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Vaca Amarela 2015: Fresno celebra 15 anos de carreira e atrai maior público no último dia de festival

Cone Crew Diretoria e Rollin Chamas também tocaram para plateias cheias no encerramento do evento em Goiânia

Lucas Brêda, de Goiânia Publicado em 08/09/2015, às 02h21 - Atualizado às 20h07

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Fresno no último dia de Vaca Amarela 2015 - Cláudio Cologni/Divulgação
Fresno no último dia de Vaca Amarela 2015 - Cláudio Cologni/Divulgação

No último domingo, 6, a edição 2015 do Vaca Amarela chegou ao fim com o maior público dos três dias – cerca de 4,5 mil pessoas –, que foram ao Centro Cultural Oscar Niemeyer ver as atrações principais, Fresno e Cone Crew Diretoria, além dos heróis locais Rollin Chamas e do cardápio de bandas de rock/metal, abundante na escalação: Aurora Rules, Maguerbes, Novonada e Dona Cislene foram alguns deles.

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Nos dois dias anteriores – sexta, 4, e sábado, 5 –, o Vaca Amarela prezou pela diversidade nas escalações, com um headliner de rap (Emicida) em um dia predominantemente de rock alternativo (O Terno, Carne Doce, Inky, Baleia, Luziluzia), e uma atração principal de pop/rock em um dia de batidas (Indee Styla, Deize Tigrona, Lei di Dai) e hard rock (Overfuzz, Muddy Brothers, Dry). O domingo, entretanto, teve uma linha mais bem definida, com o rock melódico tomando conta dos palcos e apenas duas atrações de rap: Faroeste e Cone Crew.

Em Goiânia, no mesmo dia do fechamento do Vaca Amarela 2015, aconteceu na cidade o imenso festival de música popular, o Villa Mix, com Jorge e Mateus, Luan Santana, Wesley Safadão e Ivete Sangalo, entre as atrações. Se por um lado a concorrência dividiu o público de em busca de entretenimento na cidade, por outro ela revelou que em uma terra onde há a supremacia do sertanejo como gênero mais consumido, uma cultura de resistência à produção mais comercial fincou raízes – quase todos os artistas fizeram algum tipo de provocação com o evento simultâneo.

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O público que chegou mais cedo e preencheu de maneira mais contundente os espaços do Oscar Niemeyer, no domingo, teve um perfil mais bem definido: roqueiros, com camisetas pretas e tatuagens, somando-se ao público mais comum e aos mais jovens, instigados pela presença do Cone Crew. Possivelmente pela maior semelhança entre as atrações, a concentração de gente em frente aos palcos foi, em geral, maior, principalmente se tratando dos shows mais importantes.

Nada de novo

Entre os artistas que tocaram mais cedo no último dia de Vaca Amarela 2015, uma banda goiana e outra brasiliense conseguiram reunir um público considerável, respectivamente, o Dogman e o Dona Cislene. A primeira delas, um quinteto de rock, apresentou um repertório autoral, cantado em inglês, influenciado demasiadamente pelo grunge.

No segundo dia de Vaca Amarela 2015, Tulipa Ruiz cantou no meio do público.

O divertido vocalista – que assina como Haig Berberian, de barba proeminente e trajando uma camisa xadrez com calças e botas, apesar de ter terminado a apresentação sem camisa – foi simpático nos comentários, citando a torcida por Raul no reality show de culinária da Band Masterchef e brincando com o Villa Mix.

Em termos sonoros, o Dogman demonstrou ser extremamente competente na execução de arranjos e vozes, mas também uma criatividade insuficiente: não expande em nada o que fizeram Alice in Chains e Pearl Jam, por exemplo.

No palco menor ao lado, o Dona Cislene tocou às 19h30, provocando as primeiras rodas de pogo na plateia. Os brasilienses levaram ao festival um rock que pega emprestado dinâmicas de bandas como o Raimundos, adicionando doses cavalares de harmonia – especialmente nos refrães.

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A animada apresentação de meia hora de duração teve como curiosidade uma cover do Charlie Brown Jr. para “Zóio de Lula” logo depois de o vocalista – cuja aparência lembra muito a do cantor de antigo sucesso Vinny – Bruno Alpino (foto abaixo) queixar-se do pouco tempo de show e lamentar que o grupo teria “um puta repertório” para mostrar, caso tivesse mais minutos em cima do palco.

Força da intensidade

Talvez pelo perfil das bandas, o terceiro de Vaca Amarela teve uma quantidade muito maior de shows com entrega exacerbada dos artistas em cima do palco. O primeiro a surpreender pelo esforço foi o Maguerbes. Quinteto de hardcore paulista, o grupo nem contou com uma plateia tão numerosa, mas viu seu líder – o vocalista Haroldo Paranhos – eliminar praticamente todos os limites entre palco e pista.

