Trent Reznor, do NIN, gravou um disco na casa em que a "família" Manson matou a atriz Sharon Tate - Rob Sheridan/Divulgação

Cavaleiro do Apocalipse

Trent Reznor anuncia o fim dos tempos em Year Zero e deixa claro que o disco é uma obra conceitual, mas que também foi feita para dançar e fazer amor

Marta H. de Mendoza Publicado em 01/07/2007, às 00h00 - Atualizado em 20/02/2013, às 14h58

Tinha realmente que cheirar a sangue. A "Família" do assassino em série Charles Manson havia assassinado naquela mansão, em 1969, cinco pessoas e um bebê ainda não nascido em uma orgia de 103 punhaladas. Ao sair, ainda escreveram a palavra "Porco" na porta, com letras de sangue. Três décadas depois, o local deve ainda ter cheiro de morte. Quando o vocalista do Nine Inch Nails, Trent Reznor, comprou essa casa, ela foi batizada de "O Porco".

Michael Trent Reznor buscava, em 1994, a casa perfeita em Los Angeles para gravar o segundo disco do Nine Inch Nails - em um plano de isolar-se, para compor, durante um ano inteiro. Ele visitou 15 imóveis e não gostou de nenhum até que alguém o levou ao número 10050 da Cielo Drive. Reznor se encantou. O músico não tinha a menor idéia do que havia se passado ali: "Ninguém me contou nada, mas teria gostado mesmo assim", sorri de canto. Ali, o Nine Inch Nails compôs o disco The Downward Spiral - um tratado angustiante de um personagem autodestrutivo que perde o controle da sua vida e se encontra encurralado. Suas únicas defesas são o sexo e as drogas. Reznor compõe a trilha sonora da destruição e ainda tem o dom de deixá-la pop. E essa orgia de autodestruição e sadomasoquismo termina com "Hurt", um hino ao pessimismo.

Em 2002, johnny cash gravou uma versão da canção "Hurt" e a fez tão estremecedoramente sua que a roubou de Reznor. "Quando escutei, senti como se estivesse assistindo a outro cara transando com minha namorada. Era minha música, saída das minhas vísceras e ali estavam minhas palavras naquela voz enorme.Escrevi essa música em um dia - usei a metáfora da droga, mas ainda não era um viciado. Logo virei um, então ela foi como uma espécie de premonição na minha vida. 'Hurt' tinha nascido de um canto muito feio e escuro da minha cabeça e então um ícone de um mundo completamente diferente [Johnny Cash] faz uma versão que parece muito mais poderosa que a minha."

Bem, mas não foi a primeira vez que ele se sentiu assim. Nos anos 90, Reznor viveu uma espécie de síndrome de Doutor Frankenstein: ele havia mutilado muitos corpos e encaixado as partes com delicadeza até criar sua criatura - batizada de Marilyn Manson. Mas a criação se rebelou e se fez maior do que seu criador. Eles trocaram ofensas públicas por um tempo até decidirem fazer as pazes.

Mas o Nine Inch Nails é realmente uma fábrica para algumas belas obras do rock: Pretty Hate Machine (1989), Broken (1992), The Downward Spiral (1994) e The Fragile (1999). Este último deixou Reznor absolutamente vazio, assustado e com os braços abertos para os excessos: sexo, psicotrópicos e álcool em quantidades industriais. Em 2005, ele vomitou seus demônios e voltou com With Teeth. De alguma maneira, tomou para si a filosofia da montanha-russa.

Trent Reznor instaurou uma espécie de gincana para Year Zero. Depois de um show em Lisboa (Portugal) e outro em Barcelona (Espanha), alguns fãs encontraram no banheiro dois pen drives com duas músicas do disco: "Me, I'm Not" e "Violent Heart". Quando passaram as canções para o computador, em um apareceu um espectro sonoro desenhando uma espécie de garra e no outro um número de telefone que remete a uma secretária eletrônica de uma organização norte-americana. Ao ligar, ouvia-se uma angustiada conversa sobre pessoas prestes a morrer. E ainda tem mais: nas camisetas do grupo, se forma um acróstico que diz: "I'm trying to believe" (Estou tentando acreditar). E se você digitar iamtryingtobelieve.com acabará em um site em que se fala de uma "Presença" e de novas drogas como o Parepin e o Opal (um substituto para a cocaína).

