Mulheres lavam mastros de barracas em um dos pouquíssimos poços de água restantes, em Mali - KAREN KASMAUSKI/CORBIS/LATINSTOCK

Inferno na Terra

Temperaturas nas alturas, aumento da extensão do deserto do Saara, inexistência de chuvas, incontáveis epidemias: como o Mali se tornou o país africano que mais sofre com os impactos do aquecimento global

Por Sérgio Adeodato Publicado em 16/03/2010, às 05h41

Negro e albino, Abdoulaye Coulibaly, 23 anos, sofre na pele sensível aos raios solares uma ameaça que vai além do calor tórrido, mais intenso, devido aos efeitos do aquecimento global na região do deserto do Saara, na África Ocidental. Pessoas nessas condições, consideradas símbolos de má sorte com poderes sobrenaturais, correm perigo latente de assassinato em rituais satânicos na República do Mali e em outros países africanos. De maneira impiedosa, albinos são caçados e têm as partes do corpo vendidas para bruxos no mercado clandestino. Em abril passado, esse temor levou o malinês Abdoulaye a se arriscar a bordo de um barco lotado de refugiados para navegar no Atlântico até a costa de Tenerife, nas Ilhas Canárias. "Escapei de duas tentativas de sequestro", contou o imigrante, justificando a fuga e o pedido de asilo à Espanha, prontamente concedido. Em pleno século 21, a ameaça assusta. E não foi Michael Jackson e suas mudanças de visual em busca da alvura que acordaram o mundo para a questão "branca" no continente africano. O problema dos negros geneticamente desprovidos de melanina, a proteína que confere pigmentos escuros à pele, ganhou projeção internacional com o cantor Salif Keita, conhecido como "a voz dourada da África". Também albino, o músico malinês de fama mundial tem o status de descender diretamente de Sundiata Keita, o fundador do Império do Mali (1230-1600). Em Paris, onde vive, o artista mantém uma fundação de apoio a pessoas com essas características em seu país, que é sustentado economicamente por doações no esforço por superar não somente o preconceito, como também a miséria e a degradação do ambiente natural.

A dimensão cultural dá contornos trágicos ao problema da fome. Se o jovem Abdoulaye fugiu de uma perseguição tácita e criminosa, uma multidão é forçada a imigrar porque a terra está perdendo as condições de produzir. Longe das florestas que embelezam cartões-postais da África, aquele pedaço árido do continente tenta sobreviver ao seu maior castigo na atualidade: os impactos do aquecimento global. Em todo o mundo subdesenvolvido, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 26 milhões de habitantes se deslocarão nas próximas décadas como refugiados do clima. "Precisamos de respostas mais seguras sobre o que acontecerá com um terço da população mundial que vive na pobreza", reclama Jean Fabre, diretor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Em Tamala, região central do Mali, se constata o tamanho do desafio. É mês do Ramadã, data sagrada na qual os muçulmanos celebram a fé e jejuam da alvorada ao pôr-do-sol. Os homens rezam em grupo, ajoelhados ao ar livre nas calçadas. O lavrador Adama Samané, chefe de uma das 46 famílias locais, suplica por chuvas. Faz lembrar a crença do sertanejo brasileiro nos poderes do Padre Cícero. Com uma diferença: no país africano, o "santo" é outro, embora o "milagre" também venha dos céus. Ao custo de US$ 14 milhões, pagos nos últimos cinco anos a uma empresa americana, aeronaves militares bombardeiam sal em nuvens para produzir tempestades. Além de caro, o método é polêmico e ultrapassado. Já foi aposentado na maior parte do mundo, inclusive no Brasil, onde décadas atrás chegou a ser utilizado para molhar o sertão do Ceará e até para abastecer reservatórios de água em São Paulo. Mas mostrou-se técnica e economicamente inviável. No Mali, sobre o chão rachado de tão seco, Samané acredita no "milagre". "Com a chuva programada, sabemos o tempo certo de plantar", festeja o camponês. Sem água, diz ele, "os jovens vão tentar a vida nas cidades maiores". Normalmente, quando chega a estação úmida, as gotas da chuva minguada que caem na terra quente e seca evaporam, sem penetrar o suficiente no solo. Os técnicos responsáveis pelos sobrevoos garantem que as precipitações artificiais aumentaram entre 10% e 25%, com incremento de 50% na produção agrícola. Mas as vozes de comando não são dos meteorologistas ou do governo, e sim da religião e da rígida hierarquia dos clãs que definem o uso da terra e da água, a produção dos plantios e as práticas de desmatamento - fatores intrinsecamente ligados ao clima e suas mudanças que tanto preocupam o planeta. "Já não sabemos quando começa e termina a estação chuvosa, o que tem aumentado a necessidade de irrigação, com maior pressão sobre os rios", explica Sidi Konaté, cientista do Centro Nacional de Pesquisa e Ciência. O governo do Mali, por sua vez, prepara um programa para minimizar os efeitos das mudanças climáticas. "Precisamos de tecnologia, mas também de capacidade para utilizá-la", arremata Mamadou Gakou, chefe da secretaria de governo responsável pela área ambiental.

