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“Não me considero louco, mas minha vida é engraçada”, diz Ney Matogrosso

Intérprete abre turnê com repertório dedicado a novos compositores, como Criolo, com quem ele cantou em outubro de 2012: “Ele começou a me xingar e fui ficando excitado”

Pedro Antunes Publicado em 05/03/2013, às 20h31 - Atualizado em 23/10/2013, às 11h08

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Ney Matogrosso - Divulgação / Marcelo Faustini
Ney Matogrosso - Divulgação / Marcelo Faustini

Quando canta daquele jeito só dele os versos de rebeldia e liberdade de “Vida Louca Vida”, escritos por Lobão e eternizados por Cazuza, Ney Matogrosso optou por projetar imagens da própria história nas quatro telas de LED que estarão montadas no fundo do palco da turnê Atento Aos Sinais, que estreia oficialmente em São Paulo, nesta sexta, 8, e terá o patrocínio do edital Natura Musical. Ainda que ele evite qualquer papo de retrospectiva, nostalgia e saudade, sua história é revista ali. “Não que eu seja louco! Não me considero louco, mas a minha vida...”, Ney faz uma pausa breve (e dramática) e sorri de uma ponta a outra. “Minha vida é engraçada”, completa.

Ney Matogrosso foi eleito o dono da terceira maior voz da história da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Veja a lista completa aqui.

Ney completou 70 anos em 2012 e, neste ano, chega ao aniversário de quatro décadas desde o início da sua carreira artística, com Secos e Molhados, primeiro disco da banda, homônimo, com a qual o intérprete deu os primeiros passos e cantos como profissional. “Não é nada comemorativo”, avisa ele. “Vi isso escrito em alguns lugares, algo como ‘um show para comemorar os 40 anos de carreira’. É por acaso, já que comecei em 1973, mas, dentro de mim, isso não é uma comemoração. É um passo adiante, mais um passo. Estou seguindo a minha vida.”

Adepto de figurinos extravagantes no palco, com corpo à mostra, Ney se apresenta vestindo-se de forma comportada e comedida em entrevista coletiva realizada na tarde desta terça, 5, com jaqueta e camiseta de cor preta e jeans básico. Na turnê, contudo, ele volta a usar o visual ousado que tanto gosta e que foi deixado de lado na última turnê, Beijo Bandido, que acompanhou os discos de estúdio e ao vivo, lançados em 2009 e 2011, respetivamente.

Do passado, Ney lembra com carinho, mas só. “Secos e Molhados é meu passado”, diz ele, depois de mais um questionamento sobre um possível retorno da banda. “Isso aqui [turnê e disco] é meu presente e meu futuro imediato.”

O intérprete funciona sem cabrestos, não se prende olhando para trás ou para frente: venera o passado, claro, mas segue um passo por vez, em direção ao desconhecido. No show, cuja pré-estreia foi em Juiz de Fora, Minas Gerais, no sábado passado, 28, por exemplo, ele executou uma canção dos Secos, “Amor”, do álbum de estreia, mas também exibiu um repertório baseado em novos compositores ou, como é o caso do gaúcho Vítor Ramil e Itamar Assumpção, conhecidos em nichos, mas não para o grande público em geral. Nesta levada, ele pediu emprestadas músicas para Pedro Luís (“Incêndio”), Dani Black (“Oração”), Criolo (“Freguês da Meia-noite”), banda Tono (“Não Consigo” e “Samba do Blackberry”), Vítor Pirralho (“Tupifusão”) e Dan Nakagawa (“Todo Mundo o Tempo Todo”).

“Eu recebo muita coisa”, explica o antenado Ney, que não vê essa aproximação com compositores famosos em seus nichos como uma tentativa para abraçar um público ainda maior – e mais jovem, em muitos casos. “Isso começou quando eu gravei Cartola [no disco Ney Matogrosso Interpreta Cartola, de 2002, que virou álbuns de estúdio e ao vivo], porque havia esse novo interesse pelo samba”, completa. “Mas esses público jovem tem muito interesse pelos Secos e Molhados e eu sou aquele camarada lá. Eles se aproximam curiosos. Achei engraçado que eles não me estranharam”, disse.

