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O Último dos Bee Gees

Barry Gibb, o derradeiro integrante do trio criador da trilha de Os Embalos de Sábado à Noite, recorda os irmãos que se foram e a época em que eles dominavam o mundo

Josh Eells Publicado em 10/07/2014, às 16h42 - Atualizado às 17h40

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<b>Sobrevivendo</b><br>
Barry Gibb: mantendo viva a memória dos irmãos - Peter Yang
<b>Sobrevivendo</b><br> Barry Gibb: mantendo viva a memória dos irmãos - Peter Yang

No final de 2012, barry gibb estava estirado no sofá da casa dele em Miami ao lado do cão Ploppy, assistindo à Fox News. No chão, um ventilador gentilmente esvoaçava a juba branca dele. Gibb suspirou e mudou de canal. A mulher, Linda, permanecia no cômodo ao lado embrulhando uma montanha de presentes de Natal para os cinco filhos e sete netos. Mas Gibb não estava em clima de festa. Sete meses antes, o irmão mais novo dele, Robin, havia morrido depois de uma luta contra o câncer. Ele já tinha perdido os irmãos Maurice (gêmeo de Robin) e Andy, e o pai, Hugh. “Todos os homens da família se foram”, disse Gibb na ocasião. Há 35 anos, Barry, Robin e Maurice Gibb – mais conhecidos como os Bee Gees – formavam a banda mais popular do planeta. A trilha deles para Os Embalos de Sábado à Noite, o suprassumo da música disco, ficou nas paradas por seis meses. Os Bee Gees venderam mais de 200 milhões de discos: só Elvis Presley, os Beatles, Garth Brooks, Michael Jackson e Paul McCartney os superam. Foi o único grupo da história a compor, gravar e produzir seis sucessos a ocupar o primeiro lugar das paradas. E, de repente, eles viram tudo ficar para trás. Foi decretado que a disco não prestava mais. Os irmãos passaram de ícones a piada. “Nossa banda sempre foi criticada mesmo por quem sequer nos conhecia”, afirma Gibb.

Depois do nosso primeiro encontro, eu e Barry Gibb fizemos planos de conversar novamente em dois dias. Mas naquela noite voltei para o hotel e havia uma mensagem dele. Liguei e perguntei se estava tudo bem. “Estou legal”, disse. “Mas não quero continuar. Me sinto desconfortável. Ainda estou lidando com o fato de ter perdido todos os meus irmãos. Talvez mais para a frente a gente possa retomar a entrevista.” Ele hesitou, procurando as palavras certas. “Ainda não me sinto inteiro o

suficiente. Rezo para que você entenda.” E desligou.

O sentimento de passividade durou um ano e meio, até que duas pessoas o despertaram. A primeira foi Linda. “Ela me chutou do sofá”, conta Gibb. “E disse: ‘Você não pode ficar aí querendo morrer. Vá viver’.” A segunda foi Paul McCartney. Eles conversavam nos bastidores do Saturday Night Live. “Eu disse que não sabia por quanto tempo ainda conseguiria prosseguir [na música]. E Paul disse: ‘Certo. E vai fazer o que depois?’ Então, pensei: ‘Ok. É verdade’.” Assim, Gibb embarcou em maio em uma série de seis shows solo pela América do Norte. A turnê Mythology custou meio milhão de dólares por noite – prejuízo certo. Mas dinheiro não importava. “Eu tinha que manter as músicas vivas”, diz Gibb. “Antes de os meus irmãos morrerem, jamais teria pensado nisso. É importante que as pessoas se lembrem delas.” Ele ainda quer gravar um álbum novo. Deixa sempre um gravador na cabeceira da cama caso tenha alguma ideia no meio da noite.

Dque você se lembra quando pensa nos Bee Gees? Os Embalos de Sábado à Noite e “Stayin’ Alive”, com certeza. Calças boca de sino e falsetes. “Cabelos longos, dentes grandes, medalhões”, como disse Barry certa vez. É possível que você tenha uma noção vaga a respeito dos subestimados primeiros trabalhos do grupo, como “To Love Somebody”, composta para Otis Redding, que morreu antes de gravá-la, ou a bela “Lonely Days”. A visão que se tem é que eles estão congelados em 1978, apontando para o céu ao som de 120 batidas por minuto. O que é uma pena, porque os Bee Gees foram um dos grupos mais estranhos, complicados e brilhantes de todos os tempos. Vieram do nada e conquistaram o mundo ainda adolescentes. Perderam tudo, se levantaram e se tornaram ainda maiores. Eram compositores imbatíveis: Michael Jackson disse que Os Embalos de Sábado à Noite havia sido a inspiração para Thriller. Bono os compara aos Beatles e confessou que o catálogo do trio o deixa “doente de inveja”.