O cenário à beira das estradas expõe os limites de um país para romper o atraso de tradições milenares que perpetua a pobreza e dificulta vencer os efeitos do clima em transe. Mali é considerado hoje o país africano que mais sofre com as mudanças na temperatura da Terra. A desertificação atinge em cheio o rio Niger, um dos maiores e mais importantes da África, responsável pelo abastecimento de cidades e pela irrigação dos cultivos ao longo de seus 4.180 km até desaguar no Oceano Atlântico.Desde a década de 70, as chuvas diminuíram 20%, reduzindo pela metade o volume do rio - a cada ano, o Niger perde 30 bilhões de metros cúbicos de água. Minguado, o rio acaba entupido com o barro que escorre das plantações. O impacto não atinge só os crocodilos, em menor quantidade por lá: com menos água e mais calor, o rio sofre a invasão de plantas estranhas àquele ambiente natural, que chegam de outras regiões do planeta e se proliferam indiscriminadamente, prejudicando a navegação e a geração hidrelétrica. O rio menos volumoso rebaixou os lençóis de água subterrânea, o que obriga a perfuração de poços cada vez mais profundos para abastecer a população. Para completar o cenário de penúria, a fartura de peixes também diminuiu. No vilarejo pesqueiro de Guenin, próximo à cidade de Ségou e às margens do rio Niger, os ribeirinhos aumentaram a extração de ervas para fazer remédios contra a malária - doença agravada pelo clima modificado, que alterna o equilíbrio ecológico e cria condições para a proliferação dos mosquitos.

A beleza inigualável do pôr-do-sol no Niger, em Ségou, mascara os problemas da região. "Sem drenagem, as cidades sofrem constantes inundações e a população, sobretudo crianças, está permanentemente exposta a doenças infecciosas", afirma o médico belga Patrick Denis. Casado com uma brasileira, ele trabalhou no Brasil em projetos contra tuberculose e hanseníase. Hoje, suas atenções estão focadas no Mali, onde 45 anos é a expectativa de vida dos homens e 49 a das mulheres.