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Já nas primeiras músicas ele estava berrando no meio do público, trocando abraços e afetos com os curiosos e fãs ali presentes. O palco, aliás, foi um dos locais menos frequentados por Paranhos em todos os 30 minutos de apresentação. Com uma camiseta branca de estampa do Metallica – cobrindo o tronco magro e exibido por ele diversas vezes –, o cantor parecia um Iggy Pop afetado e menos escatológico, sem deixar comprometer as performances vocais pela euforia física. O caos do momento, somado à potência das canções da banda, deve ficar na memória do público goiano por um bom tempo.

Quem também surpreendeu com uma apresentação intensa foi o Novonada. A entrega do trio ítalo-brasileiro residente em Londres não chegou perto do Maguerbes visualmente. Em termos de som, porém, o grupo desenvolveu um rock com doses de experimentação extremamente solto e original. Com vocais lúdicos e longas passagens instrumentais, o Novonada arrancou aplausos entusiasmados de uma plateia que parecia ter o primeiro contato com o som do trio no Vaca Amarela.

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Considerado uma lenda local, o Rollin' Chamas teve o terceiro horário mais prestigiado da noite, subindo ao palco perto de 1h da manhã. Mas muito antes disso, a passagem do grupo já era anunciada no festival: eles distribuíram bandeiras por todo o Centro Cultural Oscar Niemeyer, principalmente nas barraquinhas de food truck, com a bandeira de Goiás e o mantra da banda estampados: “Sou goiano e foda-se.”

O Rollin' Chamas lançou um álbum, autointitulado, há dez anos, e voltou aos palcos recentemente, alimentando o boca-a-boca acerca das apresentações curiosas. E esteve tudo presente no palco do Vaca Amarela 2015: um sofá velho (foto) em frente à bateria – onde uma pessoa com máscara de cavalo ficava fazendo air drums –, uma churrasqueira produzindo espetinhos distribuídos à plateia, drag queens dançando, banhos de cerveja e um vocalista usando vestido e peruca.

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“Falar de amor é muito fácil”, disse Fal Down, líder do Rollin' Chamas, zombando do movimento hippie e a música influenciada por ele. O grupo cantou que “O Papa Tá Com Aids”, a ultra-sincera “Você Transou” (“Sua pele está macia, seu cabelo esta brilhante, você está mais sorridente. Garota, você transou”) e sorteou um frango assado – comido avidamente pelo felizardo – em “Pic Nic Vaca Brava”.

Praticamente toda a produção do Vaca Amarela entupiu o palco do show, que elevou o conceito de escracho a novos patamares, justificando toda a mística acerca da banda. É difícil imaginar que o Rollin' Chamas possa almejar algo mais na carreira, mas é certamente uma experiência única assistir a uma apresentação do grupo, especialmente em Goiânia e próximo ao palco – afinal, se o som não agradar, há sempre a possibilidade de comer um ou outro espetinho de graça.

Rap do cerrado e do litoral

Duo de rappers de Goiânia, o Faroeste tocou no palco principal do Vaca Amarela, reunindo um público expressivo – mais que o presente nos últimos momentos do show da headliner do dia anterior, Tulipa Ruiz, por exemplo. Com repertório do álbum Bando de Dois, o Faroeste retornou ao palco do festival rimando sobre a contemporaneidade (“Tudo Muda”) tendo o cerrado como pano de fundo, em faixas curtas e diretas.

Tocando às 2h, o Cone Crew Diretoria foi responsável por encerrar a 14ª edição do Vaca Amarela. Porém, apesar do horário, o grupo carioca não chegou a ser a atração principal da noite, já que teve o show mais curto que o do Fresno, que tocou horas antes no mesmo palco.

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Se o rap nacional é comandado por artistas comprometidos com as causas negras e sociais – principalmente Emicida e Criolo –, o Cone Crew aparece como opção mais festiva à produção do gênero. Com cinco MC’s e um DJ em cima do palco, o grupo tem como principal bandeira a legalização da maconha, fazendo versão alternativa para “Amor de Chocolate”, do Naldo, emendando “Sem a Planta” com inserções de faixas de Gabriel, O Pensador (“Cachimbo Da Paz”), Roberto Carlos (“É Proibido Fumar”) e Rita Lee (“Erva Venenosa”), entre outros.

