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Tom Morello relembra infância ameaçada por racismo e convoca norte-americanos à luta

“A música é nossa revanche, é nossa expressão, nossa libertação”, diz o guitarrista do Rage Against The Machine

Rolling Stone EUA Publicado em 16/08/2015, às 13h04

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Tom Morello - Owen Sweeney/AP
Tom Morello - Owen Sweeney/AP

Durante a primeira semana de agosto, músicos e ativistas se reuniram no estado norte-americano do Missouri para homenagear um ano do aniversário da morte do jovem negro Michael Brown. Entre eles estavam o guitarrista Tom Morello, ex-Rage Against The Machine.

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Para o engajado roqueiro, que no final do ano passado lançou a música "Marching on Ferguson", o que aconteceu um ano atrás com Brown e as continuas injustiças contra afro-americanos pelas mãos da polícia são mais do que causas às quais vale a pena se juntar. Trata-se de uma reflexão de suas próprias experiências como um homem negro em um bairro predominante branco na cidade de Libertyville, Illinois.

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Morello falou à Rolling Stone EUA pouco antes de viajar aos protestos no Missouri e refletiu sobre a relação dele com agressões raciais e tudo o que aconteceu no decorrer do assassinato de Michael Brown.

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A brutalidade policial existe muito antes da morte de Michael Brown e continua sendo um problema sério até hoje. Por que você acha que essa morte se transformou em um marco?

Sim, há milhares de casos, incontáveis casos de policiais brancos matando pessoas negras desarmadas e saindo ilesos. O que aconteceu em Ferguson foi que a comunidade reagiu de uma forma que virou notícia mundialmente. O caso de Michael Brown foi o primeiro “dominó” do século XXI de que tivemos notícia. É só ligar no jornal a cada dois ou três dias. Incidentes horrendos. Mas agora as pessoas têm suas câmeras. Se não tivesse havido uma rebelião em Ferguson, não teria havido denúncias em Baltimore. Existe uma vigilância maior.

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Há muitos policiais que não são racistas e querem fazer um bom trabalho e não praticar violência racial. Mas o que é ser um bom policial? Um bom policial é aquele que expõe, denúncia e processa um companheiro racista da sua mesma patente e isso não está acontecendo. Se policiais geralmente e literalmente viram as costas para as críticas, então eles não são parte da solução, eles ainda são parte do problema.

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Você acha que a maioria das pessoas esqueceu de Michael Brown e do que aconteceu há um ano?

De jeito nenhum. Ele foi o primeiro dominó. Policiais assassinos de negros é uma coisa tão americana quanto tortas de maçã e basebol. O que também é tão americano quanto tortas de maçã e basebol é a resistência a essa injustiça.

De que forma os racismos de Ferguson e Libertyville, sua cidade natal, se diferem do racismo de outros lugares?

Ferguson parece ser uma comunidade etnicamente mais diversificada do que aquela em que eu cresci. Em Libertyville havia cruzes pegando fogo em jardins na década de 1980. Los Angeles certamente não é uma cidade livre de racismo, mas você não se sente tão desconfortável andando de mãos dadas com sua noiva de uma cor diferente à noite como se sentiria no Sul dos Estados Unidos.

Como foi sua experiência como uma criança birracial?

Meus amigos frequentemente me perguntam, “Ah, como você ficou politizado? Foi lendo Noam Chomsky?” Foi quando eu estava no jardim de infância no playground e as pessoas me xingavam e faziam piada do meu cabelo e da cor da minha pele. Foi com essas experiências bem iniciais que eu comecei a pensar: “Cara, isso não está certo”.

A boa notícia é que eu tinha uma mãe chamada Mary Morello que ainda é a pessoa mais radical da família. Uma vez, uma criança estava me chamando de “neguinho” e estava me batendo. Eu falei para a minha mãe e ela ficou furiosa. Eu achei que ela ia contar para o diretor, mas ela me mandou falar algo para o menino, alguma coisa como ‘racista idiota’, não me lembro [risos]. Era algo que eu tinha que decorar, porque eu não sabia o que significava. Ela até me mostrou como fechar a mão. No outro dia, eu disse o que tinha que dizer e estava tentando bater nesse garoto. O vigilante finalmente prestou atenção e descobri do que se tratava. Eu me safei, enquanto o valentão teve a boca lavada com sabão. Eu pensei: “Ah, tem alguma coisa nesse negócio de resistir à opressão”.

Como um adulto, como você navegou em um espaço predominantemente negro como o mundo do rock?

Acho que minhas circunstâncias são bem únicas porque eu era a única criança negra em uma cidade inteira branca, eu era o único anarquista em uma escola conservadora e eu era o único músico de heavy metal na Universidade de Harvard [risos].

Ouça "Marching On Ferguson:

Esse é um bom título para se ter.

Isso, exato. E eu era o roqueiro negro de Harvard na cena do rock de Hollywood [risos]. Enquanto eu cresci completamente imerso em cultura branca, com metal e tudo isso, eu sempre me identifiquei como negro, não como metade branco. Eu acho que, em parte, a sua cor de pele te define e eu meio que fui definido pelo racismo do lugar onde eu vivi. Foi só com uns 30 anos que um amigo meu me disse, “Cara, você sabe que é metade branco, certo?”