A realidade é difícil, e os recursos para investir em saúde inexistem: "Há poucos médicos e os jovens doutores recém-formados estão sem trabalho", lamenta Denis. Na vila histórica que deu origem a Ségou, o dinheiro vai direto para o bolso de Kaké Coubibaly, chefe do grupo étnico "bambara", que comanda com mão de ferro a vida local. As decisões, inclusive sobre casamentos, briga de família ou disputas financeiras entre moradores, são tomadas por ele no templo animista - um castelo de barro que se destaca na rústica arquitetura terracota do lugar. Naqueles dias de Ramadã, o guru não bebe, não fuma nem pratica sexo para manter o corpo "limpo". TV, internet ou notícias sobre os problemas do mundo são inacessíveis e não despertam interesse no vilarejo. A realidade no Mali ilustra as dificuldades da pobreza na luta contra o aquecimento global. "A instabilidade social e institucional torna os países menos desenvolvidos ainda mais vulneráveis, com risco de guerras pelo acesso aos recursos naturais, como a água, indispensável à vida", declara Walter Furst, diretor da entidade Global Humanitarian Forum (GHF). O clima no país transformou- se em questão de justiça. A população mais pobre é a que menos emite gases do efeito estufa e a que mais sofrerá as suas consequências. Na África, estão 15 dos 20 países sob maior risco no mundo, e que liberam menos de 0,7% do total de carbono lançado na atmosfera do planeta por indústrias, automóveis e desmatamento. De acordo com o relatório "A Anatomia de uma Crise Silenciosa", recentemente publicado pelo GHF, há no mundo 500 milhões de habitantes em situação de perigo extremo por causa do aquecimento global. Seis entre dez pessoas estão vulneráveis a desastres ambientais e impactos socioeconômicos graves, principalmente nas regiões semiáridas entre o Norte da África e o Oriente Médio e a Ásia Central, além dos pequenos paísesilha, ameaçados pelo avanço do mar. "É preciso senso de urgência, pois os modelos de previsão climática já demonstram que os efeitos do aquecimento são mais rápidos e agressivos do que se imaginava", adverte o relatório. O estudo estima em 315 mil o número de mortes que já acontecem por ano, em decorrência da mudança no clima - mais do que a quantidade de vítimas fatais do tsunami de 2008 no Oceano Índico. Exagero ou não, o fato é que renomados cientistas que participaram do relatório também concordam sobre as cifras do prejuízo. A perda econômica dos impactos do clima é estimada em US$ 125 bilhões por ano, com reflexos sociais. De acordo com a ONU, o aquecimento aumentará o número de famintos em dois terços nas próximas duas décadas, colocando em risco os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para reduzir drasticamente a fome e a pobreza no mundo até 2015.

Na Etiópia, todas as noites, de segunda a sábado, o meteorologista Solomon Yohannes apresenta a previsão do tempo em horário nobre na TV. A audiência aumenta, à medida que o clima endoidece. Grandes enchentes, como a que assolou o país em 2006, foram previstas pelo apresentador. "Fui chamado de louco e mentiroso por autoridades que não queriam tomar providências contra catástrofes", conta Yohannes. Ele diz que tem temperatura do Atlântico e do Pacífico está modificando o clima na África e a população precisa saber sobre os seus efeitos". A estação chuvosa, hoje mais curta, reduz a produção de alimentos, afetando 25 milhões dos 75 milhões de etíopes. A desnutrição atinge 100 mil crianças - e o que já é um problema crônico pode ganhar uma escala imensurável, que não poupa esse e muitos outros países do continente. Em Uganda, as secas severas ocorrem com mais frequência e a produção agrícola caiu um terço, com prejuízo para a maior parte da população, que vive da agricultura de subsistência.

No Mali, não é diferente. "Os produtores não estão interessados no clima do futuro, mas sim no que acontece hoje, na sobrevivência imediata", afirma Boubakar Dembele, responsável por obter recursos e apoio técnico do exterior para enfrentar o aquecimento global. Para o meteorologista malinês Daouda Diarra, "os fazendeiros já sentem no bolso esses efeitos, mas faltam forças para virar o jogo". Os sinais das mudanças climáticas são visíveis. O lendário deserto do Saara, o maior do mundo, que ocupa grande extensão de área no norte do país, já aumentou 200 km para o sul, e continua se expandindo, tornando estéreis regiões até então produtivas, com impacto no aumento da miséria e da fome. São, ao todo, 9 milhões de km2, quase a área de toda a Europa. E chegar lá é uma aventura perigosa, pois aquela "terra de ninguém" tornou-se alvo de pilhagem por terroristas do Al Qaeda, refugiados na aridez desabitada. Na cidade de Mopti, próxima ao deserto, a temperatura média é hoje 1 0C maior que há 50 anos. Parece pouco para quem vive por décadas com quase nada, vagando sobre dromedários à procura de um oásis. Mas o aumento no calor é significante, e muito, quando se medem os efeitos no regime das chuvas e nos ventos no plano regional. Mais intensas, as tempestades de areia no deserto colocam em perigo um rico patrimônio histórico do Mali, herança de quando o país se distinguia como polo de riqueza, poder e glória. Retrato da época áurea é a cidade de Timbuktu, antigo centro espiritual e intelectual do Islã, fundada por nômades do deserto no século 10. Situado a 15 km ao norte do rio Niger, o lugar floresceu como importante entreposto comercial que interligava a Europa e os povos árabes do norte ao restante do continente africano. Entre suas mesquitas medievais, destaca-se a Sanlore, que deu origem à conceituada Universidade de Timbuktu, onde está guardado um tesouro de 100 mil manuscritos pré-islâmicos sobre astronomia, música, comércio e botânica.

