Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

Nirvana: os bastidores e detalhes da reunião

“Nós encaramos aquela noite como se ela pudesse nunca mais acontecer”, disse Dave Grohl sobre o encontro no Hall da Fama do Rock and Roll

Andy Greene Publicado em 18/04/2014, às 18h01 - Atualizado às 19h18

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Nirvana - Dave Grohl e St. Vincent (Annie Clark) - Charles Sykes / AP
Nirvana - Dave Grohl e St. Vincent (Annie Clark) - Charles Sykes / AP

A ideia de ingressar no Hall da Fama do Rock and Roll pelo trabalho realizado no Nirvana mal havia passado pela cabeça de Dave Grohl quando ele deixou o palco da cerimônia do ano passado, em Los Angeles, depois de anunciar a entrada do Rush e ter tocado com eles em uma versão de “2112”. “Eu fiz uma entrevista rápida e alguém disse: ‘Está animado por ser elegível no ano que vem?’”, diz Grohl. “Eu simplesmente não tinha feito as contas. E então aquilo me pegou. Mas eu não poderia imaginar que entraríamos no nosso primeiro ano como elegíveis.”

Os Últimos Dias de Kurt Cobain.

Artistas e bandas podem entrar no Hall da Fama 25 anos depois de lançarem o primeiro disco ou single. E o primeiro lançamento do Nirvana, uma cover de “Love Buzz”, do Shocking Blue, chegou às prateleiras nas últimas semanas de 1988. “Eu descobri que estávamos disputando na mesma época que fomos indicados ao Grammy [por “Cut Me Some Slack” colaboração com Paul McCartney]”, diz Krist Novoselic, baixista do Nirvana. “Eu só fiquei: ‘wow!’ Mas era um sentimento agridoce porque a cerimônia estava agendada justamente na semana marcada pelos 20 anos da morte de Kurt. Fiquei angustiado com isso, mas então pensei: ‘Bom, por que não fazemos um grande tributo a ele?”

A maioria dos grupos que entram no Hall da Fama fazem uma performance, mas os integrantes do grupo não tocavam uma música do Nirvana em público desde a morte de Cobain. “Nós não falamos sobre nos apresentar até oito semanas atrás”, disse Grohl. “Parecia praticamente impossível. Era muito difícil de imaginar nós subindo ao palco para tocar aquelas músicas. Precisa de um pouco de preparação musical e muita preparação emocional."

In Utero, último disco do Nirvana, nasceu no Brasil.

Uma vez decidido que iriam tentar, o óbvio problema seguinte era encontrar os cantores convidados. “Tinha o problema de achar pessoas que respeitávamos e que dividiam a mesma estética que o Nirvana”, diz Grohl. “Seja musical ou outra forma.” O grupo chegou a uma lista de vocalistas de rock de primeiro nível, mas nenhum quis aceitar o desafio. “Alguns deles ficaram apreensivos”, diz Grohl. “Acho que alguns deles ficaram mais preocupados em quão pesada era a coisa toda.”

A primeira pessoa que aceitou foi Joan Jett. “Ela aceitou como se fosse uma escolha dela”, diz o baterista. “Ela realmente ficou animada e me mandou vários e-mails. Aprendeu todas as músicas de Nevermind. Ela é tudo o que o Nirvana defendeu. Ela é poderosa, rebelde, uma força musical da natureza. Não conseguiríamos pensar em ninguém melhor para se juntar a nós.”

Depois que Joan embarcou na ideia, eles chegaram a PJ Harvey. “Kurt amava PJ Harvey”, diz Grohl. “Nós sempre imaginamos tocar ‘Milk It’, do In Utero, com ela. É uma canção quase parecida com algo que estaria no disco dela Rid of Me, também produzido pelo Steve Albini. Parecia se alinhar muito bem. Infelizmente, ela não pode ir.”

Mas a conversa deu a Grohl uma ideia incrível. “Pensamos: ‘Espere aí, e se todas fossem mulheres?’”, diz ele. “Nem pergunte a mais ninguém. Se nós conseguirmos preencher a performance do Hall da Fama com essas mulheres incríveis cantando músicas do Nirvana, então teremos cumprido a nossa própria revolução’. Isso também acrescentou uma nova dimensão para a apresentação. Deu substância e profundidade, para que não se tornasse uma louvação ao passado. Era mais sobre o futuro.”

As coisas seguiram rapidamente a partir disso. “Dave começou a selecionar nomes”, diz Novoselic. “Ele falava: ‘Nós deveríamos chamar a Kim Gordon! Então alguém que estava em ascensão... Annie Clark, do St. Vincent!’ Eu não sabia quem ela era, mas agora sou o maior fã. Então, chamamos a Lorde.”

20 anos atrás, um Kurt Cobain rouco e introspectivo comandava o último show do Nirvana.

