Publicado em 02/04/2018, às 22h26 - Atualizado às 22h35

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Branco Mello, Tony Bellotto, Sérgio Britto, do Titãs - Silmara Ciuffa/Divulgação
Branco Mello, Tony Bellotto, Sérgio Britto, do Titãs - Silmara Ciuffa/Divulgação

Em 2018, o Titãs se prepara para uma das empreitadas mais ousadas da história da banda: o lançamento de uma ópera rock no formato de espetáculo teatral, com projeções, show ao vivo e três atrizes encenando a narrativa das canções. A pré-estreia, que acontece esta semana, nos dias 3 e 4 (terça e quarta, às 21h), no Festival de Curitiba, é o primeiro grande passo autoral do grupo depois da saída de Paulo Miklos, em 2016, que deixou o Titãs com apenas três dos nove integrantes originais (Tony Bellotto, Sérgio Britto e Branco Mello).

“Desde o disco anterior, o Nheengatu, estamos instigados a nos inspirar em coisas diferentes das mais óbvias”, diz Bellotto, em coletiva realizada no Teatro Guaíra, onde o Titãs mostra o espetáculo Doze Flores Amarelas pela primeira vez ao público. “[No álbum de 2014] Tratamos de pedofilia, homofobia, racismo, violência contra a mulher, e a gente gosta desses desafios. Aí surgiu a ideia de fazer uma ópera rock, poder fazer canções que normalmente não faríamos, falando pela boca de personagens.”

(Perfil) Após deixar o Titãs, Paulo Miklos reconstrói a carreira e a vida com novos parceiros e inspirações

Doze Flores Amarelas conta a história de três mulheres – Maria A, Maria B e Maria C – que são assediadas em uma festa, após usarem um aplicativo fictício chamado Facilitador, e buscam uma espécie de vingança contra os agressores. O argumento foi desenvolvido com participação do escritor Marcelo Rubens Paiva e do dramaturgo Hugo Possolo (fundador do Parlapatões, de São Paulo), que também participa da direção do espetáculo, ao lado do cineasta Otávio Juliano (diretor do documentário Sepultura Endurance). Jaques Morelenbaum contribui com arranjos de corda e até Rita Lee, também mãe do agora guitarrista do Titãs, Beto Lee, empresta a voz em gravações exibidas na apresentação.

Além de Rita, três jovens atrizes/cantoras – Corina Sabba, Cyntia Mendes e Yás Werneck – são as mulheres que ajudam os integrantes a darem vida aos personagens, interpretando no palco as “Marias” do enredo. “Não foi [uma escolha] premeditada, este é um tema que nos toca, que nos diz respeito também como homens”, defende-se Sérgio Britto sobre a pertinência de um tema feminino ser explorado majoritariamente por homens. Ele, por exemplo, canta a partir do ponto de vista de uma mulher assediada em “Me Estuprem”, uma das três faixas de Doze Flores Amarelas que o Titãs mostrou no Rock in Rio de 2017. “Acho importante que nós, homens, possamos nos colocar ao lados das mulheres, que estão absolutamente certas em reivindicar os direitos delas”, completa Possolo, enaltecendo os roqueiros. “O artista, o poeta, é um ‘fingidor’, então ele tem que ‘fingir essa dor’ e partilhar com parte da sociedade.”

“É um assunto que está aparecendo, mas que infelizmente faz parte da sociedade machismo no Brasil, América Latina nem se fala, e no mundo inteiro, até nos melhores lugares tem histórias terríveis. Essa ideia de achar que a mulher é um objeto e você pode dispor dela eu acho execrável. É bom os homens terem consciência de que isso é uma aberração e as mulheres de que elas podem se levantar e reivindicar”, explora Britto, dizendo também que a experiência com a obra não chegou a modificar algum tipo pensamento ou preconceito que ele possuía anteriormente (“Os meus próprios não, acho que eu sempre pensei da maneira que continuo pensando”). Até por cantarem a visão de estupradores em primeira pessoa, os integrantes alertam para “interpretações delicadas” e fora de contexto. Possolo sintetiza: “Espero que, na ópera, consigam compreender que são vozes de personagens narrando aquilo em função de uma trama.”

Doze Flores Amarelas deve sair em disco de estúdio durante três semanas a partir do próximo dia 14, com as trilhas de cada um dos três atos da apresentação sendo liberadas separadamente. Depois disso, a banda ainda deve gravar e lançar uma versão em home vídeo do espetáculo e sair em turnê por teatros de todo o país, a começar pelo Sesc Pinheiros, de São Paulo, por quatro noites seguidas a partir do dia 12 deste mês. O setlist do show, previsto para ter cerca de 1h30 de duração, não traz nenhuma música clássica das mais de três décadas de carreira do grupo.

Para Bellotto, existe um “ineditismo” importante no projeto do Titãs: trata-se na primeira ópera rock brasileira em todos os tempos que, ainda assim, possui particularidades em relação às obras icônicos do gênero no mundo. “Quando o The Who lançou Tommy, eles fizeram [apenas] um show normal do disco, com a banda mostrando as músicas”, comenta o guitarrista. Britto trata o espetáculo como um “híbrido entre o cinema, o teatro e o show”, que só surgiu devido às experiências recentes do Titãs tocando em teatros (com a turnê de hits Uma Noite no Teatro). “Geralmente tocamos em casas noturnas, em que a pessoa assiste em pé, para entre uma música e outra para pegar uma cerveja. No teatro, você toca mais cedo, as pessoas estão sentadas, o sentido do espetáculo vira outra”, compara Bellotto. Britto emenda: “A pessoa vai ouvir 25 músicas que ela não conhece, com uma parte cênica forte, então tem que ver direito, ouvir direito e estar bem acomodado, senão a experiência pode se perder.”

Branco Mello se sente instigado pelo “desafio” do novo momento, enquanto Possolo repetidamente reforça a “ousadia” do Titãs no projeto, que teve apenas um patrocinador pela Lei Rouanet, a Universidade Estácio de Sá (do Rio de Janeiro), além da atual gravadora do grupo, a Universal. É mais uma tentativa – desta vez, ainda mais arriscada – de reinvenção de uma das bandas mais clássicas do rock nacional, depois perder integrantes (de Arnaldo Antunes a Nando Reis, passando pelo finado Marcelo Fromer, o baterista Charles Gavin e o mais recente, Miklos) ao longo das últimas décadas. “Trinta e seis anos depois, para nós, é um desafio muito grande”, admite o baixista. “Esses desafios vão ficando cada vez maiores e cada vez mais prazerosos de serem enfrentados.”

Festival de Curitiba (Mostra)

3 e 4 de abril (terça e quarta-feira), às 21h

Centro Cultural Teatro Guaíra (Guairão – Aud. Bento Munhoz da Rocha) | R. 15 de Novembro, 971 – Centro, Curitiba (PR)

Ingressos: R$ 70 neste endereço

*O jornalista viajou a convite da produção do festival