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Dez anos sem Johnny Cash

Parte pregador rural, parte Robin Hood, o astro country foi um dos poucos artistas da década de 50 que conseguiu manter a popularidade no fim da vida

Paulo Cavalcanti Publicado em 12/09/2013, às 08h03 - Atualizado às 09h35

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Johnny Cash - John Duricka/AP
Johnny Cash - John Duricka/AP

Os artistas surgidos nos anos 50 geralmente são vistos como relíquias dos tempos dourados, lembranças de uma época mais ingênua – meros artefatos da indústria da nostalgia musical. Poucos nomes daquela década mantiveram a relevância nos últimos anos de vida. Johnny Cash foi um deles. Na verdade, quando morreu, em 12 de setembro de 2003, Cash mantinha um nível de popularidade até maior do que em décadas anteriores. E quem o idolatrava nos anos 90 e 2000 não era o fã contemporâneo ou interessado por música country. Era um público jovem, fascinado pela vida e pela obra extraordinária do cantor.

Conheça cinco discos essenciais de Johnny Cash.

Parte pregador rural, parte Robin Hood, Johnny Cash era um profeta da classe trabalhadora que, ao se trajar de preto, contrastava com as pedrarias cintilantes usadas pelos outros astros da música country. Com a voz grave e sombria e o rosto marcado pelas linhas do tempo, ele falava a verdade aos poderosos. John R. "Johnny" Cash, nascido no dia 26 de fevereiro de 1932 em Dyess, Arkansas, era o quarto filho de uma família de sete irmãos. A infância foi pobre: naqueles tempos da Grande Depressão, a família Cash vivia basicamente da colheita de algodão. O rádio, onde ele ouvia folk, country e blues, era a maior diversão do jovem Cash.

Depois de uma temporada na Alemanha, onde serviu na Força Aérea, o rapaz, que aspirava uma carreira na música, se mudou para Memphis em 1954, local onde tudo estava acontecendo, ponto focal onde aconteceu o big bang do rock and roll. Sam Phillips, dono da Sun Records, rejeitou a ambição inicial de Cash, que queria gravar gospel, e pediu para ele criar algo original. Ao lado do guitarrista Luther Perkins e do baixista Marshall Grant, Cash cunhou seu som característico, básico e hipnotizante, que parecia um trem em movimento. O cantor, então, foi lançado em meio à explosão do rockabilly.

Dez canções que definem a essência de Johnny Cash.

Apesar do sucesso comercial que teve na Sun, Cash não fazia parte dos garotões bonitões e anfetaminados que iam na cola de Elvis Presley. Mas o fato de ele ser um bom vendedor de discos fez com que a poderosa Columbia Records se interessasse pelo seu passe. Na nova gravadora, para onde foi em 1959, ele pôde se dedicar a todas vertentes da música country, gravando sagas sobre os nativos norte-americanos e reinterpretando canções milenares do folclore de seu país. Na Columbia, Cash virou um superastro.

Ao vivo, o cantor tinha em sua banda o lendário guitarrista Carl Perkins e o apoio vocal da Carter Family e dos Statler Brothers. Ele também ajudou novatos como Bob Dylan. Mas a primeira metade dos anos 60 foi traumática na parte pessoal. Cash, que trocou Memphis pela Califórnia, era um verdadeiro encrenqueiro. Dava canos em shows e se viciou em remédios controlados. Teve inúmeros problemas com a Justiça, o que cimentou a imagem de fora da lei: foi preso várias vezes por todo tipo de infração, embora nunca tenha cumprido sentença. No dia 4 de outubro de 1965, quase foi enquadrado como traficante. Ao voltar do México, foi pego em El Paso, Texas, com uma quantidade gigantesca de anfetaminas escondidas no estojo do violão.

Amigos como Bob Dylan e Bono relembram Johnny Cash.