A meta era apresentar as cantoras convidadas em ordem cronológica. “Joan Jett, que formou o Runaways e mudou o rock and roll para as mulheres”, explica Grohl. “Kim Gordon, do Sonic Youth, que foi luz no escuridão de uma cena de punk undergound predominantemente machista. St. Vincent, que é esta artista que atravessa as barreiras. E Lorde tem um futuro incrível pela frente, uma compositora, performer e vocalista.”

O grupo se juntou ao antigo guitarrista de turnê (e atual integrante do Foo Fighteres) Pat Smear no espaço de ensaio da marca de guitarras Gibson, na cidade de Nova York, alguns dias antes da cerimônia de indução. “Nós dissemos ‘oi’ para todo mundo e começamos a tocar ‘Lithium’”, conta Novoselic. “Peguei um livro de tablaturas do Nirvana para reaprender as minhas partes, mas não queríamos ir rápido no começo. Então as coisas começaram a fluir e ficamos cada vez melhores. E então isso me atingiu e eu fiquei melancólico. ‘Meu Deus, estou tocando essas músicas de novo’.”

Foi igualmente intenso para Grohl. “A primeira vez que tocamos juntos foi como ver um fantasma”, disse ele. “A segunda vez foi um pouco mais tranquila. E a última foi como aquela merda de cena da Demi Moore e do Patrick Swayze fazendo cerâmica em Ghost. Normalmente nós chegávamos no ponto na terceira vez. Começou a soar como o Nirvana. Nossa equipe e alguns amigos estavam na sala quando tocamos ‘Scentless Apprentice’ pela primeira vez. E eles ficaram com os queixos caídos.”

Estátua e dia dedicado a Kurt Cobain na cidade natal dele já são o fiasco do ano?

“Eu não tocava com a banda em 20 anos”, continua o baterista. “Ouvir como soamos quando tocamos ‘Scentless Apprentice’ legitimou tudo para mim. Tinha quase esquecido como era estar em uma sala repleta de Nirvana. O primeiro dia realmente legitimou tudo. Era como: ‘Isso está certo! Nós soamos assim, e é por isso que as pessoas prestaram atenção na gente. E não era um livro, um filme ou um programa de TV mostrando isso. Era o som dentro daquele lugar, fazendo as pessoas pensarem: ‘Que porra é essa?’ Foi muito foda. Nós começamos com Krist e Pat. Fui acertando as coisas. Então, vieram Kim e Joan.”

As coisas ficaram melhores quando Novoselic percebeu que havia um barril cheio de cerveja para o grupo. “Aquela cerveja era tão boa”, diz ele. “Nós realmente fomos nos soltando depois de algumas horas, como uma máquina azeitada.”

Os ensaios duraram dois dias bem longos. “Não tocava esses trechos de bateria desde que tinha 25 anos”, brinca Grohl. “Tenho 45 agora. Nós tocamos 10 horas por dia. Depois da primeira noite de ensaio, eu fui pra casa mancando, tomei duas taças de vinho, três comprimidos de Advil, tomei um banho quente e dormi por 10 horas seguidas. Era como um coma para mim, porque eu nunca durmo.”

Em um momento durante os ensaios, o grupo teve a ideia de tocar em algum lugar de surpresa no Brooklyn depois da cerimônia. “Dave ficou tão animado com a música”, diz Novoselic. “Nós quase precisamos acalmá-lo. Ele ficava: ‘Nós deveríamos fazer um show!’ Eu respondia: ‘Vamos fazer depois da cerimônia!’ Ele queria trazer J Mascis, do Dinosaur Jr., e John McCauley, do Deer Tick. Ele é tão fã que tem uma banda de tributo ao Nirvana chamada Deervana.”

Dez shows de despedida que gostaríamos de ter visto, como o do Nirvana.

Não era segredo que Grohl e Courtney Love não mantinham um bom relacionamento ao longo dos últimos 20 anos e a cerimônia de indução marcou a primeira vez que eles estiveram no mesmo lugar em muito tempo. “No começo da noite, eu toquei o ombro dela”, disse Grohl. “Ela virou e eu disse ‘hey’. Ela respondeu: ‘Hey’. Então nos demos um grande abraço. Disse: ‘Como você está?’ E ela respondeu: ‘Bem, e você?’. Eu digo: ‘Tudo bem’. E então, ela fala: ‘Vamos fazer isso. Vamos arrasar esta noite’. E eu disse: ‘Sim’. Foi assim.”

Quando chegou a hora dela fazer o discurso no lugar de Kurt, Courtney abandonou as notas já preparadas e falou rapidamente sobre o fato de que todos no palco formavam uma grande família. Ela deu mais um grande abraço em Grohl. “Ela está certa”, diz ele. “Nós somos uma família, não importa o que aconteça. E nós nos amamos, também não importa o que aconteça. Tudo é muito maior do que um parágrafo ou do que uma foto. É real. Então, foi uma reunião, e estávamos lá por Kurt. Foi uma noite linda. Foi bom.”

