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Emicida exalta a cultura negra em disco com mensagem acessível e extremamente relevante

Em Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, o rapper embala temas pouco discutidos no Brasil em uma roupagem sonora de fácil digestão

Luciana Rabassallo Publicado em 07/08/2015, às 12h45 - Atualizado às 18h38

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Emicida exalta a cultura negra em disco com mensagem acessível, mas extremamente relevante  - Alexandre Santos
Emicida exalta a cultura negra em disco com mensagem acessível, mas extremamente relevante - Alexandre Santos

Por Luciana Rabassallo

No mês de março, Emicida embarcou em uma aventura africana para desbravar as quebradas de Angola e Cabo Verde. O intuito era fazer o caminho contrário ao percorrido pelos escravos trazidos à força ao Brasil Colônia. O resultado pode ser ouvido nas 14 faixas de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, segundo disco de estúdio do rapper paulistano, que chega às plataformas digitais nesta sexta-feira, 7.

Emicida expõe a luta de classes e o preconceito racial no impactante clipe de “Boa Esperança”.

Graças à Black Messiah, de D’Angelo, e a To Pimp a Butterfly, de Kendrick Lamar, 2015 será lembrado como o ano em que a política negra e a música negra ressurgiram para se unir ao pop mainstream. No Brasil, os Racionais MC's divulgaram Cores & Valores no finalzinho de 2014, registro que discute com profundidade o peso que a posição social, o sobrenome, o dinheiro e a cor da pele têm nas estruturas sociais do país. Agora é a vez de Emicida retratar o preconceito racial velado e cruel, típico do Brasil, além de exaltar a cultura negra em um registro totalmente dedicado ao tema.

Você ainda não entendeu a mensagem de Cores & Valores? A detenção de Mano Brown é o exemplo perfeito.

Durante a presença na África, o músico colheu experiências sonoras que transformou em faixas como “Mufete”, gravada no estúdio angolano Letras e Sons. Os versos citam Rangel, Viana, Golfo e Cazenga, locais por onde passou, e a melodia é ritmada pelo baixo marcante de Mayó Bass. Em “Casa”, o Emicida tenta fazer com que os negros tirados à revelia da terra na qual nasceram se sintam à vontade no local em que vivem – seja no Jardim Fontalis, bairro da zona norte de São Paulo onde ele cresceu, seja em Kilamba Kiaxi, periferia de Luanda. Um coro infantil formado pelos alunos da escola Penta Grana contrasta com os beats mais pesados do disco.

Como Kendrick Lamar conseguiu superar momentos sombrios e inseguranças para se tornar o nome mais elogiado do hip-hop.

Veja a capa de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa

O triste interlúdio “Sodade”, no qual a líder das Batucadeiras do Terreiro dos Órgãos, Neusa Semedo, lamenta a saudade de casa em crioulo cabo-verdiano, segunda língua mais falada no país, é floreado pela percussão que reproduz o som da água do mar batendo no casco de um navio. O single “Boa Esperança”, por sua vez, debate o racismo velado e a intolerância religiosa no Brasil através de rimas como “Favela ainda é senzala, jão/ Bomba-relógio prestes a estourar”. Os beats fortes e diretos do produtor Nave casam perfeitamente com o tom desafiador da faixa.

"Eu sou de esquerda na política e no candomblé", afirma o rapper Thaíde.

O formato narrado da elogiada parceria com a atriz e poetisa Elisa Lucinda, que permeou O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), disco de estreia de Emicida, se repete em “Trabalhadores do Brasil”, desta vez com texto e voz do pernambucano Marcelino Freire. Ainda há outras duas pontes de ligação com o já citado registro. Estela, filha de Emicida, é novamente lembrada em “Amora”, enquanto dona Jacira, mãe do rapper, que anteriormente contou os detalhes sobre a morte do marido, agora descreve o nascimento de Leandro Roque de Oliveira na emocionante “Mãe”.

Cultura de Rua elege as 15 grandes canções do hip-hop em 2014.

Também há espaço para canções que se aproximam do pop, como “Baiana”, uma balada que tem participação de Caetano Veloso, “Madagascar”, que traz um romance embalado pelo céu azul e pelo mar verde do país insular, e “Passarinhos”, uma parceria com Vanessa da Mata.

Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa é, sobretudo, um disco pop, mas, nem por isso, abandona a mais importante premissa do hip-hop: contestação. O registro traz, embalados em uma roupagem sonora de fácil digestão, temas pouco discutidos no Brasil – como, por exemplo, a escravidão e o ranço que esse período tenebroso deixou nas relações sociais do país. O racismo velado que assola a população a população negra, os preconceitos enfrentados pelos praticantes de religiões afro-brasileiras e as dificuldades enfrentadas diariamente pelos trabalhadores brasileiros.

A turnê do disco terá início nos dias 21, 22 e 23 de agosto, com shows no SESC Pinheiros, em São Paulo. Informações sobre participações especiais, preços e vendas de ingressos serão divulgadas em breve.

Leia abaixo um faixa a faixa de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa:

Mãe - (Emicida/Dj Duh/Renan Inquérito/Dona Jacira)

Narrativa - Emicida rima com a voz embragada a trajetória ao lado da mãe, dona Jacira, que precisou criar três filhos após a morte do marido. O destaque, contudo, fica por conta da participação da própria, que fala sobre o dia mais importante na vida de uma mãe: o nascimento do filho.

Melhor rima - “Saltou do meu ventre, contente, e parecia dizer: ‘É sábado, gente!’. A freira que o amparou tentava reter seus dois pezinhos. Sem conseguir, ela dizia: ‘Mas que menino danado. Como vai chamar ele, mãe?’. Leandro.”

8 - (Emicida/Rafael Tudesco/Xuxa Levy/Dj Nyack)

Narrativa - A letra fala a respeito dos desafios enfrentados pelos trabalhadores brasileiros e o consumismo exacerbado que atinge boa parte da população. O refrão é permeado por samples de “Negro Drama” e “Quanto Vale o Show?”, sucessos dos Racionais MC’s, além de uma citação da faixa “O Mensageiro”, do grupo RZO.

Melhor rima - “Querendo que os menor respeita os professor que a polícia espanca”.

Casa - (Emicida/Xuxa Levy/Ogi)

Narrativa - Em “Casa”, o rapper tenta fazer com que os negros tirados à revelia da terra na qual nasceram se sintam à vontade no local em que vivem – seja no Jardim Fontalis, bairro da zona norte de São Paulo onde ele cresceu, seja em Kilamba Kiaxi, periferia de Luanda. Um coro infantil formado pelos alunos da escola Penta Grana contrasta com os beats mais pesados do disco.

Melhor rima - “Foi pelo riso delas que vim no mesmo camim, por nóiz. Tipo Mágico de Oz, meu coração é tamborim, tem voz”.

Amoras - (Emicida/Xuxa Levy)

Narrativa - Estela, filha de Emicida, é novamente lembrada em “Amora”, poema que exalta a beleza das crianças negras.

Melhor rima - “Luther King vendo cairia em pranto. Zumbi diria que nada foi em vão. E até Malcolm X contaria a alguém. Que a doçura das frutinhas, sabor acalanto. Fez a criança sozinha alcançar a conclusão ‘Papai, que bom! Porque sou pretinha também’.”

Mufete - (Emicida/Xuxa Levy)

Narrativa - Durante a presença na África, Emicida colheu experiências sonoras que transformou em faixas como “Mufete”, gravada no estúdio angolano Letras e Sons. Os versos citam Rangel, Viana, Golfo e Cazenga, locais por onde passou, e a melodia é ritmada pelo baixo marcante de Mayó Bass.

Melhor rima - “Dizem que o diabo veio nos barcos dos europeus. Desde então o povo esqueceu, que entre os meus todo mundo era Deus.”

Baiana - (Emicida/Dj Duh)

Narrativa - Uma história de amor que tem como pano de fundo o histórico Pelourinho, em Salvador. Na primeira ouvida, a canção soa um pouco estranha. Na segunda tentativa, distingue-se a inconfundível voz de Caetano Veloso no refrão. A partir do terceiro “play”, o ouvinte entende o motivo que faz dessa canção a mais “chiclete” do disco. Depois disso, você sairá cantarolando pela rua “loca, loca, loca” sem perceber. A percussão que lembra a sonoridade do Olodum também é marcante.