Desde cedo os Gibb já compunham quase telepaticamente. Robin jogava um verso, Barry vinha com uma melodia. “Trabalhamos melhor como equipe”, disse Robin. Eles eram como as pernas de um tripé: tire uma, e as outras desabam. Isso levou a uma longa relação de amor e ódio. Ao mesmo tempo que não se suportavam, não aguentavam ficar separados. Robin e Barry moravam em Miami a duas casas de distância, e Maurice morava três quarteirões à frente. O sucesso rendeu a eles uma vida fabulosa – mansões, carros, barcos, aviões – e então os distanciou. Como declarou Robin antes de morrer: “Imagino se as tragédias pelas quais minha família vem passando não são o preço cármico a pagar por toda a fama e fortuna dos Bee Gees”.

Para chegar à casa de Barry Gibb é preciso cruzar a Julia Tuttle Causeway, uma via de concreto que conecta a parte principal da Flórida ao glamour de Miami Beach. A ponte é feita de vigas de metal reforçado, e quando atravessada de carro a 80 km por hora emite uma batida rítmica, fruto do contato dos pneus com as saliências do chão. Desacelere e o ritmo vira um groove funkeado. Em janeiro de 1975, Gibb passava por lá indo do estúdio para casa. As coisas não iam bem. Um álbum dos Bee Gees havia sido rejeitado pela gravadora e a carreira deles se resumia a tocar em cabarés da Inglaterra. O amigo Eric Clapton sugeriu que tentassem Miami, onde poderiam alugar a velha casa dele no número 461 da Ocean Boulevard. Poderiam pegar um bronzeado enquanto planejavam a volta triunfal. Então, se deram conta da batida vinda da ponte. Compuseram algo inspirado nela, e no fim do verão “Jive Talkin’” era número 1 das paradas – o primeiro de uma sequência épica de sucessos que

durou quatro anos e oito singles no topo.

Gibb, de 67 anos, mora hoje em um condomínio fechado em North Miami Beach, chamado Millionaire’s Row (ou algo como “Travessa dos Milionários”). O lugar é extravagante: dois leões de pedra em tamanho natural guardam a entrada, e uma quadra de basquete de tamanho oficial fica na parte de trás do terreno. Na frente da casa há uma grande fonte. Lá dentro, Gibb está assistindo à Fox News de novo. Está bonito como sempre – dentes muito brancos, maxilar retilíneo, cabelos esvoaçantes, queixo de astro de cinema. A barba está ficando rala. “Toquei minha vida normalmente”, ele reflete. “Depois não sabia o que fazer. Quando você se vê sozinho, começa a questionar. Qual o sentido de tudo?”

Quando Barry Gibb nasceu, na Ilha de Man, na costa oeste da Inglaterra, a irmã dele, Leslie, tinha 2 anos. O pai deles era líder de uma banda e a mãe, dona de casa. Os Bee Gees começaram a cantar na Austrália, para onde haviam se mudado ainda jovens.

No auge da Swinging London, voltaram para a Inglaterra e estouraram em 1967 com “New York Mining Disaster”. Nos anos 1960, as músicas de maior sucesso dos Bee Gees eram aquelas em que Robin fazia o vocal principal. O vibrato cristalino do vocalista alimentava canções climáticas como “I Started a Joke” e “Holiday”. Mas os dentes salientes e o sorriso bobo de Robin não eram páreo para a beleza de astro de cinema de Barry. Conforme Barry chamava mais atenção, mais intensos tornavam-se os confl itos entre os dois. Em 1969, com a mágoa entre os irmãos no auge, Robin saiu e os Bee Gees terminaram. Voltaram em 1971, mas com sucesso intermitente. Então veio o triunfo em 1975 com “Jive Talkin’’ e o álbum Main Course. Barry descobriu que tinha um falsete milionário e o trio aderiu ao movimento emergente da disco music.

Um tempo depois, na primavera de 1977, os Bee Gees passavam um mês friorento no Château d’Hérouville, na França, trabalhando em um novo álbum, quando receberam um telefonema do empresário Robert Stigwood. Ele estava produzindo um fi lme com temática disco e precisava de faixas para a trilha sonora. O resultado mudou a história do pop. A trilha de Os Embalos de Sábado à Noite vendeu 15 milhões de cópias. Não dava para escapar das músicas: cinco delas ocuparam a posição

número 1 das paradas. Quando o empresário precisou de mais uma canção para outro filme que estava produzindo, também estrelado por John Travolta, Barry compôs “Grease”, novamente um mega-hit. Das dez músicas de maior sucesso de 1978, os Gibb foram responsáveis por cinco.

“Foi uma experiência incrível”, relembra Gibb “Mas não sou muito bom em lidar com a fama.” Para o álbum seguinte, Spirits Having Flown, os Bee Gees agendaram uma turnê de 41 datas. “Fizemos três noites no Madison Square Garden. Mal dormíamos”, conta Gibb. “Não sei como conseguimos. Devia ser a juventude, acho.” E as drogas, possivelmente. Os irmãos sempre foram adeptos do uso de substâncias: Barry fumava maconha, Robin gostava de pílulas e Maurice bebia. Mas ficavam longe de coisas mais pesadas. “Usei cocaína por uma semana nos anos 1980”, revela. “Mas o problema da cocaína...”, ele ri, “é a cocaína. Você tem que usar a cada meia hora. O efeito de anfetaminas dura de quatro a seis horas. E naquela

época havia ótimas anfetaminas.”