Agora eu crio minhas crianças, que são birraciais – minha esposa tem descendência italiana – também, mas elas vivem em circunstâncias bem diferentes. Nós temos que ensiná-las a respeito das injustiças. Elas não sentem isso diariamente.

Eu me lembro que tinha muito medo. A Klu Klux Klan veio até a calçada da minha casa um dia, abriu o portão da garagem, amarrou uma forca lá dentro, fechou a porta silenciosamente e então saiu de fininho para deixar uma mensagem. Isso aconteceu comigo quando eu tinha 13 anos. Minha mãe era professora de escola pública em Libertyville. Com frequência amarravam a cordinha que segura a tela de projeção como uma forca. Tinha propaganda nazista e do Klu Klux Klan pregada no mural dela. É uma das coisas que eu carrego na minha música e que me faz continuar lutando por um mundo em que essa merda não acontece.

Quem era um exemplo para você e como você utiliza seu próprio exemplo como um músico negro?

Certamente não havia nenhum modelo de pele escura para mim. Havia uma foto do meu tio avô Jomo Kenyatta na parede da casa da minha família. Eu descobri os Panteras Negras e livros sobre eles quando eu era criança. Foi tipo, “Oh, meu Deus! Tem uma forma toda diferente de se olhar para isso!” Especialmente do jeito como o assunto era apresentado no jardim da infância e na escola. E Martin Luther King e Malcom X foram meus exemplos afro-americanos.

Em termo de identidade política, não de raça, bandas como The Clash e Public Enemy me ajudaram a ligar minhas convicções à minha vocação. Você pode cantar sobre as coisas que realmente importam para você, que estão na sua vida, te enchem o saco e definiram você de uma forma que soa catártica como artista e pode te conectar com pessoas além do seu próprio círculo.

De vez em quando eu converso com uma pessoa que não é branca e diz: “Você é o guitarrista que me fez começar a tocar!”. Tocar guitarra, de certa forma, é meio que um mundo pós-racial hoje em dia. De certa forma, isso deveria ser um modelo [risos]. Não costumava ser assim. Acho que provavelmente o Rage Against the Machine teve alguma coisa a ver com isso. As bandas não precisam parecer como o Led Zeppelin para fazer rock pesado. Se você pegar a revista Guitar Player hoje, vai achar uma vasta variedade de etnias de gente que toca guitarra distorcida. Acho que é algo saudável.

Quais são seus pensamentos a respeito do papel do artista em uma situação como a revolta em Ferguson?

Existem várias formas de provocar mudança. Apesar das revoltas em Ferguson e Baltimore e dos protestos pacíficos pelo país no decorrer de numerosos eventos de afro-americanos desarmados sendo assassinados por policiais, acho que o problema fundamental está submerso e continua. A música é nossa revanche, é nossa expressão, nossa libertação. É onde eles não podem mexer conosco.

O que uma pessoa que não tem uma plataforma como a sua deveria estar fazendo como um esforço continuo para resistir?

Falar é uma chave. Como Martin Luther King disse: “O lugar mais quente do inferno é reservado para aqueles que se mantém neutros em tempos de conflito moral”. Injustiça em qualquer lugar é uma ameaça para a justiça em qualquer lugar. Pensar que isso não te aflige por causa da sua cor de pele ou do seu viés político é uma verdadeira babaquice. Racismo nos Estados Unidos é um problema. Ao longo do ano passado, desde que Michael Brown virou manchete, o que era conhecido para muitos de nós por muito tempo se tornou exposto em escala global. Há um problema endêmico de violência policial contra a comunidade negra que é totalmente desproporcional e injusto. Isso precisa ser responsabilizado e confrontado.

Desde a morte de Michael Brown, parece que houve progresso, mas então lemos sobre outra notícia de uma pessoa negra levando um tiro. Da sua perspectiva, o que será o progresso para os Estados Unidos?

Precisamos reconhecer que o problema é sistêmico. Não são apenas algumas maçãs podres. A forma como a força policial tem agido por séculos no país tem uma base racista. Isso não pode ser limpado por alguns poucos policiais fazendo a coisa certa. Não totalmente. Eles servem e protegem? A quem eles servem e protegem? Os moradores de Ferguson não acreditam que os policiais estão lá, de forma alguma, moldados e formados para servi-los e protegê-los. Nem a polícia acredita!

Eu tenho muitos amigos e colegas que são policiais. Depois de algumas cervejas, eles querem contar histórias que são tão criminosas que você não iria acreditar! Não vou quebrar a confiança deles porque são amigos, mas o que existe por aí não é um bando de benfeitores. Parte do problema é esse voto de silêncio no qual se qualquer político ou banda de rock ou qualquer coisa ousa sugerir que a polícia éalgo que não cavalheiros em uma armadura brilhante andando em unicórnios, te taxam como um animal traidor. Não é o caso. Fatos são fatos. Amo fazer shows beneficentes, mas eu não sou um humanitário, eu sou um baderneiro. Essas vozes são importantes em dias como o do aniversário de um ano da morte de Michael Brown pela polícia.