A vida e a carreira de Cash quase foram destruídas, algo que não aconteceu graças à presença da amiga June Carter, uma das integrantes da Carter Family, que ele conhecia desde a metade dos anos 50. Com June ao seu lado, aos poucos Cash se recuperou. Ele se divorciou da esposa Vivian Liberto, mudou-se para Nashville e finalmente casou com June em 1968. Com a vida renovada, voltou a ser uma força vital no mundo da música country. No final da década de 60, até ganhou um programa de TV na rede ABC, e o grande sucesso dos álbuns gravados nas prisões de Folson e San Quentin concretizou a imagem de um cara que estava sempre ao lado dos oprimidos e desprivilegiados.

Johnny Cash seguiu como um nome de peso na década de 70, se tornando ponta de lança do movimento “outlaw”, formado por artistas country rebeldes que não seguiam as regras estabelecidas. Naquele período, ele havia se tornado um cristão renascido e estudioso da Bíblia, participando de maratonas gospel ao lado do pastor Billy Graham. Lançou a primeira parte de sua autobiografia, chamada Man in Black, que foi um grande sucesso. Em 1980, fez parte do Highwaymen, um supergrupo country que também tinha em sua formação Willie Nelson, Kris Kristofferson e Waylon Jennings.

Mas, aos poucos, a luz do cantor foi se apagando. Suplantado por uma nova geração de cantores country, todos mais jovens, Johnny Cash foi oficialmente dispensado da Columbia em 1986. Antes de sair, porém, gravou a avacalhada “Chicken in Black” como uma espécie de “foda-se” para a companhia.

Na época, o astro ainda se apresentava ao vivo, mas aparentemente ninguém queria ouvir nada novo dele. O primeiro passo para a redescoberta aconteceu em 1993, quando cantou "The Wanderer" no álbum Zooropa, do U2. Foi aí que entrou em cena o produtor Rick Rubin, mais conhecido por trabalhos com artistas como Red Hot Chili Peppers e Beastie Boys. Rubin foi até um show de Cash em Los Angeles e disse que tinha intenção de contratá-lo para seu selo, o American Recordings. O veterano ficou descrente: disse que não queria gravar com nenhuma banda de rock o acompanhando. Rubin explicou que a ideia não era aquela. Ele queria gravar apenas Cash e o violão, sem trucagens de estúdio ou convidados famosos. Assim foi feito. American Recordings, lançado em1994, colocou o artista de novo nos holofotes. Unchained (1996) foi também muito bem recebido.

Infelizmente, Johnny Cash não pôde desfrutar totalmente da popularidade renovada. Ao passo em que o sucesso voltava a crescer, a saúde dele declinava. Em 1997, várias doenças degenerativas e o diabetes forçaram Cash a parar de fazer shows, embora ele continuasse a trabalhar em estúdio ao lado de Rubin. Também escreveu Cash, a segunda parte de sua autobiografia. Com o passar dos anos, ele só conseguia gravar em casa, já que seus movimentos se tornaram limitados.

Em 15 de maio de 2003, June Carter morreu, aos 73 anos. Cash seguiu trabalhando e gravou cerca de 60 canções antes de falecer. Devido ao impacto do vídeo de “Hurt”, Johnny Cash foi homenageado no MTV Awards de junho de 2003, mas a saúde não permitiu que ele comparecesse. Sua última aparição pública foi no dia 5 de julho daquele ano, em um evento que homenageava a Carter Family. A saúde do cantor piorou de forma irreversível. Ele foi hospitalizado no Baptist Hospital em Nashville, e morreu no dia 12 de setembro de 2003, depois de complicações causadas pelo diabetes e outras doenças. O enterro aconteceu no dia 15, no mesmo local onde estava sepultado o corpo de June, no Hendersonville Memory Gardens, em Hendersonville, Tennessee.

Tributos e homenagens se tornaram constantes. Em 2005, o filme Johnny e June, estrelado por Joaquin Phoenix e Reese Whiterspoon, dramatizando a vida do cantor (especialmente o relacionamento com June Carter), foi um grande e inesperado sucesso. As faixas que Cash gravou com Rubin antes de morrer foram sendo lançadas com o passar do tempo, e em maio deste ano foi inaugurado no centro de Nashville um museu que celebra a trajetória e a obra do cantor. Johnny Cash se tornou maior que a vida.