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Um dia com Lawrence, o mito quase esquecido

Em Glasgow, músico e ídolo inglês foi venerado por fãs e integrantes de bandas como Franz Ferdinand, Vaselines e Yummy Fur

Angela Joenck, de Glasgow Publicado em 27/02/2013, às 17h39 - Atualizado em 28/02/2013, às 12h24

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Lawrence e o poster da programação especial sobre a sua vida - Divulgação
Lawrence e o poster da programação especial sobre a sua vida - Divulgação

Frontman de uma banda seminal dos anos 80, ídolo de Jarvis Cocker (Pulp) e Stuart Murdoch (Belle & Sebastian), dependente de medicações psiquiátricas e possivelmente uma das personalidades mais esquisitas do mundo da música: Lawrence (criador de bandas como Felt, Denim e Go-Kart Mozart) é tudo isso e muito mais. Ele foi o tema de um dia de celebração ao indie no Poetry Club em Glasgow, Escócia, no ultimo sábado, 23. O local, montado pelo artista plástico e ex-Boy Hairdressers Jim Lambie (que depois viraria Teenage Fanclub) não poderia ser mais apropriado. Escuro, pequeno e de difícil acesso. Mais indie, impossível.

O filme e a exposição

Os trabalhos começaram com a exibição do documentário Lawrence of Belgravia, dirigido por Paul Kelly. O filme mostra Lawrence (ele nunca divulgou seu sobrenome) e suas excentricidades, um homem que contrata ou demite músicos conforme os seus cortes de cabelo. No início da carreira, um baterista foi demitido por ter cabelos muito encaracolados, já um baixista conseguiu tocar com a banda por ter um cabelo “bonito e grosso”.

Em meio a isso tudo, o filme mostra a vida de penúria de um artista que, apesar de ter influenciado diversas bandas, vive em meio a pobreza e a problemas psiquiátricos. Mas nenhum desses fatores impede Lawrence, com sua obsessão por limpeza e fobia de queijos, de se colocar no posto de mito, tanto em entrevistas quanto nas letras das canções. Melancólico, o fim do documentário mostra o artista sem entender o motivo de sua música não fazer sucesso.

Durante a sessão de perguntas e respostas que se seguiu, o entrevistador estava tão nervoso pela simples presença de Lawrence, que mal conseguia ordenar suas anotações. “O filme ajudou a levantar seu perfil?”, pergunta. “Bem, não é como se eu fosse completamente desconhecido”, responde Lawrence, arrancando risos da plateia lotada.

O trailer de Lawrence of Belgravia

O público então seguiu para a exposição montada por Lawrence e Jim Lambie na galeria de arte ao lado da casa noturna. A obra provoca um ataque de informações ao cérebro de quem entra na sala. Diferente da pop art de Andy Warhol, aqui os símbolos pop são usados para mostrar uma realidade brutal. O público pode conferir as receitas médicas de Lawrence, palavras de ordem expostas em bandeiras e palavrões estampados nas paredes. E falando em paredes, em um esforço que para alguns pode parecer um capricho fútil, as paredes que cercam a galeria foram reproduzidas dentro do espaço da exposição, tijolo por tijolo.

O show

Lawrence e seu projeto Go-Kart Mozart fecharam a noite (com integrantes do Franz Ferdinand, Vaselines e Yummy Fur na plateia) levando ao delírio a horda indie que esperou por anos a visita do artista à cidade. Com exclusividade à Rolling Stone Brasil, Duglas T. Stewart, líder dos BMX Bandits e fã confesso de Lawrence, conta suas impressões do show visto também por Franz Ferdinand, Vaselines e Yummy Fur:

“A última vez que vi Lawrence tocar ao vivo, ele ainda estava no Felt – o definitivo grupo indie de guitar pop poético. Embora quase uma década e meia tenha se passado desde que o Felt acabou, parece que uma porcentagem razoável das pessoas reunidas no Poetry Club comprou seus ingressos com a lenda do Felt em mente. Escuto as pessoas na plateia dizendo coisas como ‘você acha que ele vai tocar alguma coisa do Felt?’ e ‘não conheço o som do Go-Kart Mozart’. Acho surpreendente, já que o Go-Kart Mozart começou em 1999 e, com três discos lançados, já é o projeto mais durável que ele já teve.

Lawrence e banda subiram no palco ao som de ‘Mouldy Old Dough’, hit engraçadinho do Lieutenant Pigeon, dos anos 70. Para muitos, o sentimento era de estar na presença de um Deus, alguém que criou discos agora sagrados. Esse era realmente o motivo de o público estar ali: adorar o ídolo, e mais nada. Estes peregrinos estavam prestes a enfrentar uma revelação: Lawrence não é um homem do ‘ontem’, ele não pertence ao passado, ele é dos dias de hoje.

A primeira grande surpresa para alguns deve ser o fato de que não há uma guitarra sequer à vista. Em vez disso, há uma seleção de sintetizadores tocados com maestria pelo primo de Martin Duffy (ex-Felt, e agora do Primal Scream), mais um baixista e baterista tão entrosados que parece que eles estão tocando junto há décadas. Surpreendentemente, este é seu primeiro show juntos. E então aparece Lawrence em um terno elegante, gravata de lantejoulas e um boné com uma viseira verde transparente. Para ele, detalhes são tudo. Imagino que ter a gravata e os sapatos certos para o show seria tão importante como ter o set list perfeito.

E Lawrence definitivamente tinha o set list correto. Começou com o hino de uma geração, ‘We're Selfish and Lazy and Greedy’ (algo como ‘Nós somos egoístas, preguiçosos e gananciosos’). Foi divertido ouvir o público cantando junto esse verso sem vergonha alguma. Depois foi a vez de ‘Drinking Um Bongo’, uma ode a uma bebida com sabor de frutas exóticas, popular no Reino Unido na década de 80. Lawrence lembra a plateia da realidade incongruente de ‘viver em um prédio e beber um bongo’, uma bebida que o jingle dizia ser apreciada na selva. A bebida era apreciada, de fato, em uma selva: não em uma floresta de nativos exóticos e animais coloridos, mas, sim, na selva de pedra.

O humor é uma ferramenta crucial para canções de Lawrence, mas vez ou outra, ele o utiliza para deixar o conteúdo doloroso e pessoal de suas músicas mais palatável. A canção da noite foi “Donna and the Dopefiends” (tocada novamente no seu segundo bis), que tem uma melodia bem trabalhada e ganchos que podiam ser de um clássico pop adolescente de qualquer época. Talvez até um hit em potencial para um One Direction da vida... Mas quando o protagonista da canção diz “Hey, Donna Come On”, ele não está chamando a namorada para que eles possam sair para dançar, e sim para ela se apressar para que ele consiga comprar drogas.

Algumas das canções podem ter sido escritas sobre o lado sombrio da vida moderna no Reino Unido, e sobre a própria vida de Lawrence, mas elas foram tocadas com tanta abertura, calor, charme e humor, que não impediu ninguém de ter se divertido, incluindo o grupo.

Go-Kart Mozart é um grupo com muitas camadas, eles te deixam com coisas para pensar por muito tempo após o fim do show. Mas, no momento que estão tocando, são muito divertidos. Tão divertidos, que até mesmo os fãs puristas do Felt (aqueles com esperança de ouvir os clássicos como ‘Sunlight Bathed in Golden Glow’ e ‘Ballad of the Band’) saíram do show completamente satisfeitos.”