Capa do livro <i>O Parricídio</i>, de Beeau Gómez e Rodrigo Qohen, com prefácio de Laerte Coutinho - Reprodução

Apresentado na última CCXP, O Parrícidio converge surrealismo e poesia marginal em experiência psicanalítica

Produzido a quatro mãos, o trabalho de Beeau Gómez e Rodrigo Qohen conta com prefácio da cartunista Laerte

Gabriel Nunes Publicado em 05/12/2016, às 17h29 - Atualizado em 06/12/2016, às 18h49

Um homem e uma lagosta – que na verdade é um telefone. A princípio, a inusitada premissa pode até soar como uma adaptação rudimentar do filme O Lagosta, de Yorgos Lanthimos, ou então como uma óbvia referência ao emblemático objeto surrealista de 1936 Telefone-Lagosta, criado pelo artista plástico catalão Salvador Dalí. No entanto, O Parricídio escapa do lugar comum e transcende o prisma dos pastiches de citações filosóficas e alusões a vanguardas artísticas.

Com texto de Rodrigo Qohen e arte de Beeau Gómez, o trabalho gira em torno de Remi, uma personagem tão hermética quanto o traçado que dá forma a ela. “Ele é um indivíduo que reprime todas as memórias traumáticas. Na história, partimos do ponto em que ele busca dentro de si a autolibertação”, declara Qohen. “Buscamos alguns traumas que podem acontecer com uma pessoa em um estágio muito prematuro de desenvolvimento, de descoberta. Juntamos alguns casos e começamos a pensar sobre como refletiriam no futuro de alguém”, arremata o ilustrador.

Na obra, os objetos e corpos que escapam da pena de Gómez nascem incertos. É possível notar a forte influência que os rabiscos automáticos do artista surrealista André Masson – nos quais o conteúdo das ilustrações se dilata sobre si mesmo de maneira vertiginosa – tiveram sobre o artista. Erráticas, as linhas que moldam a cozinha do apartamento de Remi convulsionam sobre o papel como uma forma de exteriorizar o turbilhão interno do anti-herói do conto. “A loucura é um espelho na manhã de pássaros sem Fôlego”, diz a personagem em determinado momento, citando o poeta paulistano Roberto Piva.

As pouco menos de 50 páginas podem dar a falsa impressão de um trabalho enxuto, curto, de rápida leitura. Contudo, o que se observa é exatamente o oposto: o argumento apresentado entre a primeira e a derradeira página carrega a insustentável leveza de toda uma existência, permeada por todos os seus traumas, dissabores e neuroses. De um inofensivo telefonema a um intenso monólogo interno encadeado por imagens perturbadoras que evocam o que há de mais brutal e primitivo em nós, somos lançados sem nenhum tipo de mapa ou orientação em uma terra estrangeira e hostil, que surge representada como o inconsciente da personagem.

Em O Parricídio, não somos somente espectadores inertes. Na HQ, exercemos simultaneamente o papel de leitor e psicanalista ao tentarmos decifrar (na crueza das entrelinhas do causo relatado) o infinito clandestino que se esconde no rosto do outro – no caso, de Remi. “O conceito principal foi o de uma sessão de autoanálise no qual a gente entrega ao leitor o analisado”, afirma Gómez. “Através da simbologia e dos fragmentos espalhados pelo trabalho, cabe ao analista tentar desvendar o que aflige Remi.”

Mas não é apenas nas teorias Lacanianas e Freudianas – sustentáculos da psicanálise tradicional – que O Parricídio é pautado. Com traçado apurado, cuja influência atravessa os mais pitorescos rascunhos corporais de Egon Schiele e acena aos borrões indecifráveis do teste de Rorschach, a dupla recorreu aos simbolistas, absurdistas e expressionistas como norteadores do livro. “Além dos psicanalistas, fomos atrás de mestres que poderiam ter algo a nos dizer sobre os temas abordados”, diz Qohen, que menciona ainda Samuel Beckett, Charles Baudelaire e Nietzsche como influências absolutas para a concretização da obra.

Com respaldo da quadrinista Laerte, que escreveu o prefácio do livro, a HQ consolida a parceria entre Rodrigo Qohen e Beeau Gómez, que trabalharam anteriormente na vistosa Antologia Acid Jazz. Diferentemente da primeira empreitada artística, que oferece um olhar psicodélico sobre a história do jazz, o mais recente trabalho dos paulistanos apresenta uma série de imagens áridas e cruas, em preto e branco, distanciando-se da lisergia policromática do primeiro.

“A primeira coisa que pode aparentar a um olhar mais leigo é que um trabalho em P&B tende a ser mais simples que o colorido”, declara Gómez. “Nesse caso, para mim, foi o contrário. Tive que abandonar a cor para tentar criar algo que fosse simples, mas que ao mesmo tempo tivesse profundidade. As cores influenciam muito no tom e na subjetividade da história que você quer contar, como uma informação visual extra. Mas para retratar esse ambiente psicológico onde o Remi se encontrava, o contraste do preto e branco dizia muito do que precisava para contar a história.”

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