O homem por trás do Nine Inch Nails é um sujeito baixinho, mas com olhos que mordem. Quando fala, costuma olhar de lado - deve afogar-se com sua própria timidez. É curioso porque, em cada disco, mostra-se fiel a um mantra que repete como uma canção de ninar: "Nada pode me deter agora". E Reznor se autodeteve milhões de vezes, por insegurança ou por sentir-se um nada. Ele acaba de lançar Year Zero, um álbum que gravou pouco mais de um ano depois de With Teeth, o que para o Nine Inch Nails é um tempo recorde.

Como era de se esperar, Reznor se veste de preto e ostenta braços geometricamente esculpidos. Pouco antes de chegar a Madrid (Espanha) para dois shows disputadíssimos, o vocalista do Nine Inch Nails falou com a Rolling Stone sobre sexo, profecias, espelhos e o anúncio explícito para o fim do mundo - que deve acontecer em exatos 15 anos.

Você explica que Year Zero é um trabalho que nasceu de uma fantasia sobre o fim do mundo. O que você realmente viu nesse Apocalipse?

Bom, é algo que vai ocorrer dentro de 15 anos. Sou apaixonado por ficção científica, assistia sempre na TV. Da forma como entendo o mundo, e sei que costumo ser pessimista, vejo que as coisas não estão funcionando, não estão bem. Chegamos em um ponto que não tem mais volta, e digo isso política, espiritual e ecologicamente. Year Zero traz diferentes pontos de vista de pessoas que precisam enfrentar uma verdade iminente: o fim.

Quando pensamos em ficção-científica, geralmente imaginamos um futuro bem distante, como o retratado em alguns filmes e livros do gênero. Mas você prevê um fim do mundo em 15 anos. Uma data que está bem próxima.

É algo muito pessoal. Quinze anos, para mim, é um limite, um tempo em que as coisas vão mudar muito. Quem sabe porque terei 57.

Você avisou aos seus fãs para que eles ouçam Year Zero várias vezes porque o disco "soará diferente e revelará mais coisas do que se espera". De alguma forma, sentiu a obrigação de dar esses conselhos porque as pessoas, hoje em dia, andam muito preguiçosas?

Fico angustiado em pensar que já não ouço discos como fazia antes. Anos atrás, podia repetir um disco até o infinito. Agora não. Será que é porque cresci e perdi a vontade? Ou é porque existe muita música? Ou porque há mil anos não escuto nada interessante? Quero que Year Zero seja como esses álbuns que quanto mais você ouve, mais descobre segredos que vão muito além do som. Os fãs do Nine Inch Nails estão quebrando a cabeça para descobrir se este é um disco político ou o quê. Mas não é uma crítica a Bush nem nada disso. Quem quer escutar canções sobre Bush? Year Zero é um álbum conceitual, está cheio de simbolismo e alguns significados ocultos.

Você também comentou que Year Zero "é perfeito para dançar e trepar".

Vamos pensar de outra maneira: com que banda - como trilha sonora - você seria incapaz de trepar? Creio que com System of a Down. Eu gosto muito, mas para fazer amor... Mas também não consigo escolher músicas minhas para isso. Seria algo como estar na frente de um espelho.

Mas dizem que espelhos e sexo são uma dupla perfeita. Os espelhos de teto têm essa fama, pelo menos.

[Gargalhadas] Fazer sexo ouvindo minhas músicas? Isso seria como ir para a cama com meus filhos!

Li alguma coisa sobre uma dança bastante comprometedora entre você e o Robert Smith, do The Cure. O que você lembra desse acontecimento? Onde foi?

Essa foi uma das melhores noites da minha vida. Eu morava em Nova Orleans e o The Cure tinha feito um show lá. Eles queriam fazer uma festa pós-show em um clube gótico e me chamaram. Ao entrar no lugar, vi o Robert Smith e, não sei como, nos abraçamos, falamos que nos amávamos e começamos imediatamente a dançar.

Em 1999, você disse, em uma entrevista, que nunca tinha sido feliz. Alguma mudança oito anos depois?

Estou mais seguro, então faço coisas de que gosto e isso me alegra.

Que cheiro tinha a mansão de Sharon Tate e Roman Polanski na primeira vez que você entrou lá?

A casa era lindíssima. Já foi demolida, mas tenho a porta principal no meu escritório. O cheiro? Mesmo sabendo que vou decepcionar você, preciso dizer que não cheirava a morte nem a corpos despedaçados.

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