Exclusivo: Dave Grohl relembra as caóticas e históricas apresentações do Nirvana no Brasil, há 20 anos; ouça a entrevista.

A apresentação de quatro músicas do grupo, que contou com “Smells Like Teen Spirit”, com Joan Jett, “Aneurysm”, com Kim Gordon, “Lithium”, com St. Vincent, e “All Apologies”, com Lorde, foi claramente o momento mais importante da noite. “Toda a minha apreensão era infundada”, diz Novoselic. “Eu só tentava tocar o meu baixo o mais forte que conseguia.”

Grohl diz que a lembrança da performance para ele ainda é um borrão. “Eu fiz o meu discurso emocionado”, diz ele. “E então corri para o backstage para colocar uma bermuda porque não consigo tocar vestindo calça. Estou lá mexendo no troféu e tentando chegar ao banquinho da bateria. Sabia que todos estavam esperando por mim. Eu não lembro muito daquilo, mas eu lembro de ter espancado aquela bateria. Tudo foi como eu esperava que fosse. Quero dizer, foi mais do que uma apresentação em uma cerimônia de premiação e um troféu. Era algo grande para a gente, pessoal e emocionalmente.”

O plano original era terminar a noite com uma jam de “Highway To Hell”, do AC/DC, mas os integrantes da E Street Band tomaram muito tempo com seus discursos e o toque de recolher da noite começou a soar. “Eles esperavam que o Nirvana aprendesse aquela música”, diz Grohl. “Mas já é difícil o bastante para o Nirvana aprender a porra de uma música do Nirvana”.

Para Novoselic, não ter que tocar “Highway To Hell” depois do set do Nirvana foi um grande alívio. “Eu não queria”, diz ele. “Eu amo AC/DC e amo Bruce Springsteen. Cresci ouvindo eles. Mas nós ficávamos falando: ‘Nós temos o grande final. Nós temos o nosso final!’”

A noite acabou com uma maravilhosa versão de “All Apologies”, com a Lorde, mas para o Nirvana tudo estava apenas começando. Assim que a cerimônia chegou ao fim, eles dirigiram oito quilômetros até o Saint Vitus Bar, no Brooklyn, para uma das mais incríveis after-parties da história da cidade de Nova York. Alguns poucos sortudos que estiveram no bar assistiram ao Nirvana tocando 19 músicas com Joan Jett, J Mascis, St. Vincent, John McCauley e Kim Gordon – Lorde não pôde ir, porque pegou um voo para Califórnia por causa da apresentação no Coachella.

Galeria: Nirvana e Kurt Cobian já foram capa da Rolling Stone Brasil. Relembre aqui as 100 primeiras capas da revista.

O show foi exatamente aquilo que os fãs do Nirvana sempre sonharam, trazendo desde “Smells Like Teen Spirit” a “Very Ape” ou “Moist Vagina”, a faixa de In Utero nunca tocada ao vivo. “Antes de abrirem a área do show, a parte do bar estava tão cheia que você não conseguia pegar uma bebida”, contou John McCauley, do Deer Tick, à Rolling Stone EUA. “Eu não conseguia ir ao banheiro. E o show começou e a área do bar ficou completamente deserta. Todos estavam lá assistindo. Isso foi legal.”

Eles tocaram quase até o amanhecer. “Eu me senti quando se é uma criança e você vai dormir na casa de um amigo. Você se torna parte da família dele naquela noite”, diz McCauley. “Mesmo que eles não tenham sido uma banda em 20 anos, eles pareciam uma banda para mim.”

“Ele era a própria contradição”, diz Charles R. Cross sobre Kurt Cobain.

Câmeras filmaram tudo o tempo tudo, mas o grupo se recusa a revelar o que será feito daquelas imagens. “Eu sequer vi as câmeras”, diz Novoselic. “Eu não sei o que o Dave irá fazer com isso. Mas ele é um cara do cinema. Ele vai pensarem algo e transformar em uma coisa boa.”

Então, aquilo foi algo de uma noite, ou o Nirvana pode ressurgir em algum momento do futuro? “Essa é uma boa pergunta”, diz Novoselic. “Quero dizer, ainda tem o Foo Fighters e Dave tem outros projetos acontecendo. Eu tenho alguns compromissos. Mas nunca se deve dizer nunca. Nós fizemos. Eu não negaria. Talvez, um dia, a gente possa fazer alguma música nova.”

Produtor de Nevermind diz que Foo Fighters já gravou metade do novo disco.

Grohl não tem certeza. “Nós sequer falamos sobre isso”, diz ele. “Nós encaramos aquela noite como se ela pudesse nunca mais acontecer. Foi isso que a deixou tão poderosa, bonita e significativa. E pode nunca acontecer de novo, então aproveitamos o máximo. E foi incrível.”