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Quatro décadas após inventar um novo conceito de estrela da música, Joan Jett ainda tem assuntos a resolver

Nascida para o rock, a artista norte-americana não pensa em se aposentar tão cedo

Mark Seliger | Tradução: Claudia Avallone Publicado em 26/07/2015, às 13h02

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Nascida para o Rock - Getty Images
Nascida para o Rock - Getty Images

Joan Jett está em frente ao microfone em um estúdio em Manhattan, Nova York, quase pronta para começar a cantar. Vestida de um jeito rock and roll, com uma camiseta cinza justa, jeans surrados e tênis, ela agita os braços e balança as pernas como um boxeador impaciente. O cabelo dela, muito negro e brilhante, parece um monte de penas espetadas. E ela tem um gordo cigarro de maconha no canto da boca, que mais parece um torpedo. Fumar, diz mais tarde, solta e afina sua característica voz rasgada.

De acordo com Kenny Laguna, empresário, coprodutor e coautor das composições de Joan durante os últimos 35 anos, ela tem “a melhor maconha”. “Keith Richards tinha da mesma”, ele diz, rindo, enquanto a cantora mexe na mesa de mixagem antes da gravação. “Ele disse que fumou e teve flashbacks que o levaram de volta a 1968.”

Joan ainda canta como uma mulher com assuntos a resolver. Ela está gravando uma nova música com sua banda de longa data, The Blackhearts: a canção-título de Miss You Already, próximo filme de Catherine Hardwicke, diretora de Crepúsculo. Quando chega ao microfone, a interpretação é selvagem, ríspida e direta. “Belo final, ótimo último verso!”, Laguna grita quando ela volta para a mesa de controle do estúdio. Joan não tem tanta certeza. Os dois logo começam a discutir sobre tom e sincronia – Laguna com a arrogância de um policial regional de Nova York e Joan com uma irritação profunda –, mas com o afeto inflamável de um velho casal, coisa que, de certa forma, os dois são.

Laguna está casado há 44 anos com a esposa, Meryl, mas ele e Joan, que é solteira, têm sido parceiros de criação desde 1979. Ela estava sofrendo com o fim do The Runaways – a banda só de garotas que ajudou a fundar, em 1975, aos 17 anos – e o estigma sexista ligado ao grupo: o de que meninas não podem fazer rock. Laguna tinha uma longa história no cenário do bubblegum pop dos anos 1960, como letrista, produtor e tecladista.

“Eu dou a ela o pop”, diz Laguna, resumindo a rixa entre os dois no estúdio, “e ela me dá um senso de ameaça”.

Hoje, Joan é reconhecida como uma inspiração para o movimento punk feminista riot grrrl e seu nome foi transformado em uma espécie de gíria no mundo da moda. “Já ouvi de estilistas, de pessoas em desfiles: ‘Vamos fazer o look Joan Jett’ na maquiagem e no cabelo”, ela conta. Em 2010, no filme biográfico The Runaways, Joan foi interpretada pela atriz Kristen Stewart. E Miley Cyrus, fã e agora amiga da artista, tocava uma versão de “Cherry Bomb” em seus shows.

Agora, Joan, que passou a integrar o Hall da Fama do Rock em abril, está entrando em um território desconhecido para uma mulher como ela: aquela idade em que homens mais velhos do rock, como os Rolling Stones e o The Who, viram “tios durões”. Ela veio para a entrevista – na sala de estar da casa de Laguna, a uma curta distância da casa dela, perto do oceano – direto de uma sessão de fisioterapia, por causa de uma recente operação no ombro direito. Joan menciona outros “danos por tocar guitarra”, incluindo cirurgias na mão e no joelho esquerdos. Mas cuida da saúde: se considera “quase vegana” e, falando sobre álcool, diz que toma “alguma coisa de vez em quando”, mas não tem o costume de beber.

Joan trabalha com o mesmo rigor com que toma conta de si. Estava na estrada com o Heart no início deste ano, e sua atual turnê abrindo para o The Who vai até novembro. “As pessoas olham para as mulheres de maneira diferente”, afirma, irritada. “Os homens são vistos como práticos quando ficam velhos. As mulheres, de repente, tornam-se matronais? Que é isso, cara!”