Um provérbio do oeste africano diz que "o sal vem do norte, o ouro vem do sul, mas os tesouros da sabedoria vêm de Timbuktu". A universidade tinha organização bem diferente da das europeias. Era composta por várias faculdades independentes, cada uma dirigida por um mestre. Não havia uma administração central, registro de estudantes ou disciplinas obrigatórias. As aulas aconteciam nos pátios das mesquitas ou em residências particulares. A base era o ensino do Alcorão, além da lógica, da astronomia e da história. E o lucro com a venda de livros perdia apenas para o comércio de sal, um dos produtos que tornaram a região rica por séculos até entrar em decadência. O declínio do Império do Mali, a partir do século 17, foi marcado por invasões de traficantes de escravos, inclusive portugueses, e por aventureiros marroquinos que levaram o país à bancarrota. Hoje, com 40 mil habitantes em meio ao deserto, Timbuktu é uma cidade pobre. Mas, devido ao prestígio do passado e à arquitetura que se conserva, foi ironicamente reconhecida em 1988 como Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco.

A República do Mali está hoje em 12º no ranking dos países mais miseráveis do mundo, a contar pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O arroz é a base da alimentação e da riqueza nacional. É também foco de conflitos, porque a desertificação impulsionada pelas mudanças no clima global reduz a água para irrigação e as áreas boas para cultivo. Os proprietários disputam o recurso escasso. Na cidade de Sun, na região nordeste do país, os chefes da comunidade são os juízes do certame, impondo ordem na briga. Os anciãos legislam sobre a distribuição de terra e o uso da água. Ao redor de uma comprida mesa de reunião, vestidos a caráter com gorros e camisolões brancos, eles rezam para Alá enviar bons fluidos antes de apresentarem o projeto aos forasteiros. Apesar dos limites, com ou sem o empurrão dos deuses, o trabalho está dando certo. Recebendo dinheiro do exterior, os produtores melhoraram a irrigação e plantaram 6 mil mudas para recompor a vegetação e reduzir a erosão do solo. Substituíram herbicidas químicos por naturais. Como resultado, a produtividade do arroz aumentou dez vezes, com ganhos econômicos e sociais, e menos impactos no rio Bani, de onde partem os canais que molham os cultivos.

O projeto envolve 500 produtores, mas há outros dois mil na fila. A adaptação às mudanças climáticas não é só plantar árvore para capturar carbono da atmosfera, mas ter terra em condições para cultivar alimento. "Mas o fator cultural é uma barreira", lamenta Michel Cadalen, coordenador do Programa de Cooperação Bilateral Mali-Luxemburgo. Quando se tornou independente da França, há quase 50 anos, o país tinha três milhões de habitantes. Hoje, são 12 milhões - e 85% dependem dos modelos tradicionais de produção no campo. "A ordem dos caciques locais é mais poderosa que a lei", diz. No Mali, a corrupção impera, das altas esferas de governo ao tecnocrata requisitado para carimbar documentos. Dos US$ 3,8 bilhões investidos anualmente em desenvolvimento econômico e social no país, quase a metade tem como origem recursos do exterior. "Pelo menos 10% da ajuda internacional é desviada pela corrupção", denuncia Cadalen, enfatizando que o problema era bem pior. O que dizer sobre o real destino do dinheiro que está sendo transferido dos países ricos para a adaptação dos mais pobres às mudanças climáticas?

