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O aniversário de 40 anos do primeiro disco do Ramones estampa a capa da edição de março da Rolling Stone Brasil

Redação Publicado em 15/03/2016, às 16h10 - Atualizado em 16/03/2016, às 17h36

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O icônico primeiro álbum. - Reprodução
O icônico primeiro álbum. - Reprodução

Qual a sua música favorita do Ramones? E qual a sua primeira memória ligada à banda? Mesmo quem não é tão ligado ao punk ou rock tem algum caso para contar envolvendo o quarteto. E a história de como o Ramones se formou é cheia de detalhes curiosos que mesmo os fãs podem não conhecer. Mergulhamos fundo na trajetória do grupo na matéria de capa da edição 115 (março/2016) da revista, que traz ainda entrevistas com Chris Martin, do Coldplay, Bob Odenkirk, de Better Call Saul, e Black Sabbath, perfis de Tiago Iorc e Twenty One Pilots, que tocou no Lollapalooza, nossa visita ao set de Batman vs Superman e o Especial Mulher, que tem entrevistas com Jout Jout, Shailene Woodley, Samantha Schmütz, Anna Muylaert, Yoko Ono, Elza Soares, Clarice Falcão, entre outras. Leia abaixo um trecho da matéria de capa e diga nos comentários o que o Ramones significa para você. A revista chega às bancas a partir desta quarta, 16.

Velozes e Furiosos

Com atitude e uma música fulminante, há 40 anos os Ramones acordavam um planeta entorpecido e transformavam o punk em história

Por Paulo Cavalcanti

No universo do rock, alguns artistas acabam fazendo um tipo de sucesso que é traduzido em recordes de vendagem, shows em locais gigantescos e acúmulo de bens materiais. Outros são destinados à grandeza e à formatação dos rumos da cultura pop. É o caso dos Ramones: eles podem não ter vendido milhões enquanto estiveram juntos, mas o quarteto original, formado por Johnny, Joey, Dee Dee e Tommy Ramone, segue como uma das entidades que definiram a cara do rock moderno. A ironia é que não pareciam destinados a isso. Nasceram sem pedigree, verdadeiros vira-latas da periferia de Nova York cuja rotina era dar duro na estrada e complementar a renda vendendo camisetas durante as apresentações. Na jornada que trilharam, não esfrutaram da doce vida dos astros de rock milionários. Mesmo com tudo contra, triunfaram sem fazer concessões.

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Os riffs e os timbres que forjaram ainda se fazem presentes no som de bandas contemporâneas, em comerciais de TV e em vinhetas de rádio. As camisetas com o logo criado pelo artista Arturo Vega ostentando o nome deles se tornaram um ícone da moda, provando que o quarteto nunca perdeu o fator cool. Essa trajetória teve início em 1974, mas a revolução foi sedimentada há 40 anos, em abril de 1976, quando foi lançado o primeiro disco deles, intitulado apenas Ramones. A partir daí, os ruídos que saíam das caixas de som mundo afora jamais foram os mesmos.

Os Ramones foram o ovo da serpente que se apropriou da cultura jovem dos Estados Unidos. Em 1976, o país se preparava para comemorar o bicentenário da independência, mas depois do escândalo de Watergate, que resultou na renúncia do presidente Richard Nixon em 1974, e do fiasco da participação do país na Guerra do Vietnã, o presidente- tampão Gerald Ford passou a comandar uma nação desanimada, que se preparava para entrar em festa no piloto automático. O rock e a música pop acompanhavam o estado frouxo do país. Três anos antes, Paul Simon cantou, em “American Tune”, sobre o fracasso do sonho americano. Na época do lançamento, poucos acompanharam o raciocínio dele.

“Eu tenho muito orgulho de ser um Ramone”, diz CJ Ramone.

Faltavam autocrítica, atitude e paixão. A maior banda nos Estados Unidos era o Eagles, que vendia milhões oferecendo um country rock blasé e cheio de cinismo. Peter Frampton se preparava para lançar o que se tornaria o álbum mais vendido da história até aquela data – Frampton Comes Alive! A disco music produzia hit atrás de hit e aos poucos colocava no mainstream pitadas das culturas latina e gay, só que o gênero causava má impressão na fraternidade roqueira, que reclamou quando a cômica “Disco Duck”, com Rick Dees and His Cast of Idiots, chegou ao primeiro lugar das paradas, em setembro daquele ano. Outro hit de 1976 foi “Afternoon Delight”, com a Starland Vocal Band, uma canção sobre sexo vespertino que tinha tanto sentimento quanto um comercial de máquina fotográfica. Como Paul Simon cantou em “American Tune”: “O que será que deu errado?”