Ela tem a mesma idade de Madonna, mas raramente usou controvérsias sexuais para ser notada. No Runaways, que foi lançado pelo falecido produtor e empresário Kim Fowley como um grupo de ninfetas do glam, Joan mostrava o mínimo de pele. A coisa mais sensual nela, até hoje, são os penetrantes olhos castanho-amendoados.

“Eu deixei claro que não iria usar a sensualidade no Runaways”, explica Joan, lançando aquele olhar explosivo. “Os Stones, caras assim, podem ser mais explícitos. Mas havia uma mística sobre David Bowie – você acha que sabe, mas não tem certeza. Isso é muito mais sexy do que mostrar tudo de uma vez. Faça o que sabe, toque sua música” – o volume da voz dela sobe, dando ênfase – “as pessoas vão achar que isso é sexy”.

Ao falar sobre a própria sexualidade, Joan Jett é ao mesmo tempo franca e escorregadia. “Tudo incluído”, afirma, com uma risada. “Hoje, todo mundo escreve sobre tudo. Acham que têm o direito de saber.” O sorriso dela quase some. “Isso me faz lembrar daquela coisa de não ser intimidado, de ninguém te dizer o que fazer. Na verdade, se você me disser o que fazer, vou colocar uma barreira só porque você me disse para fazê-lo.”

A cantora apresenta uma mistura de humores durante a conversa – afável, engraçada, reflexiva, desafiadora e orgulhosa –, dependendo do assunto. Na maioria das vezes, é efusiva ao expor seu ponto de vista. Quando eu menciono que vi o Runaways ao vivo no fim dos anos 1970, abrindo um show do Ramones, ela me olha atentamente. “E aí, nós tocamos mal?” Não, eu digo. “Nós tocamos muito bem!”, ela rebate. “Eu não sei se era uma coisa de autoafirmação para os rapazes, parece que eles precisavam dizer que o Runaways era uma droga ou então eles seriam tachados de gays. Você vê aquelas fotos famosas do Led Zeppelin...”, diz, saltando da cadeira para imitar uma pose clássica de Robert Plant nos anos 1970, com uma mão na virilha. “Mas se uma garota faz isso é uma puta, uma vagabunda.”

“Talvez a culpa seja dos meus pais por terem me dito, quando eu tinha 5 anos: ‘Você pode ser o que quiser’”, ela justifica. “Outras meninas podem desistir. Eu entendo. As pessoas podem ser rudes. Mas sinto como se fosse fazer o que faço para o resto da vida.”

Joan Jett é mais reservada, menos assertiva, quando fala sobre seu legado na música. Dave Grohl pode falar por ela. Ele se lembra de estar com Joan e com o guitarrista do Foo Fighters, Pat Smear, em um festival europeu, assistindo a Iggy & the Stooges. “Naquele momento, eu entendi como funciona essa linhagem”, diz Grohl, falando sobre a influência de Iggy sobre Joan e o The Runaways; a força que ela deu à cena punk de Los Angeles, que foi berço do primeiro grupo de Smear, The Germs, e do baixista do Stooges, Mike Watt; e os efeitos dos dois, por sua vez, na outra banda de Grohl, o Nirvana. “Nada disso teria acontecido sem a Joan servindo como um degrau da escada.”

“Você tem que colocar o The Runaways no mesmo nível do Ramones e do Sex Pistols”, Smear completa. “Elas estavam fazendo em Los Angeles o que aqueles caras estavam fazendo em Nova York e Londres: faziam os jovens formar bandas. Mas não acho que Joan entende como as pessoas se sentem a respeito dela, porque ela é muito modesta.”

Joan Marie Larkin nasceu na Filadélfia. Ela já se intitulava Joan Jett antes do Runaways, quando se tornou uma atração fixa na famosa casa noturna Rodney Bingenheimer’s English Disco, na Sunset Boulevard, em 1974. No início dos anos 1980, Jett se tornou o sobrenome dela oficialmente. “Pode ter sido apenas o meu desejo de ser eu mesma”, ela divaga, reconhecendo: “À medida que eu envelheço, após a morte dos meus pais, eu penso: ‘E se eu voltar atrás?’”

Ela é a mais velha de três filhos. A família se mudou muitas vezes – para o oeste da Pensilvânia, em seguida para Maryland (onde Joan assistiu aos primeiros shows da vida, do Black Sabbath e do New York Dolls) e, quando ela tinha 13 anos, para Los Angeles. “Então, meus pais se divorciaram, o que foi traumático.” Tocar guitarra e ir à English Disco serviam de consolo.