Parte vai alimentar o cemitério de "elefantes brancos" inacabados, em Bamako, a capital do Mali. Os esqueletos de edifícios abandonados indicam que um dia as doações externas chegaram, foram provavelmente desviadas, e, mais tarde, faltou dinheiro para continuar as obras. É assim na construção do novo aeroporto internacional, nos prédios que abrigarão as sedes dos ministérios e até no futurístico projeto do edifício do Serviço Nacional de Meteorologia - o mesmo que reclama mais verbas externas para os preparativos contra o aquecimento global. Na orla fluvial, destaca-se o luxuoso arranha- céu do Central Bank of West African com seus 20 andares. Nas ruas, por onde correm valas com esgoto a céu aberto, vende-se de tudo: de camas e guarda-roupas a alimentos, sem qualquer condição de higiene. E basta uma chuva rápida para a cidade, com todas essas mercadorias ao relento, ficar alagada. Para lá convergem lavradores empurrados pela desertificação no campo. Na nova vida, os homens, não raro, trabalham como costureiros. As oficinas de costura têm sempre a porta aberta para a rua, mantendo nas calçadas os cabideiros com os vestidões multicoloridos típicos da moda africana. O trânsito travado, apinhado de carros velhos e motocicletas que emitem enorme fumaça negra, mostra uma capital que cresce sem dar importância ao meio ambiente. Bamako, enfim, é um retrato do caos. E também de contrastes. Lá é realizada anualmente a Bienal Africana de Fotografia, que em 2009 teve como tema "Fronteiras" - o drama em busca de uma vida melhor longe do continente. Apesar da longa tradição do evento, moradores locais permanecem arredios a câmeras fotográficas. Acham que as lentes "roubam" a alma.

Ao longo das estradas, a lenha empilhada na frente das casas sinaliza um dos maiores problemas ambientais do Mali e de toda a África: a queima de biomassa para cozinhar, com emissão de fuligem dentro e fora das residências. Além do efeito maléfico à saúde, os poluentes exalados pelas chaminés das cozinhas contribuem para o efeito estufa, aquecendo mais o planeta. "Nos países pobres, os fogões a lenha têm peso importante como fonte do chamado 'carbono negro', responsável por quase 2,6 milhões de mortes prematuras por ano, no mundo", adverte Achim Steiner, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Nas rodovias, outdoors conclamam a população a trocar seus fornos por modelos mais eficientes, oferecidos por um programa do governo.

No curso da rota da fumaça, atingimos a estrada que serve ao tráfico de drogas entre Mali e a vizinha Nova Guiné. Para permitir a passagem dos veículos, a polícia cobra propina em "pedágios" improvisados com tambores de óleo que formam uma barreira na pista. Uma placa indica o acesso a uma escola rural, sede de um projeto do governo em parceria com a ONG Mali Folk Center, que ensina jovens a buscar um modo sustentável de vida. "É preciso recuperar métodos antigos, como o aproveitamento da água da chuva, esquecido após a perfuração de número exagerado de poços artesianos nas últimas décadas", explica a geógrafa Oumon Dicko, coordenadora das atividades no local. Os alunos aprendem técnicas de agricultura orgânica e plantam espécies nativas para uso futuro em sistemas de agrossilvicultura, menos agressivos ao solo ao mesclar cultivos com floresta. Há, enfim, motivos de esperança, embora mudanças por aqueles lados só costumem acontecer depois de muito, muito tempo.

A tradição no Mali é o conhecimento ser transmitido oralmente de geração em geração. "Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima", costumava dizer o etnólogo e historiador malinês Hampâté Bâ (1900- 1991), um dos principais pensadores africanos no século 20. Atencioso com os clientes, "para os quais consigo o que desejarem", o guia turístico Barry Amadou resume em poucas palavras o peculiar jeito de ser no país: "Nossa cultura é baseada na calma. O mundo pode estar acabando, mas para nós está tudo ótimo". Mas e o aquecimento global? "Não! Vamos falar de coisas mais divertidas", ele brinca, com a fala mansa e arrastada, que só denota o estado de espírito padrão de um local onde o calor só serve para reduzir o ritmo da vida.

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