Barry era o líder e a estrela indiscutível do grupo. Por isso, os ciúmes de antigamente voltaram a dar as caras. Ele não queria que o que aconteceu em 1969 se repetisse, então decidiu cantar menos. A voz aguda ficou de lado, justamente aquilo que todos queriam ouvir: o cantor abriu mão em favor da união da família. “A melhor época de nossa vida foi antes da fama”, declara Gibb. “Nunca fomos tão unidos quanto naqueles tempos. Mas os excessos vieram. Bebida, comprimidos, os egos...”

Gibb precisa se levantar um pouco. “Ah, minhas juntas”, ele diz, alongando as costas. “Hoje, tudo dói.” Ele acorda tarde, lá pelas 11h, porque passa a madrugada assistindo ao Netflix. Sai da cama e canta um pouco. Gosta de ler sobre o fim do mundo e pseudociência – Triângulo das Bermudas, Alienígenas do Passado, qualquer coisa sobre o apocalipse. Depois do almoço, volta para a sala de estar, onde brinca um pouco com algum violão das quatro dúzias que tem em casa ou vai para a biblioteca. Ele ganhou um iPad de Natal, mas não usa o aparelho. Não tem e-mail nem celular, e prefere o fax para falar com o advogado. É uma aposentadoria tranquila. De vez em quando um fã aparece no portão, e, se Gibb não está ocupado,

vai dar um oi. Gosta de falar com os fãs. “Faz bem para o coração”, diz.

Depois da decadência da disco em 1979, a carreira dos Bee Gees implodiu. Eles se dedicaram à composição, assinando álbuns de Diana Ross e Barbra Streisand. Os irmãos também escreveram “Islands in the Stream”, o dueto seminal de Kenny Rogers e Dolly Parton. “Nos deu credibilidade”, conta Gibb. “Era o que amávamos fazer: compor canções das quais as pessoas gostassem.” Maurice Gibb morreu em 2003. Tinha problemas de alcoolismo desde os anos 1960. Livrou-se do vício nos anos 1990, mas morreu de enfarte aos 53 anos. Barry e Robin disseram que continuariam com os Bee Gees, mas logo desistiram: “Não queríamos ser os Bee Gees sem Mo”, justifica Gibb. Os dois que restaram na banda eram os que mais se estranhavam. “A distância entre nós tornou-se cada vez mais dramática”, relata o sobrevivente. “Ficávamos um ano inteiro sem nos falar.”

Em fevereiro de 2012, Barry Gibb fez o primeiro show solo da carreira dele. “Deus os abençoe”, disse aos fãs. “E rezem por Rob”. Na época, Robin fazia quimioterapia. Barry foi visitá-lo em Londres, e Robin disse que o amava. Seis semanas depois, ele morreu. “Meu único arrependimento é que, no fim, nunca fomos grandes companheiros”, Gibb afirma. “Sempre havia uma discussão. Robin e eu funcionávamos musicalmente, e só. Éramos irmãos, mas não amigos de verdade. Foram muitos momentos ruins e poucos bons.”

Gibb pensa muito sobre a morte. “Não tenho medo”, diz, “como acho que teria se jamais tivesse perdido um irmão.” Ele sabe que seus dias no palco estão contados: “Não vou terminar em um cassino em algum fim de mundo – não consigo”. Quando a hora dele chegar, tudo o que pede é que seja “rápido pra cacete. Um ataque cardíaco no palco seria ideal”, afirma, rindo. “E bem no meio de ‘Stayin’ Alive’.” Ele não sabe se o momento já está chegando. Barry gostaria de emplacar pelo menos mais um sucesso antes disso. Quando as pessoas dizem: “Seus irmãos estão lá em cima vendo você e sorrindo”, ele retruca: “Não sei se é verdade mesmo. Mas, se há algum sentido real em tudo, talvez eu trombe com meus irmãos de novo.

Eles vão perguntar: ‘Por que demorou tanto?’”

O Caçula

Andy foi o primeiro irmão que Barry Gibb perdeu

“Ainda é a morte que mais dói”, diz Barry Gibb sobre o irmão mais novo, Andy. “Tínhamos a mesma voz, os mesmos interesses, a mesma marca de nascença.” Barry deu a Andy a primeira guitarra dele, no 12º aniversário do irmão. Quando Andy cresceu, tudo o que queria era ser igual a Barry. Andy emplacou uma porção de sucessos no fim dos anos 1970, embora todos tenham sido compostos por Barry. Mas ele desenvolveu um vício por cocaína e pelo sedativo Quaalude. Tempos depois, conseguiu se reabilitar, mas o estrago já estava feito. Ele morreu em 1988, vítima de uma inflamação no coração decorrente dos anos de abuso de drogas, cinco dias depois de seu 30º aniversário. Barry ficou devastado. “Foi o dia mais triste da minha vida”, declarou na época. “Ainda hoje, me sinto culpado por ter levado Andy à vida artística. Ele teria uma vida melhor fazendo alguma outra coisa”, diz Gibb. “Era uma pessoa tão boa. O perdemos jovem demais.”