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Como Bruce Dern, um dos grandes excêntricos de Hollywood, enfim venceu como ator

Erik Hedegaard | Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 08/01/2014, às 23h29 - Atualizado em 21/02/2014, às 18h54

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SUCESSO TARDIO
Dern, 77 anos, o astro de Nebraska: atuação premiada - FRANK OCKENFELS
SUCESSO TARDIO Dern, 77 anos, o astro de Nebraska: atuação premiada - FRANK OCKENFELS

Em uma agência do correio em Santa Monica, Los Angeles, Bruce Dern enfia a chave na fechadura da Caixa Postal número 1581 e abre a porta. O ator aluga o espaço desde 1963, e dirige 80 quilômetros de sua casa em Pasadena até aqui todo dia útil. No começo, achava que um dia encontraria um monte de cartas de fãs, mas, mesmo que sua carreira não tenha decolado como a dos amigos Jack Nicholson e Robert Redford, resolveu mantê-la. Uma questão de hábito, obstinação e esperança.

Hoje, ele enfia a mão na caixa, mexe dentro e tira um único envelope. “Ah, recebi uma carta”, diz, animado. Bom, é uma oferta de cartão de crédito. Ele pisca, dobra o papel no meio e o leva consigo quando sai. Tem 77 anos e um novo filme estreando, Nebraska, de Alexander Payne (que estreia no fim de janeiro no Brasil), no qual faz um velho ranzinza e confuso que acha que ganhou US$ 1 milhão em um sorteio e faz o filho levá-lo de Montana para Nebraska para receber o dinheiro. Na pele do personagem Woody Grant, Dern é rude, quieto, raivoso, distante, perdido – e nunca esteve melhor. Sua performance lhe rendeu o prêmio de melhor ator em Cannes. Foi indicado ao Globo de Ouro e tudo leva a crer que será indicado ao Oscar. Enquanto isso, ainda não há cartas de fãs na caixa do correio.

Dern está se sentindo muito bem. O que está acontecendo com ele por causa de Nebraska demorou muito para acontecer. Algo nele sempre rejeitou o estrelato. Ele é o maior astro de cinema que nunca realmente se tornou um astro de cinema. É uma infelicidade. No final dos anos 50, estudava no Actors Studio em Nova York e era o preferido de Elia Kazan e Lee Strasberg; mudou-se para Hollywood em 1961, fez filmes de Roger Corman, como Os 5 de Chicago e Viagem ao Mundo da Alucinação (escrito por Nicholson), filmes de motociclista, como The Cycle Savages, e faroestes para a TV, como The Big Valley. A carreira de Nicholson decolou, a de Redford também, e qualquer coisa ainda parecia ser possível. Dern batalhou por papéis em O Poderoso Chefão, Tubarão, Um Estranho no Ninho. Tinha grandes diretores ao lado dele: John Frankenheimer, Alfred Hitchcock. Tudo de que precisava era algo que fizesse sucesso. Em vez disso, em 1972, foi contratado para dar um tiro no herói John Wayne pelas costas, em Os Cowboys. Dern balança a cabeça com a lembrança e diz: “Eram 8h30 quando rodamos a cena, Wayne já estava bêbado de uísque, uma garrafa e meia. Dava para sentir o cheiro nele, que se inclinou em minha direção e disse: ‘Aaaaaah, vão te odiar por isso’.” E odiaram. O público nunca conseguiu perdoá-lo. Até hoje, estranhos lhe dizem: “Você matou meu amigo!”

O ator também teve chances muito grandes: O Dia dos Loucos (1972), com Nicholson; O Grande Gatsby (1974), com Redford; Amargo Regresso (1978), onde fez um veterano do Vietnã que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. No entanto, embora tivesse seu nome reconhecido, não passava disso. “Bom”, ele diz, “fiquei mais apavorado do que deprimido com isso.”

Dern é alto e magro, tem dentes grandes e brancos e um rosto comprido e anguloso. “Nunca consegui o papel principal e nunca entendi isso”, afirma. “Só sei de uma coisa: esperei toda a minha carreira por um papel vigoroso, que poderia me deixar em paz e simplesmente ser um ser humano.” Ele está falando sobre Nebraska agora. “Eu tinha de ser o Woody”, diz.

Eis mais uma coisa sobre Bruce Dern: ele perdeu todos os anos 90 para um vício em Vicodin. “Machuquei meu ombro e tomava até 27 comprimidos extrafortes por dia”, conta. “Ficou fora de controle.” Exceto isso, em toda a história de Hollywood, nunca houve um ator menos dado aos excessos hollywoodianos. “Nunca bebi, nem fumei maconha, nem cheirei cocaína, nem fumei um cigarro.” Por outro lado, é absolutamente ensandecido por corridas. “Mas já corri uns 168 mil quilômetros, então dei quatro voltas ao mundo”, afirma. “É coisa de longa distância – digo muito longa, o dia inteiro, todo dia. Corri até todas as missões na Califórnia, o que dá 1.470 quilômetros. Você faz uma missão por dia e vai continuando. Vira um metrônomo. Corri provavelmente 300 maratonas. Já fiz todo tipo de loucura relacionada a corridas.”

Ele conhece todo mundo em Hollywood, mas, como todos os corredores de longa distância de sucesso, nunca correu com a multidão, o que provavelmente não ajudou sua carreira. “Durante minha infância com ele”, conta a atriz Laura Dern, filha dele, “consegui contar seus amigos muito próximos em uma mão, e eu era uma dessas pessoas”. Ele diz que jamais entendeu por que nunca conseguiu o papel principal, mas aí vai: Bruce manteve-se distante demais para seu próprio bem, o que às vezes ele pode aparentar ser também quando atua – brilhante, mas frio, quase cínico e remoto demais para verdadeiramente se conectar. Ainda assim, correr também lhe mostrou como nunca desistir e permanecer (relativamente) saudável depois de tantas decepções.

Mesmo com o estrelato, seu maior pagamento veio em 1981: US$ 500 mil por um thriller sensual chamado Tatuagem. Por Nebraska, ganhou US$ 65 mil, o mesmo que todos em seu nível que participaram do filme. “Quer dizer, Alexander Payne também ganhou isso, então estávamos todos ferrados”, ele diz, e balança a cabeça, sorrindo. “Agora, talvez se alguém assistir a Nebraska, poderá pensar: ‘Meu Deus, vamos dar um papel a Bruce Dern no qual ele poderá ganhar US$ 70 mil!’” Isso pode acontecer mesmo, mas o mais importante é que, talvez, agora todos o perdoarão por ter matado John Wayne em 1972.