Guitarras altas, peso, rebeldia, o clamor das ruas e dos becos – isso tudo havia sumido das paradas nos Estados Unidos. Era difícil para os jovens se identificarem com uma cena em que a energia primal do rock estava estagnada. Quem estava do lado de fora dificilmente conseguia penetrar na indústria inflada e milionária dominada por virtuosos e “ratos de estúdio”. A resposta parecia estar em algum canto de Nova York, longe do hedonismo e dos altos cifrões de Los Angeles.

Para entendermos de onde surgiram os Ramones, é necessário radiografar um lugar chamado Forest Hills, uma vizinhança do Queens, em Nova York. É um bairro de classe média, com uma considerável comunidade judaica, a cerca de 30 minutos de metrô de Manhattan. Lá, o tédio que dominava os jovens suburbanos nos anos 1950 foi reprisado nas décadas seguintes. Não acontecia muita coisa. A única referência pop sobre Forest Hills é que era nesse local onde Peter Parker/Homem-Aranha morava.

Dez músicas que mostram como Tommy Ramone era rápido com as baquetas.

Thomas Erdelyi era um dos jovens entediados de Forest Hills. Nascido em 1949 em Budapeste, Hungria, em 1957 ele fugiu do país com a família para escapar da brutalidade do governo comunista. Chegou aos Estados Unidos sem saber falar uma palavra em inglês. Aprendeu o idioma ouvindo Elvis Presley, Little Richard e outros que tocavam rock and roll, música que era considerada decadente e subversiva em sua terra natal. Anos depois, Erdelyi entrou na Forest Hills High School e conheceu um adolescente chamado John William Cummings, nascido em 1948, que usava o corte de cabelo dos Beatles e era fã de Pete Townshend, do The Who. Direto e agressivo, era um líder nato e um conhecedor do rock. “Eu era mau, desde o momento em que me levantava até a hora em que ia dormir”, Cummings refletiu mais tarde. Erdelyi e o novo amigo tocavam um pouco de guitarra e se juntaram em uma banda de garagem chamada Tangerine Puppets.

A experiência do Tangerine Puppets foi breve. Posteriormente a dupla conheceu Douglas Colvin, filho de militares que havia morado um tempo na Alemanha. “Acho que naquela região só existiam três fãs do Stooges, e éramos nós. Por isso, tínhamos que virar amigos”, falou Colvin, nascido em 1951. “Pra gente, era isso – ouvir Stooges, cheirar cola e fumar maconha.” Hiperativo, tagarela e carismático, Colvin era de fato um cara das ruas – até parecia um personagem das músicas de Lou Reed. Envolvido com drogas desde cedo, o rapaz tinha uma imaginação fértil e contava histórias mirabolantes. Isso seria útil: adiante, ele se tornaria o compositor mais prolífico dos Ramones.

Se Erdelyi, Cummings e Colvin se consideravam párias e desajustados, eles poderiam ser chamados de caras normais se comparados a um conhecido da vizinhança chamado Jeffrey Hyman, nascido em 1951. Todos os Ramones idolatravam o cultuado filme Freaks (1932), cujos astros eram aberrações de circo. No dicionário deles, Hyman poderia ser chamado de “freak”. Alto como um poste, mas corcunda e magro como um palito, Hyman era esquisito, mas totalmente benigno. E não era apenas um excêntrico: sofria de transtorno obsessivo-compulsivo, o que dificultava sua vida social e escolar. Especialistas que cuidaram de Hyman diziam que ele seria incapaz de realizar atividades normais na vida adulta. Mesmo com as limitações, ele era inteligente, intuitivo e criativo. Tinha um conhecimento fabuloso de música, gostava de quadrinhos e de tudo relativo à cultura B. Erdelyi mais tarde recordou, em entrevista à revista Mojo: “Ele tocava bateria, mas não muito bem. Tinha uma bateria azul gigantesca e nós íamos para a casa dele só para olhar”. Para Jeffrey Hyman, era difícil se enturmar. “Jeffrey era um gigante mudo, não falava nada, mas tinha dentro dele a linguagem da música e isso nos aproximou”, lembrou Erdelyi.

