Fred Ferreira, Mallu e Marcelo Camelo formam a Banda do Mar - Pedro Trigueiro/Divulgação

A candura roqueira da Banda do Mar: “Queremos ser felizes”, diz Marcelo Camelo

Grupo de Camelo, Mallu e do baterista português Fred Ferreira excursiona pelo Brasil antes de voltar para Portugal

Pedro Antunes Publicado em 31/10/2014, às 19h01 - Atualizado às 19h51

Por Pedro Antunes

Marcelo Camelo e Mallu Magalhães caminhavam em uma daquelas inúmeras ladeiras de Lisboa, dias após se mudarem de vez para a capital portuguesa, quando foram abordados por um artista local relativamente conhecido. “Vocês deveriam montar uma banda”, disse o homem, antes de partir. “Não vamos colocar tudo na conta dele, mas já estávamos nesse movimento”, explica Camelo, ainda embasbacado com o ocorrido, à Rolling Stone Brasil.

Tudo em Família. Marcelo Camelo e Mallu fizeram, enfim, o que os fãs sempre pediram: montaram uma banda.

Sentado no canto do hall de um hotel na região do Jardins, em São Paulo, Camelo falava pela primeira vez com a imprensa brasileira sobre a então novíssima Banda do Mar, fundada então ao lado de Mallu e de Fred Ferreira, baterista português amigo do músico carioca há dez anos.

O trio nasceu no fim de 2013, passou por dois períodos em estúdios portugueses e se materializa em um disco homônimo, lançado no fim de agosto. Ferreira, recém-chegado no Brasil, mostrava uma pontinha de saudade de Lisboa – o casal tinha vindo antes para visitar a família. A saudade da Terrinha deve estar grande. A Banda do Mar anunciou uma turnê pelo país – a primeira deles como grupo – e se apresenta, nesta sexta-feira, 31, às 22h, na casa paulistana recém-inaugurada Áudio Club (Av. Francisco Matarazzo, 694 – Barra Funda).

A entrevista, realizada em 20 de agosto, marcava o segundo dia de ensaio dos três para os shows. “No estúdio, nunca se toca junto”, diz Ferreira, ao relatar que estão se descobrindo como banda. “Começamos no estúdio para fazer um disco. E agora estamos a ensaiar. Foi o contrário”, conclui o português.

Crítica: Disco Banda do Mar reflete o estado de espírito de Lisboa

Até mesmo falar com a imprensa como grupo novidade para o trio acostumado às entrevistas. “Ajudem-me aqui”, pede Ferreira, ao tentar detalhar a sonoridade da banda. “Como assim? Estou tendo uma aula!”, responde Camelo, padrinho da filha do baterista. Ainda assim, de vez em quando, um deles complementa o pensamento do outro. “Queremos ser felizes, cara. A gente se adora”, diz o carioca. Ferreira continua, ao dizer que os três estão “curtindo esse disco”, seguido por Mallu: “Estaríamos fazendo alguma coisa. Seja montando uma banda, seja jantando juntos, seja fazendo os dois!”

Saiba mais detalhes da turnê da banda no Facebook oficial.

Leia, abaixo, a entrevista na íntegra com Camelo, Mallu e Ferreira, a Banda do Mar:

É a primeira entrevista de vocês, então tenho um monte de coisa para perguntar. Para começar, que tal saber um pouco da história desse nome, Banda do Mar? É um nome que me inspira leveza

Mallu Magalhães: O que é muito legal é que, para cada pessoa, essa palavra gera uma impressão diferente. Encontramos gente que diz: “nossa, esse nome me remete a uma praia”. Outros dizem que tem a ver com aventura, uma coisa até amedrontadora. Essa polaridade tem muito a ver com o som que a gente está fazendo. Sinto uma pluralidade no nosso som e nosso nome é simples, mas carrega tanta coisa. Quem sugeriu foi o Marcelo.

Marcelo Camelo: É difícil fazer uma análise sobre um nome. Porque, na verdade, todo nome é um desafio. E diante desse desafio, ficamos tentando chutar uns nomes.

Entrevista Rolling Stone: ícone de uma geração posicionada entre o rock e a MPB, Marcelo Camelo renega o papel de porta-voz.

[Mallu interrompe e mexe nos cabelos de Cabelo]

Mallu: Você tá completamente descabelado!

Camelo: Aqui não tem ninguém vendo, pô!

Mallu: Tem um para cá e outro para lá.

[Camelo se ajeita no sofá e continua.]

Camelo: Ficamos convivendo com essa dúvida por um tempo e a experiência com o nosso som trouxe esse nome para gente Se você faz uma banda, você precisa de um nome para ela. É um nome bonito, tem múltiplos significados. Você falou de leveza, mas pode se ruma leitura diametralmente oposta, de peso, profundidade. É bonito que seja espelho tão múltiplo, que cada pessoa possa ver. No fundo é um desafio. O nome veio no final do processo.

