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Desemprego e doenças: se a crise hídrica se agravar, São Paulo será cenário de um apocalipse urbano

A falta de abastecimento na capital paulista poderá aprofundar os problemas econômicos no país

Antonio Burani | Ilustração: Indio San Publicado em 16/04/2015, às 14h44 - Atualizado às 15h31

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Metrópole em Caos - Ilustração: Indio San
Metrópole em Caos - Ilustração: Indio San

Com o perdão do trocadilho, não existe assunto mais árido do que a crise hídrica que afeta São Paulo. Além de ser um tema moldado por questões técnicas, a estiagem – a pior dos últimos 80 anos – tem se estendido à informação. Lemos, vemos e ouvimos diariamente informações e histórias sobre a falta de água, mas sabemos muito pouco sobre o que realmente está acontecendo nas tubulações e nos gabinetes. Desencontradas, as notícias têm alimentado o pânico dos paulistas, especialmente na Grande São Paulo. Especialistas reclamam de falta de transparência e opositores bradam que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) não se preveniu como deveria. O tucano, por sua vez, coloca a responsabilidade em São Pedro, enquanto apresenta um pacote de iniciativas e investimentos para enfrentar o problema.

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A falta de água se estende por várias regiões do Brasil, mas é no estado mais populoso do país que se vê os habitantes com os nervos mais à flor da pele. Durante a campanha eleitoral do ano passado, Alckmin garantiu que o rodízio não seria necessário. Depois, voltou atrás e passou a dizer que não era possível descartar a ideia. Os auxiliares do governador foram além e falaram em três dias sem água para dois com. As chuvas de fevereiro, porém, despertaram um inesperado otimismo, e o rodízio novamente passou a ser tratado como hipótese remota. O certo é que pelo menos até o mês de abril não haverá um corte oficial nas torneiras dos paulistanos. Mas e se tudo der errado? E se as últimas chuvas tiverem sido exceção?

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Caso as chuvas teimem em não cair na quantidade necessária no próximo período de intensidade pluvial, que vai de outubro a março, e se o cenário continuar se agravando nos anos seguintes, com invernos e verões atípicos, os impactos serão de toda ordem: ambiental, social, política e, principalmente, de saúde pública. “Se esse clima se mantiver por anos, ou seja, no pior cenário, São Paulo viverá uma situação similar à do semiárido nordestino. Podemos ter flagelados da seca em um estado onde isso era impensável”, diz Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da ONG SOS Mata Atlântica. A diferença é que em estados como Paraíba, Ceará e na região do recôncavo baiano a disponibilidade de água é historicamente pequena, o que levou a população a se adaptar ao longo do tempo. “Já na região Sudeste a cultura é outra: de água abundante”, pontua. Ela lembra que nas últimas décadas já vem ocorrendo um fenômeno de desertificação do clima, com o aumento da incidência de doenças pulmonares e de visão durante o inverno. A esses seria somada uma série de outros males de saúde com a escassez constante de água.

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A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) admitiu, no fim de fevereiro, que se o rodízio oficial for decretado pode haver a contaminação da água. Segundo especialistas, isso poderia levar a um surto de disenteria na população, especialmente entre os moradores de rua. “Se for implementado o rodízio, a rede ficará despressurizada, principalmente em regiões de topografia acidentada, nos pontos em que a tubulação está em declive. Se o lençol freático está contaminado, isso aumenta o risco de contaminação [da água que sai das torneiras]”, disse o diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massato, durante uma sessão da CPI que investiga a estatal na Câmara Municipal de São Paulo. O engenheiro Antonio Eduardo Giansante, professor de engenharia hídrica da universidade Mackenzie, troca em miúdos: “Se a água for cortada de vez e o tubo ficar seco, pode ser que entre por ele água de qualidade não controlada, em geral contaminada por causa das redes que coletam esgoto para dentro da rede da Sabesp”. Na verdade, essa não é apenas uma hipótese pessimista – é realidade para muitos moradores da Grande São Paulo, especialmente na periferia, onde já é realizado o fechamento manual de uma pequena parcela dos registros de rua. “Nós temos hoje medicina suficiente para minimizar o risco de vida da população. Uma disenteria pode ser mais ou menos grave, mas é um risco que queremos evitar”, minimizou o diretor da Sabesp.