O grupo também aproveitou a ocasião – véspera de feriado de 7 de setembro – para criticar sem pudor o governo federal. “O dia da independência é o dia da ignorância”, comentaram, emendando o xingamento “Ei, Dilma, via tomar no...”, fazendo da frase um refrão para uma sessão de improvisos. Em outras oportunidades, os cariocas também criticaram o partido da presidente da República, o PT. A apresentação encerrou o Vaca Amarela 2015 mais de 3h da madrugada, com o hit que alçou a carreira do Cone Crew, “Chama os Mulekes”.

Melodia e catarse

Os shows com maior participação do público no último dia de Vaca Amarela 2015 foram das duas bandas de rock/metal melódico da escalação, respectivamente do Fresno e Aurora Rules. Com uma carreira sólida em Goiânia, o Aurora Rules subiu ao palco um pouco depois das 22h30 do domingo, 6, para desfilar canções recheadas de gritos, bumbos duplos e apelo melódico.

O nível de engajamento e identificação do público com a abordagem de bandas como o Aurora Rules – de faixas permeadas por temas de superação, às vezes se beirando a autoajuda – é provavelmente o fator mais determinante para fazer das apresentações verdadeiras experiências de cantos coletivos e simbiose entre os músicos e a plateia.

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Com algumas canções mais pesadas e sujas, o Aurora Rules promoveu rodas de pogo em faixas como “Disputa Carnal” e “Falso Julgamento”, sendo ovacionado irrestritamente pelo público. O vocalista Yuri Lemes Carvalho foi parar no meio da plateia em uma das performances, e o show teve o auge com a música mais conhecida da banda, “Eu Vou Vencer”, cantada em alto volume e abrindo o caminho para mais catarse e melodia com o show seguinte, do Fresno.

Após um início atrelado à internet e o sucesso radiofônico adolescente da segunda metade da década passada, a carreira do Fresno chega aos 15 anos, comemorada com um recente CD/DVD ao vivo, base para a atual turnê do quarteto – que no palco vira um quinteto. Diferentemente dos dias anteriores, o Fresno foi a atração principal, com o show de maior duração, apesar de não ser o último do dia.

Fresno faz "manifesto contra a futilidade" no EP Eu Sou a Maré Viva.

Dos épicos recentes “À Prova de Balas”, “Eu Sou a Maré Viva” e “Infinito”, passando pelo desabafo adolescente “Quebre as Correntes” até os coros pop de “Eu Sei”, a balada “Milonga” e os riffs agressivos de “Revanche”, o show é uma celebração da rica história da banda, com ênfase na fase atual, mais condizente com o momento dos integrantes e principalmente dos fãs.

Pelo menos no Vaca Amarela 2015, o público do Fresno atualmente é formado majoritariamente por pessoas com idade entre 20 e 30 anos, equivalente a dos principais integrantes da banda. Uma base de fãs fiel, que cresceu junto com o vocalista Lucas Silveira e o guitarrista Vavo Mantovani – membros originais remanescentes –, e para a qual hits radiofônicos como “Desde Quando Você se Foi” soam até deslocados no setlist, ganhando valor pela dose nostálgica que acompanha parte da apresentação.

Entrevista: Fresno celebra 15 anos de carreira com gravação de DVD ao vivo.

Faixas mais sofisticadas e intensas – e recentes – como “Eu Sou a Maré Viva”, “Maior Que as Muralhas” e “Acordar” promovem o sentimento de catarse com a participação da plateia, que canta junto sem nenhum pudor, como se expurgasse por alguns momentos uma carga negativa do dia-a-dia das respectivas vidas ordinárias.

“Quando o show é muito foda a gente ficar sem ter o que falar”, comentou o vocalista, em certa altura. As guitarras de “Revanche” encerraram a apresentação, sem dúvida a que despertou maior engajamento e quantidade de público em todos os três dias de festival. Se para o público médio o Fresno soa apelativo e dramático, a banda mostrou – tocando para milhares no Vaca Amarela 2015 – que em 15 anos de história adquiriu respeito, solidificando a vertente emotiva que foi vítima de maior preconceito no rock.

Diferentemente da grande maioria dos artistas brasileiros do gênero que flertaram com o mainstream nos últimos anos, o Fresno não precisa se apoiar em hits antigos para ter um show celebrado de ponta a ponta (“Polo” e “Alguém Que Te Faz Sorrir”, por exemplo, sequer entraram no repertório). Além disso, principalmente, o Fresno continua crescendo junto à base de fãs, extremamente ligada no que a banda está fazendo, permitindo ao quarteto ter uma carreira de dimensões únicas para um grupo de rock contemporâneo no Brasil.

O jornalista viajou a convite da produção