O The Runaways nasceu em 1975, quando Joan se uniu à baterista Sandy West após Kim Fowley apresentar as duas. No começo era um power trio, mas a formação mais conhecida incluía Cherie Currie, a guitarrista Lita Ford e a baixista Jackie Fox.

Kenny Laguna apareceu na vida dela um pouco mais tarde, em agosto de 1979, em Los Angeles, em uma sessão referente a um projeto remanescente do Runaways. Laguna estava acostumado a métodos de linha de montagem nas gravações. Ele disse a Joan para esperar lá fora enquanto ele gravava a base da faixa. Ela não gostou.

“Joan disse: ‘De jeito nenhum – eu vou tocar ou não teremos um disco”, Laguna se recorda com uma risada orgulhosa. “Eu curti isso. Então, nós gravamos.” Era a música “You Don’t Know What You’ve Got”, que apareceu no primeiro álbum solo dela, homônimo (1980). Laguna e Joan fundaram a própria gravadora, a Blackheart Records, depois que outras 23 empresas se recusaram a fazer o álbum.

Fora a parceria na música, a cantora também se juntou à família de Laguna. Quando o empresário a levou a Nova York para relançar a carreira dela, Joan pegou um apartamento ao lado do dele e ajudou a cuidar da filha recém-nascida de Laguna, Carianne. Quando Carianne tinha 5 anos, a família Laguna se mudou para Long Island; Joan tinha seu próprio andar dentro da casa e levava Carianne à escola em um Jaguar preto. “Ela morou com a gente até eu ter 14, 15 anos”, lembra Carianne, que hoje tem 35 anos, é casada e cuida da carreira de Joan e da gravadora. “Joan me ensinou que você deve ser aquilo que é. Você pode se vestir como Ziggy Stardust. E, ao mesmo tempo, pode ser a mulher mais maternal.” A cantora é madrinha de Zoe, a filha de 2 anos de Carianne.

Questionada se ela própria já pensou em ter filhos, Joan suspira: “Quando cresci, pensei sobre o que isso significaria”, ela reflete. “Mas eu estava muito focada na minha própria situação. Se você quiser chamar isso de egoísmo, tudo bem. Mas pelo menos eu tenho consciência disso.” Joan circula ao redor da sala de estar dos Laguna. “Tenho minha família e eu me dou bem com ela.”

Joan define um dia normal, fora da estrada, como “nada”. Faz uma pausa. “Se eu puder.” Ela cozinha, vê TV, observa os surfistas na praia e cuida de seus dois gatos. Se algum dia abandonasse a vida do rock, “iria trabalhar em um abrigo para animais. Ou viveria dos meus royalties, só para ficar em contato com a natureza”.

Este tempo, no entanto, não é iminente. Joan não vê diferença entre seus desejos adolescentes no rock e sua vida profissional. “Eu só queria estar no palco. É como um sonho realizado. Ele vem com golpes duros”, ela afirma, mas acrescenta, feliz: “É incrível. E eu me sinto abençoada”.

Outro Parceiro

Antes de Kenny Laguna, Joan Jett teve o controverso Kim Fowley como mentor

O empresário Kim Fowley foi o grande catalisador na formação do The Runaways – foi ele quem apresentou Joan Jett à baterista Sandy West e que ajudou a formatar a imagem da banda. “Ele teve uma má fama de manipulador”, diz Joan sobre Fowley, que morreu aos 75 anos, em janeiro de 2015. Ele realmente cultivou uma aura controversa – foi um gênio do pop vendido às custas de muita publicidade – ao longo de cinco décadas na indústria da música.

“Kim gostava de pegar as pessoas desprevenidas”, ela continua. “Se ele entrasse em uma sala...” Ela salta para fora de sua cadeira e faz uma imitação fantástica do passo de cegonha predadora de Fowley, encenando um monte de golpes de caratê e pontapés. “Mas não é isso que o rock and roll é? Legal e perigoso?”

Joan, que discursou no funeral de Fowley, observa que ele foi seu primeiro parceiro de composição – os dois escreveram “Cherry Bomb” para a audição de Cherie Curie – e ambos partilhavam o mesmo objetivo: dominar o mundo. “Mas se havia algo que [ele queria e] eu não queria fazer, não fazia de jeito nenhum”, ela garante.