Criolo & Ney Matogrosso

Ney conta que muitas dessas canções já foram interpretadas por ele com outros artistas, como é o caso de “Freguês da Meia-noite”, composição de Criolo para o elogiado disco dele Nó na Orelha. Na apresentação, realizada Vivo Rio, em outubro do ano passado, Ney canta a segunda metade do bolero, cuja temática não é sexual, mas, sim, uma narrativa sobre um viciado que, em uma noite fria, decide não comprar drogas. Lá pelo fim da música, Ney fazia graças vocais e "ele [Criolo] começou a me xingar: ‘Cachorro! Sujo! Safado!’ Eu fui ficando excitado!”, contou o cantor, entre gargalhadas – dele e dos presentes. “Eu vou querer saber se ele quer repetir isso no estúdio.”

O plano de Ney é seguir com a turnê pelo país, em um trabalho de maturação do repertório, para então ir para o estúdio e gravar o álbum Atento Aos Sinais. “É um exercício. Vou para o estúdio gravar um momento, porque a história vai continuar evoluindo. E vai, vai e vai...”.

Os shows patrocinados pelo edital serão em seis capitais – São Paulo (8 de março, HSBC Brasil), Porto Alegre (15 de março, Oi Apresenta Araújo Viana), Brasília (30 de março, Centro de Convenções Ulisses Guimarães ), Rio de Janeiro (3 de maio, no Vivo Rio), Salvador (31 de maio, Teatro Castro Alves) e Belo Horizonte (10 de maio, Palácio das Artes) -, mas isso não impede o cantor de se apresentar mais vezes pela cidade.

Em São Paulo, por exemplo, ele toca ainda mais duas vezes, no sábado, 9, e domingo, 10. A diferença, efetivamente, é só mesmo no preço dos ingressos: por integrarem o edital, as apresentações citadas acima terão ingressos a preços mais populares. No show de sexta, todos os lugares custam R$ 80, enquanto nas outras duas apresentações, eles podem chegar até R$ 260 (entrada inteira), para o setor VIP. Ney justifica a diferença como sendo “custo da produção”. “Os outros shows são por minha conta e minha equipe cresceu”, conta.

Ney é meticuloso ao extremo. “Eu sou atento aos sinais”, diz ele, relembrando que o título da turnê vem da canção “Oração”, de Dani Black. “Eu presto atenção, vejo tudo. Estou vendo ele aqui do meu lado, enquanto olho para você, presto atenção nos seus gestos, nos seus olhos. Eu sou assim”, diz. Para fazer o show com a estrutura de luzes e cenografia que ele planeja, seu time de produtores subiu de 16 para 26. “Quero fazer uma luz bem rock and roll”, garante ele, cujo primeiro trabalho, quando chegou ao Rio de Janeiro, vindo de Mato Grosso do Sul, foi justamente como iluminador, na Sala Cecília Meireles. “Iluminei os novos compositores, que na época eram Caetano Veloso e Paulinho da Vila”, relembra.

Desta vez, a iluminação nestes novos compositores é metafórica, é verdade, mas funciona como se Ney ainda fosse aquele garoto escondido no alto do palco carioca, controlando um canhão de luz. E, em dado momento, ele até se permite uma certa nostalgia. “Os anos 70 foram deliciosos”, diz. “Por que? Porque tudo era libertado: sexo, drogas e rock and roll. Não existia uma doença no mundo, existia uma ditadura e nós éramos livres. Desfrutávamos a liberdade individual, ignorando tudo.” Ney não dá mais detalhes. Não precisa. Está explicado o motivo de ele escolher projetar imagens suas durante a interpretação de “Vida Louca Vida”. E, mais ainda, o largo sorriso exibido por ele enquanto falava sobre a canção: “Vivo a minha vida com liberdade até hoje”.