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Exclusão Hídrica

Um aspecto preocupante do agravamento da crise é seu reflexo na vida das pessoas de baixa renda. Na eventualidade extrema de haver a contaminação da água encanada, o consumo se tornaria cada vez mais caro. “Nós já recebemos água de qualidade ruim, mas isso poderia piorar”, diz Malu Ribeiro. “Para quem vive com um salário mínimo e de cesta básica não é possível comprar água mineral.” A conta é simples. Uma garrafa de 510 ml custa, em média, R$ 2,5; em supermercados, sai um pouco mais barato – por esse valor, encontram-se garrafas de 1,5 l. A Organização Mundial de Saúde recomenda o consumo diário de cerca de 2 l. Fica impossível de sustentar. “Em caso de uma crise extrema teríamos muita dificuldade no campo social e político. Pipocariam manifestações e a situação ficaria cada vez mais explosiva”, acredita o cientista político Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ESP). “Poderia, ainda, haver êxodo da população das cidades, dependendo da gravidade da crise”, conclui.

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A hipótese da água que recebemos deixar de ser potável não é mera paranoia. Para muitos especialistas, uma solução extrema seria usar no sistema água bruta da poluída Represa Billings. Se isso ocorresse, a água só serviria para descarga e banho – manobra que hoje, porém, não é permitida. “É proibido por lei oferecer água sem tratamento”, explica o engenheiro José Roberto Kachel dos Santos, ex-funcionário da Sabesp e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. Apesar da restrição, o governo paulista já sinaliza um projeto de transferir a água poluída da Billings para o sistema Rio Grande, onde está a maior e mais importante reserva de água potável de São Paulo.

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A transferência seria feita por meio de bombas gigantes. As duas represas, que são vizinhas, podem ser vistas por quem viaja ao litoral sul paulista. De um lado está a Billings, suja e com aspecto verde causado por cianobactérias. Do outro, está o saudável Rio Grande. Uma barragem de 400 metros separa os dois reservatórios para evitar que a poluição de um invada o outro. A ideia do projeto é diluir parte da água da Billings, depois de passar por uma estação de tratamento, no Rio Grande, para aumentar a oferta na Grande São Paulo. “São Paulo tem muita água, mas ela está indisponível por causa da poluição. Se esse clima se mantiver, os rios serão usados até a exaustão e deixarão de ser perenes”, reforça Malu Ribeiro. Um paliativo seria apelar para os caminhões-pipa, que trariam água de outras regiões. Mas também aí está embutido um risco. “O caminhão pipa poderia ajudar, mas seria muito importante regular esse processo. É preciso saber onde estão buscando a água”, diz o engenheiro mecânico Jorge Giroldo, professor do Centro Universitário FEI.

Além da Fome, Sede

Diante do cenário de escassez severa, as primeiras vítimas fatais seriam os moradores de rua. A reportagem da Rolling Stone Brasil esteve na região da cracolândia, em São Paulo, e em outros pontos da cidade para averiguar como os sem-teto estão sentindo os efeitos da crise hídrica. Está cada vez mais difícil conseguir, por exemplo, acesso a um copo de água. O que até pouco tempo não era negado por razões humanitárias, hoje vem sendo “racionado” pelos comerciantes para não aumentar a conta dos estabelecimentos (e evitar receber a multa imposta a quem eleva o consumo). Pior: tem faltado água em abrigos da prefeitura e nos hotéis da cracolândia que fazem parte do programa Braços Abertos que prevê a inclusão social dos dependentes químicos. Usuários que orbitam o quadrilátero da rua Helvétia, no centro da capital, onde está o chamado “fluxo” do crack, têm abordado pedestres para pedir – ou até roubar – squeezes e garrafinhas de água. Segundo o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua e titular do Comitê de Políticas Públicas para a População de Rua de São Paulo, o morador de rua não tem onde armazenar água – muitos estão, efetivamente, passando sede. Para amenizar o problema, Lancelotti tem distribuído squeezes. A situação só não é pior porque ainda é possível encontrar alguns locais com torneiras públicas – o problema é que com a acentuada queda da qualidade da água as pessoas que as usam para beber ficam cada vez mais expostas a doenças.

Crise Aguda

A intensificação da crise hídrica teria um efeito devastador sobre a economia paulista. As indústrias químicas, alimentícias, têxteis e de bebidas seriam as mais afetadas e poderiam entrar em colapso, gerando uma onda de desemprego. O atual cenário já é bem nebuloso. Existem empresas planejando férias coletivas; o mercado prevê uma freada da economia no primeiro semestre de 2015. Sem água, dizem os economistas, São Paulo arrastaria o país para uma profunda crise, já que o estado representa 15% do PIB brasileiro. “Em um cenário extremo haveria a desarticulação completa da atividade econômica nacional. O custo de vida se elevaria muito”, prevê o economista André Perfeito, mestre em economia pela PUC-SP e economistachefe da Gradual Investimentos. “Haveria um processo inflacionário indiscriminado em todo o território nacional.” No estado de São Paulo, a crise severa desencadearia, ainda, um processo de interiorização da indústria – as grandes empresas deixariam as regiões mais afetadas em busca de cidades do interior.

