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Gloria Pires interpreta médica que revolucionou o tratamento de pacientes psiquiátricos em Nise – O Coração da Loucura

"As filmagens foram muito intensas", diz a atriz, que conta que em uma delas "mal começava a falar o texto e caía no choro. Minha pressão subiu muito, mas depois de algumas tentativas deu certo"

Bruna Rodrigues Publicado em 20/04/2016, às 17h48 - Atualizado às 19h22

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Gloria vive Nise da Silveira. - Divulgação
Gloria vive Nise da Silveira. - Divulgação

“A loucura está profundamente ligada ao desamor, portanto é preciso amor para salvar alguém da loucura.” A frase é da psiquiatra alagoana Nise da Silveira, cuja brilhante trajetória é tema da cinebiografia Nise – O Coração da Loucura, com estreia prevista para esta quinta, 21, após uma bem-sucedida passagem por festivais internacionais. Nise, uma das personagens mais fascinantes da medicina brasileira, dedicou a vida aos psiquicamente instáveis em uma época (anos 1930) em que os tratamentos utilizados costumavam envolver técnicas bárbaras, como a lobotomia e a eletroconvulsoterapia. O método da médica, que defendeu a cura pela arte e pelo contato dos pacientes com animais, teve como fruto estudos que mudaram os rumos da psiquiatria no Brasil e no mundo.

Quem a interpreta é a atriz Gloria Pires. “Nise era uma intelectual guiada pelo afeto. A humanidade dela esteve sempre em primeiro plano sem que isso a transformasse em paternalista ou melosa”, reflete a atriz.

Para chegar ao resultado desejado, Roberto Berliner, diretor do longa, convocou o elenco para uma experiência praticamente documental. Os atores passaram dois meses em contato com pacientes e frequentando as dependências do Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, onde Nise trabalhou e desenvolveu a maior parte da pesquisa dele. “Nos aproximamos de médicos, pacientes e das condições dos que ali viveram há mais de 70 anos”, conta Gloria, que, para se preparar para o papel, leu parte da obra de Nise e autores como o filósofo Spinoza e o psiquiatra Paul Eugen Bleuler, que muito contribuiu para o desenvolvimento de tratamentos para a esquizofrenia.

O elenco ainda conta com Roberta Rodrigues, Fernando Eiras e Fabrício Boliveira, que interpreta Fernando Diniz, um dos internos que frequentou o ateliê de pintura de Nise e viu suas obras ganharem relevância internacional.

Leia mais respostas de Gloria Pires.

Nesses dois meses de preparação, você conviveu com pacientes e médicos no Engenho de Dentro. Algum paciente ou médico te marcou mais?

O Bruno, um “cliente” de 19 anos [Nise se recusava a usar o termo paciente], ficou curioso com aquela movimentação atípica no hospital por causa de nossa equipe. Alto e muito forte, ele sempre rondava o set querendo, de alguma forma, participar. O administrador do hospital pediu à produção que disponibilizasse um rádio com fone e deu a seguinte ordem: “Bruno, você é o segurança da Glória. Não deixa ninguém chegar no set nem falar alto. Só quando a Gloria Pires for almoçar é que você pode ir”. Assim foi durante toda a filmagem.

Você comentou em uma entrevista que o processo de criação do personagem te fascina. O que você acessou para compor a Nise, que sofreu com o machismo dentro dos hospitais psiquiátricos e os momentos de raiva por não ver seu trabalho reconhecido?

Quando abri o livro [da Nise] Imagens do Inconsciente, pensei: “Meus Deus, permita que haja tempo de absorver tantos assuntos!” Afinal, temas como cristianismo, mitologia e filosofia estão presentes nos textos. Pessoalmente não enfrentei questões sobre feminismo com meus pais e nem depois, com meu marido. Mas passei por muitas frustrações na minha vida profissional. Tenho ideia do que Nise deve ter sentido tendo que "esmurrar" todas as portas que se fecharam para ela durante sua trajetória.

Outro importante material foi a biografia Nise – Arqueóloga dos Mares, do jornalista e escritor Bernardo Caneiro Horta. O que o livro trouxe de elementos inéditos?

Só conhecia a doutora Nise dos jornais, dos artigos que falavam de seu amor pelos gatos e de seu método humanista por meio da arte. Já o seu senso de humor e suas tiradas geniais eu conheci através da biografia feita pelo Bernardo. Além disso, assisti a muitos depoimentos dela. O Roberto [Berliner, o diretor] optou por não usar o sotaque nordestino, mas procurei manter o ritmo de sua fala e a sua dicção clara ao expressar seu pensamento.

O filme é marcado por cenas emocionantes. Qual cena foi a mais desafiadora?

As filmagens foram muito intensas. A cena dos cães [rodada com mais de dez animais em cena] foi uma das mais difíceis para mim. Mal começava a falar o texto e caía no choro. Minha pressão subiu muito, mas depois de algumas tentativas deu certo.

O que você leva de Nise para você após o projeto?

As filmagens aconteceram em um curto espaço de tempo, o que deu uma forte sensação de travessura profícua, algo marcante da personalidade Nise da Silveira. Levo comigo sua crença no afeto como regenerador de tudo.