Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

Tom Zé, Criolo e outros artistas se apresentam na primeira edição do Coala Festival

Realizado no Memorial da América Latina, evento teve ainda 5 a Seco, Charlie e os Marretas, O Terno e Trupe Chá de Boldo, que também agradaram

Antônio do Amaral Rocha Publicado em 16/03/2014, às 14h43 - Atualizado às 16h43

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Criolo no Coala Festival - Chico Morais/Divulgação
Criolo no Coala Festival - Chico Morais/Divulgação

O imenso pátio cimentado da praça cívica do Memorial da América Latina devia estar com uma temperatura de uns 50 graus às 15h deste sábado, 15, quando aconteceu a primeira edição do Coala Festival. As poucas pessoas que se arriscaram a chegar nesse horário procuravam em vão os poucos lugares cobertos para se abrigar do sol inclemente, ou entravam nas filas dos caixas para fazer o abastecimento de fichas de cerveja, vendidas a salgados R$ 8 a latinha. Naquele momento, já dava para apostar que, no quesito comes e bebes, o festival seria um sucesso. As imensas filas dos caixas permanecerem assim até o fim da noite. Mas comidas e bebidas à parte, o festival foi também um sucesso de público.

A primeira banda a tocar foi a 5 a Seco (Vinicius Calderoni, Tó Brandileone, Leo Bianchini, Pedro Altério e Pedro Viáfora), de São Paulo, que aos primeiros acordes provocou uma correria em direção à frente do palco. E pelo que se viu, a banda, competente de três guitarras, violão, baixo e bateria, tem público fiel, que sabe de cor as letras das músicas, e se divertiu bastante durante o show de pouco mais de 30 minutos. O baterista Pedro Altério, visivelmente satisfeito, declarou que esse comportamento e receptividade do público é uma coisa que já o surpreendeu, mas hoje ele entende como algo bastante espontâneo.

Depois de um pequeno intervalo animado por um DJ, foi a vez da banda Charlie e os Marretas mostrarem um som dançante com influências de funk, hip-hop e música latina, com forte presença dos sopros e da percussão. A banda, que lançará o primeiro disco em maio, fez um show curto, mas que agradou muito a um público que nesse horário já tomava quase todo o espaço do pátio - e já não sofria tanto com o sol, que se escondia atrás de algumas nuvens.

Em seguida, o veterano Tom Zé, acompanhado de uma banda mais enxuta, um quarteto, sem os usuais vocais femininos, subiu ao palco todo vestido de preto e com cordas amarradas na cintura e no pescoço. Mais à frente ele explicaria por meio do repertório a escolha desse adereço. Depois de um breve discurso de Tom, ouviram-se os primeiros acordes de “2001”, e quando ele fez uma referência a Rita Lee o público já estava ganho. Ainda vieram “O Pirulito da Ciência” e, argumentando que não faz só música de “esculhambação”, Tom pediu ajuda ao público para cantar “Augusta, Angélica e Consolação” - e foi prontamente atendido. Fez ainda “Tô” (que tem a letra “eu tô te confundindo pra te esclarecer”) e, em seguida, de fato esclareceu o uso das cordas. Era para lembrar os tempos da ditadura, “quando a felicidade tinha que ser compulsória”, disse. Ilustrando a metáfora, cantou “Menina, Amanhã de Manhã”, levando a corda até o pescoço, simulando um enforcamento. Tom se mostrava preocupado com o tempo do show, mas ainda apresentou “Todos os Olhos”, “Ogodô Ano 2000”, “Jimmy, Renda-se”, “Vá Tomar” e a atualíssima “Moeda Falsa”, com os hilariantes versos “O dólar é moeda falsa / Americano já não segura as calças / Alemanha quase pedindo esmola / A inglesa não usa mais calçola / Na Itália não tem mais sutiã...”. Nos bastidores, Tom explicou porque é tão bem compreendido pelo público jovem quando fala da ditadura. “Os pais sofreram muito e falam muito desse assunto. Essa geração “Y” apresenta convicções bem diferentes da geração passada... e a juventude naturalmente ainda têm notícias do tempo da ditadura, ouve falar, eles estão engajados nisso.”

Um bom momento do dia foi o show do power trio paulista O Terno (Tim Bernardes, Guilherme d’Almeida, Victor Chaves) que fez parte do repertório do seu primeiro disco, de nome 66, além de uma versão psicodélica de “O Trem Azul” (Lô Borges e Ronaldo Bastos) e uma versão roqueira do afro-samba “Canto de Ossanha” (Baden Powell/ Vinicius de Moraes). Apesar de as músicas da banda apresentarem letras bastante longas, com foco em mensagens, ainda assim agradaram bastante, especialmente nos momentos de solos extremos da guitarra de Tim Bernardes.

A Trupe Chá de Boldo, que faz jus à denominação, com três vocalistas femininas, três sax, guitarra, baixo, bateria e percussão, mostrou um show empolgante, cheio de performances, com letras bem humoradas e predomínio de uma sonoridade que passa próxima do reggae e da latinidade. A apresentação, ora convidava a ouvir com atenção, ora convidava a dançar. Com este show e com a receptividade que tiveram, a banda vem se firmando com uma das mais criativas da nova geração da música brasileira.

A apresentação mais esperada do line-up ocorreu sem grandes surpresas. Com sempre acontece, Criolo fez uma performance para uma plateia já ganha de antemão. Foi um show manifesto com repertório do álbum Nó na Orelha, agora acrescido do novo single “Duas de Cinco”, cuja letra, em certo momento, diz: “Um governo que quer acabar com o crack / Mas não tem moral para vetar / Comercial de cerveja...”. Cantou as calmas e já clássicas “Não Existe Amor em SP” e “Freguês da Meia-Noite”, em grande parte acompanhadas pelo público, além de “Sucrilhos”, “Samba Sambei”, “Lion Man”, “Demorô”, a sua versão de “Cálice” (Chico Buarque/Gilberto Gil) e fez, ainda, uma emocionada homenagem a Bob Marley quando desenrolou uma bandeira com o rosto do jamaicano. Em alguns momentos, Criolo deixou que o fiel escudeiro e parceiro Dan Dan virasse protagonista. Desta vez, este fez um discurso dizendo que a única coisa que pode salvar o mundo é o amor e pediu que “a família” presente abraçasse quem estivesse do lado, mesmo que não se conhecessem – muita gente atendeu ao pedido. Ficou mais uma vez provado que Criolo fala o que muitas pessoas querem ouvir. Suas letras retratam as mazelas de um lugar específico, mas ganham foros de uma verdade ampla e confirma a máxima: se quiser falar do mundo, fale antes do seu pedaço. Cada show de Criolo tem se transformado em um lugar de veneração e o artista sabe bem disso. Humilde, ele diz que só tem a agradecer, mas pelo que se tem visto, quem agradece é a plateia, quase sempre, embevecida.

Depois de 1h30 de show, Criolo saiu do palco e voltou para o bis acompanhado de Tulipa Ruiz, que participou do coro de uma versão rápida de “Vasilhame”. Enquanto a trupe agradecia, abraçada, Criolo ainda cantou, a capela, “Carinhoso” (Pixinguinha/João de Barro), acompanhado pelas vozes do público. Coincidindo com o encerramento do show, uma forte chuva, que já tinha ameaçado cair no começo da noite, finalmente desabou sobre o pátio do Memorial e apressou a debandada geral.