Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

Maior mobilização no país desde 1992 mostra que é possível ocupar as ruas em paz e com um espírito puramente libertário

Mauricio Monteiro Filho Publicado em 18/06/2013, às 16h45 - Atualizado às 18h50

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Manifestantes reunidos em São Paulo - Nelson Antoine/AP
Manifestantes reunidos em São Paulo - Nelson Antoine/AP

Parece que muitos anos separam a quinta-feira, 6 de junho de 2013, quando tudo começou, de hoje, 18 de junho.

Depois do primeiro ato contra o aumento da tarifa do ônibus em São Paulo, as manchetes repercutiam números modestos – cerca de 2000 pessoas – parando a avenida Paulista. O negrito destacava o vandalismo, as balas de borracha, algumas detenções, feridos.

Àquela altura, os protestos eram atribuídos apenas à ação do Movimento Passe Livre, que reivindica o transporte público como direito fundamental do cidadão brasileiro, como a saúde e a educação.

Se fosse “só” pelos 20 centavos, já seria difícil tirar a razão dos protestos. Milhões de brasileiros têm dificuldade de arcar com os custos de sua própria locomoção. De acordo com o IBGE, o transporte é o terceiro maior gasto das famílias.

Mas a causa se ampliou na velocidade do fluxo de dados. Enquanto os órgãos de Estado seguiam seu ritmo paquidérmico usual, sem abrir espaço ao diálogo, desqualificando as reivindicações por conta de focos isolados de descontrole, a mobilização digital, nos moldes da Primavera Árabe, aglutinou os descontentes dos mais variados matizes em torno da causa mais difusa: um mundo melhor, um país melhor. Uma vida melhor. Simples assim.

Desde então, mesmo com a cansativa subestimação de números por parte dos institutos de pesquisa e órgãos oficiais, as cifras de manifestantes nas ruas escalaram. Os atos se espalharam por mais e mais cidades.

Seguiram-se mais dois protestos, nos dias 7 e 10 de junho. O tom da imprensa subia contra os que tomavam as ruas, sempre dedicando atenção especial às ocorrências de violência e vandalismo e aos transtornos causados. Os engarrafamentos, que aumentam todos os dias, passaram a ter um novo responsável.

A quinta-feira, 13 de junho, amanheceu com os jornais conclamando as forças do Estado a endurecerem a repressão e tomarem as ruas de volta. Parecem não ter compreendido que o movimento estava sendo alimentado justamente pela sensação de ter atingido alguma engrenagem sensível da máquina.

O saldo do quarto ato foi a maior violência registrada até então: 130 detidos e 105 feridos. Entre eles, trabalhadores que apenas passavam pela região e jornalistas que cobriam os protestos. O vinagre, que, quando inalado, atenua os efeitos do gás lacrimogêneo, foi eleito vilão e chegou a motivar a prisão de quem o portasse.

Foi a virada da opinião pública. Subitamente, percebeu-se que o vandalismo era de poucos e recebia críticas da esmagadora maioria dos manifestantes. Foi a vez da brutalidade policial vir para os holofotes. E o Estado se viu obrigado a abrir uma fresta de conversa com o movimento.

Sob promessas de não fazer uso de balas de borracha e nem de reprimir os protestos pacíficos, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo tentou apenas entrar em acordo sobre o trajeto do quinto ato, convocado para as 17h desta segunda-feira, 17.

Mas não se tratava mais de entrar em acordo com um movimento em uma grande cidade brasileira. Segundo as novamente questionáveis contas oficiais, 250 mil pessoas foram às ruas de norte a sul do país. O que começou com a recusa a um aumento de vinte centavos nas tarifas de ônibus em uma cidade virou uma onda nacional de protestos generalizados contra TUDO, como disse o jornal Folha de S. Paulo em sua manchete de hoje.

E mais, na maior mobilização do tipo no país desde 1992, a população mostrou que, salvo ações isoladas de violência, como a que acabou por invadir a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e escancarar os portões do Palácio dos Bandeirantes em São Paulo, é possível ocupar as ruas em paz e com um espírito puramente libertário.

Graças a esse espírito, nenhum partido político tradicional conseguiu se colocar à frente da população. Os megafones foram substituídos pela voz da multidão, que, em coro, propagava os próximos passos do ato. Se a ausência de um controle central deixou os manifestantes de São Paulo meio sem rumo, foi apenas para que os gritos de “Vem pra rua” e a irreverência ativista de faixas como “Não existe Jabor em SP” pudessem ecoar em mais locais. Como na Ponte Estaiada, cujo acesso é vedado a pedestres, bicicletas e skates e, ontem, foi só dos pedestres, bicicletas e skates.

Antes de o Ato 5 – que seja lembrado como Ato Constitucional Número 5, para fazer sombra à maior das sombras da democracia brasileira, o AI 5 – dispersar, mais uma vez, na névoa do gás lacrimogêneo, a massa libertária, horizontal, apartidária, pacífica, ativista, já tinha vencido.

É um equívoco pensar que, como o coro gritava ontem, “o povo acordou”. O povo está acordado. Faz tempo. Raramente consegue dormir. Talvez o maior legado dessa Primavera Brasileira nascente seja ver a classe média urbana percebendo que é parte desse povo, que já está há décadas nas estradas, nas fazendas, nas reservas, nos canteiros de obras de projetos de hidrelétricas demolidores, nos quilombos.

E, se os revoltosos da classe média, como classificou Arnaldo Jabor, em sua crônica no Jornal da Globo (posteriormente, na rádio CBN, mudou o tom do discurso), não valem 20 centavos, o que dizer dos acomodados de qualquer classe?

Seja contra o aumento, seja pela liberdade, vem pra rua. Onde houver gás, haverá vinagre.