Depois que a turma concluiu o colegial, chegou o momento em que brotou a pergunta: “O que vou fazer da vida?” Erdelyi estudou engenharia de som e edição cinematográfica e fez uma viagem à Inglaterra. Ficou impressionado depois que viu o T. Rex, banda de Marc Bolan. De volta aos Estados Unidos, foi a um show do New York Dolls, um quinteto glam que parecia uma paródia estropiada dos Rolling Stones e cuja música era totalmente diferente do que rolava nas paradas de sucesso, mais crua e com produção básica. Já Cummings e Colvin estavam envolvidos em um universo repleto de drogas, delinquência e vagabundagem. Ironicamente, era Hyman quem estava mais adiantado na carreira musical, se é que o que ele fazia poderia ser chamado assim. Ele era integrante de uma banda de glam rock chamada Sniper e se autointitulava Jeff Starship. Usando luvas negras e óculos escuros, parecia um ser de outro planeta.

O Sniper tocava de graça nos muquifos mais infectos de Forest Hills. John Cummings os viu ao vivo. “Eram ruins”, afirmou. O importante é que, no palco, o tímido Jeff Hyman se transformava. “Nunca vi algo igual. Era como em O Médico e o Monstro. Parecia o Jerry Lewis em O Professor Aloprado. Fiquei feliz por ele ter encontrado um nicho”, falou Mickey Leigh, roadie da banda e irmão do aspirante a cantor, no documentário End of the Century, sobre a história dos Ramones.

De volta ao Queens, Erdelyi reencontrou Cummings e Colvin. Eles haviam desistido da música e nem instrumentos tinham mais. Conversavam sobre gostos em comum, que incluíam Stooges, MC5, Alice Cooper e principalmente o New York Dolls. “A música daquela época era indulgente, com aqueles solos de 15 minutos, mas o Dolls mostrou que você poderia ser fantástico mesmo com musicalidade limitada”, recordou Cummings. Erdelyi, então, convenceu os amigos a formar uma banda. Cummings e Colvin compraram guitarras Mosrite, a mesma marca usada pelo herói Fred “Sonic” Smith, do MC5. Faltava um baterista, e veio à memória o rapaz esquisito dono da bateria azul. Outro amigo da turma, Ritchie Stern, foi testado no baixo, mas não passou de alguns ensaios. Erdelyi queria participar da aventura, mas não na linha de frente. Ele pretendia ser uma espécie de empresário, produtor e faz-tudo do grupo que nascia.

A primeira vez que os futuros Ramones tocaram juntos diante de uma plateia foi no dia 30 de março de 1974, no Performance Studio. Monte A. Melnick, amigo que mais tarde se tornaria o principal roadie dos Ramones, armou tudo. Vários agregados dos músicos semiamadores acompanharam esse momento histórico. Naquele dia, a banda era um power trio, com John Cummings (guitarra), Doug Colvin (baixo e vocais) e Jeff Hyman (bateria). Eles executaram sete canções, incluindo “I Don’t Wanna Go Down to the Basement”, “Now I Wanna Sniff Some Glue” e “Succubus” – eram ideias e fragmentos que seriam usados com mais eficiência tempos depois. A performance fulminante durou menos de dez minutos, já que cada canção mal ultrapassava a marca dos 60 segundos.

Foi o suficiente para que algumas coisas ficassem evidentes. Colvin, que era o cantor, não conseguia se concentrar nos vocais e no instrumento ao mesmo tempo. Hyman também não era capaz de acompanhar a velocidade dos outros dois, só que os tempos dele como Jeff Starship serviram para alguma coisa. Ele era o melhor vocalista do trio em todos os sentidos, tanto na voz – incomum, mas expressiva – quanto na presença de palco. Cummings não apreciou a mudança que viria a seguir, como escreveu posteriormente: “Erdelyi falou: ‘Jeff fica no meio, entre você e o Doug’. Eu queria um cara boa-pinta nos vocais, mas Erdelyi me convenceu de que a gente seria algo como a banda do Alice Cooper”. Depois, o guitarrista constatou que o público dos Ramones era predominantemente masculino e nerd e passou a achar que garotas não se interessavam pela banda por ela ter um vocalista considerado feio.

Você continua lendo esta matéria na edição 115 da Rolling Stone Brasil, Março/2016.