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Sem Alface

Na economia rural, os efeitos da falta de água já estão sendo sentidos. Muitos produtores rurais da região do Alto Tietê e de Sorocaba, de onde sai a maioria das alfaces e demais vegetais folhosos consumidos pelos paulistas, tiveram suas bombas de água lacradas pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). O órgão, que gere os recursos hídricos do estado de São Paulo, decidiu fazer uma ofensiva e vedar os equipamentos que estão captando irregularmente água do Rio Tietê para ser usada na lavoura. Os agricultores se revoltaram e fizeram vários protestos na região. No ano passado, a estiagem já afetou profundamente a produção de café. Os frutos ficaram menores em decorrência da má-formação das sementes. Nos principais cinturões cafeeiros de São Paulo, lavouras perderam quase todos os seus frutos por causa do recebimento insuficiente de água. Outro setor já bastante afetado é o da cana, mais importante commodity paulista. Depois da pausa no trabalho de usinas, o segmento deve puxar para baixo o valor da produção agrícola do estado.

Pensando no pior cenário, o governo paulista e os prefeitos da Grande São Paulo montaram um comitê e elaboraram um plano de contingência. Um mapeamento detalhado pretende indicar as operações da rede de água para garantir que escolas, hospitais, bombeiros e delegacias não passem por racionamento. Em caso de rodízio, a Sabesp usará ligações diretas entre a adutora de água mais próxima e a tubulação desses estabelecimentos. Isso garante, por exemplo, que um hospital seja abastecido mesmo que todo o quarteirão fique sem água.

O comitê fornece informações aos prefeitos das 39 cidades da Grande São Paulo sobre decisões a serem implantadas pelo governo, como as medidas restritivas do abastecimento, além de promover debates sobre os planos de contingência e campanhas educativas para o uso racional da água.

Mas, apesar de trabalhar – tardiamente – com o cenário negativo, o governo paulista exibe sinais de otimismo. Com obras em curso, Alckmin e seus auxiliares esperam não ter de decretar o rodízio em 2015. “A minha percepção é a de que não será necessário fazer rodízio, levando em consideração a atual situação, a quantidade de água em estoque, os cenários pessimistas de quanta água chegará aos vários sistemas produtores, o cronograma de obras”, disse o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, no fim de fevereiro. Mas não dá para se animar, já que ele próprio fez questão de amenizar suas declarações: “Não estou afirmando que não terá rodízio, pois o cronograma pode atrasar e o cenário pode ser pior do que estou imaginando”.

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Futuro Incerto

Cenários e soluções para enfrentar o “deserto”

Billings

Em um cenário extremo, a água da Represa Billings, que hoje não é tratada, poderia ser jogada na rede de abastecimento. Serviria, ao menos, para dar descarga.

Dessalinização

O projeto, que está sendo analisado pelo governo, sugere a construção de uma usina de dessalinização (orçada em R$ 795 milhões), juntamente à infraestrutura responsável por levar a água do litoral até a região metropolitana, 700 metros acima do nível do mar (R$ 403 milhões). A instalação da usina no litoral seria capaz de produzir mais 250 mil m3/dia.

Flotação

Outra ideia é tratar a água do superpoluído Rio Pinheiros usando o método de flotação: injeção de substância coagulante nas águas para aglutinar resíduos, que então são mais facilmente removidos. Depois desse processo, a água seria transferida para a Represa Billings.

Transposição

Com esse método, dutos são utilizados para transpor a água de um sistema para outro. Para o sistema Alto Tietê, que abastece 4,5 milhões de pessoas, em especial na zona leste, está prevista a construção de dutos desde o sistema Rio Grande, que abastece o Grande ABC. O Alto Tietê, que tem maior capacidade de tratamento, poderia receber a água do Rio Grande, que hoje tem o maior volume de São Paulo.

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Dor no Bolso

Sistema de ônus e bônus reduziu o consumo

Desde março de 2013 não entrava tanta água no Sistema Cantareira quanto o que foi registrado em fevereiro. As diversas ações do governo, como as campanhas de conscientização e aplicação de multa para quem gastar mais água, levaram a uma redução de 56% da utilização da água do Cantareira. O programa de ônus e bônus se mostrou bem-sucedido. Um documento da Sabesp obtido pela Rolling Stone Brasil mostra que, em fevereiro, 71% dos usuários reduziram o consumo (em relação a janeiro) e receberam bônus na conta de água; 10% reduziram o consumo sem receber o bônus. Em janeiro, 61% dos usuários haviam reduzido o consumo e recebido bônus, enquanto 13% reduziram sem recebê-lo; 22% aumentaram o consumo, sendo multados. A multa começou a valer em fevereiro. Para se ter uma ideia, em maio do ano passado, 45% da população aumentou o consumo, apesar do agravamento da crise.