Mallu: Era uma das nossas questões.

A ficha técnica diz que vocês gravaram por um inverno e uma primavera. Foi tudo em Lisboa?

Fred Ferreira: Foram três processos, a partir de setembro e outubro do ano passado. Começamos pensando na vossa [Camelo e Mallu]. E no dia 1º de fevereiro fomos para o estúdio. Lá foi onde começamos a ouvir esse repertório e a pensar nas coisas. Em fevereiro, fizemos um trabalho intensivo pré-produção e gravação que se estendeu até maio, mais ou menos. Em maio, fomos para outro estúdio, fazer uma captação de baterias, guitarras, baixo e algumas vozes. O trabalho começou levemente em outubro e mais intensamente em fevereiro. Foi longo e curto ao mesmo tempo.

E essas músicas? Vi no encarte que vocês assinam individualmente cada um. São músicas antigas ou o processo de composição foi coletivo?

Mallu: Algumas são antigas, outras foram feitas para o disco. A mais antiga, eu acho, é “Me Sinto Ótima”.

Camelo: No trabalho de composição, às vezes você acumula algumas ideias, quando decidimos fazer um disco, olhamos para aquelas coisas e às vezes trazemos lá de trás. Era um comecinho que tinha ficado meio ali e outras são inspirações por causa da banda. Acho que essa coisa de ter ações acumuladas ao longo do tempo é o que dá dimensão para um disco. Parece longo, um ano, mas tocar umas músicas um pouquinho depois, essas ações de dilatação do tempo dão uma dimensão para o negócio. Eu acho maneiro que tenha uma mais antiga e uma mais nova, uma sei lá o que. Isso dá uma variedade, ajuda a funcionar como um organismo.

Veja a lista com as 25 melhores músicas nacionais de 2008, eleitas pela Rolling Stone Brasil.

O primeiro show de vocês será em um auditório, em Porto Alegre, e depois farão em casas de rock como Circo Voador (Rio de Janeiro) e Áudio Club (São Paulo). São ambientes bem diferentes para o mesmo som. Como encaram isso?

Mallu: Pensamos nisso, que nosso primeiro show seria sentado. E precisava ser expansivo. Depois, lembramos da experiência [da banda do Fred Ferreira] Ovelha Negra, que é uma das bandas que a gente mais gosta e vimos vários shows sentados.

Ferreira: Eu gosto de ver um espetáculo sentado e se sentir a necessidade de levantar, eu vou até ali na frente e levando. A mim não afeta.

Há quanto tempo vocês estão no Brasil?

Ferreira: Dois dias

Camelo: Chegamos um pouquinho antes para ficar com a família.

Vocês não haviam tocado juntos, certo? Como tem sido a experiência?

Ferreira: Sim. Em estúdios não tocas bem junto. Toca uma parte e depois outra. Foi quase isso. Começamos a tocar juntos anteontem.

Camelo: Havíamos tocado com ela [Mallu], mas as nossas músicas só estamos fazendo agora, depois de trabalhar nelas por meses. Sentar e tocar todos ao mesmo tempo é novo para nós.

E como as músicas estão soando?

Mallu: Tentamos prever esse problema, mas só a prática consegue chegar para uma solução. Estamos dispostos a refazer os arranjos. Vamos tocar nosso repertório solo. E acho que está soando tão bem.

Ferreira: Está mais rock do que no disco, sim. Mas quando falamos de nunca termos tocados juntos é porque normalmente as bandas começam na garagem e depois vão para o estúdio. Não, a gente começou no estúdio para fazer um disco. E agora estamos começando a ensaiar. Foi o contrário.

Mallu: Essa delimitação dos instrumentos da formação da banda nos obriga a manter nessa roupagem rock, né? Isso é até estranho, quando a gente diz rock.

Ferreira: É o nosso rock.

“Nova” e “velha” Mallu Magalhães se encontram na turnê do disco Pitanga.

E como foi construído esse rock de vocês?

Ferreira: É uma surpresa, para mim, que a gente tenha chegado a esse som. Nosso desafio maior foi fazer algo diferente dentro da banda que não estivesse na nossa zona de conforto. Ajudem-me aqui!

Camelo: Ajudar no que? Isso aqui é uma aula!

E queria saber mais de como vocês se conheceram.

Mallu: Sou a mais recente do trio. Eles são amigos há muito tempo.

Fred: Há uns dez anos, mais ou menos. Fomos apresentados por um amigo do Marcelo lá de Portugal, mesmo.

Camelo: Somos muito amigo há mais de dez anos. Sou padrinho da filha dele. É amigo, amigo, mesmo.

Ferreira: É família. Nos falamos quase todos os dias. O meu filho mais velho, se fica longe deles muito tempo, já fica com saudade.