Melhor rima - “Dois de fevereiro, dia da rainha. Que pra uns é branca, pra nóiz é pretinha. Igual Nossa Senhora, padroeira minha. Banho de pipoca, colar de conchinha.”

Passarinhos - (Emicida/Xuxa Levy)

Narrativa - A faixa mais pop do disco e candidata ao posto de maior hit do disco tem participação de Vanessa da Mata. A letra narra a ventura de dois passarinhos apaixonados e dispostos a “achar um ninho, nem que seja no peito um do outro”, que é permeada por um acessível “laiá, laiá, laiá, laiá”.

Melhor rima - “Água em escassez, bem na nossa vez. Assim não resta nem as barata.”

Sodade - (Neusa Semedo)

Narrativa - O triste interlúdio “Sodade”, no qual a líder das Batucadeiras do Terreiro dos Órgãos, Neusa Semedo, lamenta a saudade de casa em crioulo cabo-verdiano, segunda língua mais falada no país, é floreado pela percussão que reproduz o som da água do mar batendo no casco de um navio.

Melhor rima - “Ai, sodade ki nka podi kual.”

Chapa - (Emicida/Xuxa Levy)

Narrativa - É um samba tão bom quanto “Trepadeira”, canção de O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), disco de estreia de Emicida. O rapper faz um emocionante apelo para um “chapa” que sumiu da quebrada e abandonou a família.

Melhor rima - “Chapa, ontem o sol nem surgiu. Sua mãe chora, não dá pra esquecer. Que a dor vem sem boi, sentiu, lutou.”

Boa Esperança - (Emicida/Nave)

Narrativa - O single “Boa Esperança”, por sua vez, debate o racismo velado e a intolerância religiosa no Brasil através de rimas como “Favela ainda é senzala, jão/ Bomba-relógio prestes a estourar”. Os beats fortes e diretos do produtor Nave casam perfeitamente com o tom desafiador da faixa.

Melhor rima - “Silêncio e cara no chão, conhece? Perseguição se esquece? Tanta agressão enlouquece. Vence o Datena, com luto e audiência. Cura baixa escolaridade com auto de resistência.”

Trabalhadores do Brasil - (Marcelino Freire)

Narrativa - O formato narrado da elogiada parceria com a atriz e poetisa Elisa Lucinda, que permeou O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), disco de estreia de Emicida, se repete em “Trabalhadores do Brasil”, desta vez com texto e voz do pernambucano Marcelino Freire. O poema também foi musicado pelo grupo Cordel do Fogo Encantado.

Melhor rima - “Tá me ouvindo bem, hein, hein, hein, hein? Hein seu branco safado? Ninguém aqui é escravo de ninguém.”

Mandume - (Emicida/Rafael Tudesco/Drik Barbosa/Rico Dalasam/Amiri/Raphão Alaafin/Muzzike)

Narrativa - A canção reúne o frescor dos novos artistas do rap nacional como Rico Dalasam e Drik Barbosa. O sample que abre a canção é forte e contundente, passando o recado da nova geração de forma clara: “Nunca deu nada pá nóiz, caralho. Nunca lembrou de nóiz, caralho”. A faixa tem mais de oito minutos, contudo, não é cansativa.

Melhor rima - “Olha pra onde os do gueto vão, pela dedução de quem quer redução. Respeito, não vão ter por mim? Protagonista, ele é preto, sim, pelo gueto vim.”

Madagascar - (Emicida/Xuxa Levy)

Narrativa - Outra canção de forte potencial radiofônico, que traz um romance embalado pelo céu azul e pelo mar verde do país insular. A letra evidência que o coração de Emicida está em boas mãos e manda um recado aos preconceituosos que o atacaram por namorar uma mulher considerada por eles “branca demais”. “Como machuca a mim quem te quer mal, sim fere, real”, desabafa.

Melhor rima - “Tantos carinhos, quantos caminhos até chegar em sua boca. Numa aurora reluzente, outras vidas, outras frentes.”

Salve Black “Estilo Livre” - (Emicida/Xuxa Levy)

Narrativa - Uma celebração ao reencontro. Seja com os amigos que se perderam nas quebradas país afora seja com os novos colegas que o rapper conheceu durante a ida à África.

Melhor rima - “Lembrando também dos verdadeiros, os marginais. Que estão às margens da sociedade, da periferia.”