Mallu: Ai que fofo!

Dez anos. E há quanto tempo vocês têm a ideia de um projeto juntos?

Camelo: A possibilidade só existiu agora. Há um ano, antes da gente chegar em Portugal. A gente ia e passava temporadas. Tivemos a ideia da banda e nos mudamos.

Mas e o estopim para a criação da Banda do Mar. Alguém jogou a ideia?

Camelo: Quando nos mudamos para Lisboa, naquele mesmo dia, encontramos um cara numa ladeira.

Mallu: Estávamos com essa dúvida. Será que a gente vai para Portugal? Tínhamos saído dessa conversa, tínhamos essa ideia vagando.

Ferreira: Não era muito viável. Quero dizer, poderia não acontecer. Falamos sobre isso, mas não combinamos.

Mallu: O Fred ficou duvidando por um tempão.

Ferreira: Poderia não dar.

Camelo: E então cruzamos com um cara na rua, lá em Lisboa. E ele falou: “Sabe, vocês deveriam fazer um trabalho juntos. E foi embora.

Mallu: É! Uma coisa assim: “Vocês deveriam fazer uma banda.” Foi perto de casa [em Lisboa]. Voltamos para o Brasil somente para buscar os gatos.

Os gatos? E como foi a mudança?

Camelo: Nossos gatos são absolutamente selvagens. Difícil? Difícil é dar entrevista. Botar o gato na casinha para viajar é outra modalidade. Os nossos gatos são especiais, cara.

Mallu: Um cara do veterinário que fala que até trabalhou em zoológico, que nunca teve problema com gato. Levamos ele na nossa casa...

Camelo: O cara precisou dar a anestesia na gata no ar!

Assista ao clipe de “Mais Ninguém”:

E quem foi o sujeito que falou que vocês deveriam ter uma banda?

Camelo: Acho que ele toca numa banda portuguesa chamada Osquais, mas não é o Tomás [Cunha Ferreira, violonista e percussionista do grupo].

Mallu: Ah, eu adoro Osquais.

Camelo: Ele e o Tomás são uma simpatia. Não vamos colocar tudo na conta dele, mas estávamos nesse momento.

E como se denomina a Banda do Mar. É projeto, banda, coletivo?

Camelo: Não sei qual é a diferença. A gente é uma banda, né?

Ferreira: Pode durar um disco ou pode durar dez.

Mallu: Um dia desses, tomava café da manhã e ia participar de um projeto para falar de composições. E ela falou: “Mas você agora não está fazendo uma banda?”

Eu consigo entender esse descompromisso.

Camelo: Queremos ser felizes, sabe? A gente se adora, estamos super felizes em estarmos juntos e é só isso que importa. Pô, poder viajar com o Fredinho, que é nosso irmão. Mostrar a ele o Brasil e viajar com ele por Portugal também.

Ferreira: Estamos curtindo esse disco, somos amigos.

Mallu: A gente estará junto fazendo alguma coisa sempre, seja jantando ou fazendo uma banda. E, às vezes, os dois ao mesmo tempo.

E em que momento e como essas músicas ganharam forma?

Camelo:A gente foi escavando as canções. Foi um processo similar ao que fizemos com o Pitanga,da Mallu, com o disco do Wado. Fazendo assim: vamos gravar na melhor velocidade e tom para você e, depois, vamos esculpindo o entorno da canção. Sempre juntos.

Mallu: Às vezes percebíamos que faltava um trecho e passávamos o dia todo no estúdio, ou em casa, trabalhando eles. Algumas músicas tiveram versões em voz e violão, ska, punk

Camelo: Mas a mais legal é a que está no disco. São avanços no estúdio. Isso é muito legal.

Marcelo, na última pergunta, queria saber como a cidade na qual você vive para compor influi nas músicas. Sou é muito carioca, assim como Toque Dela é bem paulistano. Apostaria que Banda do Mar é lisboeta.

Totalmente, cara. Eu sempre percebo que a velocidade de onde o disco é feito é determinante para o jeito com que as músicas se formam. Lisboa, cara, Lisboa tem aquela luz. Sei lá. Não é o que os nossos olhos veem, mas o que a gente sente. Os sons da cidade, a umidade, o cheiro, o conjunto de sensações nas quais tudo está em sintonia. Porque quando você fez aquilo, aquele conjunto de sensações está em torno de você, embebido daquilo. Um português já disse que Toque Dela não era um disco tão exuberante. É mais adornado, mas tem menos ess coisa de Mata Atlântica do Sou. Banda do Mar tem uma coisa mais límpida, alguns agudos. E que é aquela luz de Lisboa.

Ferreira: Sim, Lisboa tem uma luz característica. Ai, até bate uma saudade.

Ouça o disco completo da Banda do Mar:

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