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Operário do Conceito

Entre o novo disco do White Stripes e o próximo do Raconteurs, Jack White fala sobre arte, trabalho e prevê o fim do romance entre o público e a música

Alexandre Matias Publicado em 21/09/2007, às 17h51

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Jack, ao lado da parceira Meg: "As pessoas estão aos poucos exigindo músicas com mais alma" - Divulgação
Jack, ao lado da parceira Meg: "As pessoas estão aos poucos exigindo músicas com mais alma" - Divulgação

Jack White jamais faz cara feia - por mais que as perguntas sejam as mesmas, por mais que o tema seja batido, e mesmo que todos os assuntos abordados em qualquer entrevista com o líder do White Stripes já tenham sido dissecados em diferentes pontos de vista por repórteres de todo o planeta. Mas ele trabalha, não reclama, e responde com disposição a cada questionamento, disposto a explicar-se sem fazer-se de difícil como outros que vieram antes dele. Entre o mais recente disco do White Stripes (o "estranho", como ele mesmo rotula, Icky Thump) e o próximo do Raconteurs (ainda sem nome e previsto para 2008), White reservou uma tarde de agosto para falar sobre o jingle que fez para um comercial da Coca-Cola na Austrália e a experiência de interpretar Elvis Presley em uma comédia (Walk Hard, paródia de cinebios como Ray e Johnny & June), e aproveitou para discutir as relações entre o indie e o mainstream, a internet e as gravadoras, e a música e o seu próprio público.

Quando você começa a compor uma música, consegue saber se ela é uma música do White Stripes ou do Raconteurs?

O que acontece é que você não pensa muito durante esse processo, sabe? Você não pensa em como ela vai ser gravada, mas a música mesmo é quem dá um rumo para ela. Enquanto ela vai sendo composta é que é possível perceber se você vai colocar uma orquestra inteira ou gravá-la usando a velha guitarra num gravador com poucos canais. Você começa a escrever e, no meio do caminho, ela pode lhe dizer que não será nem uma música do Raconteurs nem do White Stripes - pode ser uma coisa completamente diferente. Ou às vezes, logo no começo, a música lhe diz de quem ela é e qual rumo você deve seguir.

Dá para dizer que o Raconteurs tem um apelo mais pop?

O método de composição que o Brandon [Benson, guitarrista do Raconteurs] dá para as canções tem um certo apelo pop que eu não consigo fazer sozinho. Juntos, conseguimos fazer músicas que soam mais contemporâneas ou mais focadas no formato "banda". É difícil estar em um grupo com mais três pessoas. Com os White Stripes são apenas duas pessoas, nós conseguimos mudar tudo muito rápido, podemos fazer um show de um jeito num dia e outro completamente diferente no outro. Já o Raconteurs é uma banda de compositores, o foco principal é na composição, daí essa cara mais pop. Eu acho que faz sentido pensar na gente de uma forma mais pop, porque nós todos já estamos nessa há muito tempo, há uns 15 anos, viajando de van, tocando pra dez pessoas e por US$ 100 de cachê no meio do nada, lançando tudo por selos independentes... Para a gente que compõe e toca, tudo isso é legal, mas se você chegar no final do dia e escrever uma música que fala com milhões de pessoas e que pode tocar na televisão, no rádio, em diferentes países, e mesmo assim conseguir marcar as pessoas... esse é o objetivo de qualquer compositor ou intérprete. É isso que somos. Queremos escrever músicas que falem com as pessoas em uma escala muito grande, porque já gravamos um monte de discos independentes e EPs que ninguém consegue encontrar para vender. Já passamos por isso.

Por outro lado, os White Stripes têm um apelo mais indie, meio projeto de arte...

Não sei! Tocamos esta semana pela primeira vez no Total Request Live da MTV, que é um programa muito popular hoje nos Estados Unidos. Era a Rihanna, a Hillary Duff e os White Stripes, sabe? Essas músicas estão atingindo o público por mais estranhas que elas possam ser. "Icky Thump" é uma música muito estranha para ser tocada na MTV dos Estados Unidos. É algo que eu não consigo entender.

Você conseguia se imaginar fazendo um jingle para o comercial da Coca-Cola na Austrália?

Pra mim, escrever uma música para a Coca-Cola foi como se fosse uma afirmação sobre essas pessoas que se importam em ser cool e hipster, que se importam com estilo. Eu não tenho nada a ver com esse tipo de gente. Eu não quero ter nada a ver com eles. Eu amo Coca-Cola de verdade, não estou mentindo! E fiz o comercial porque eu quis! Eu não fiz isso por dinheiro, recebo ofertas como essa 15 vezes por semana, para escrever músicas para comerciais de carro, filmes, programas de televisão... E isso tem tudo a ver com esses caras do underground, que são tão melhores do que todo mundo, esses tais "roqueiros de garagem", porque eles sempre dizem que você deve fazer o que quiser e não se importar com o que as outras pessoas pensam. E foi exatamente o que eu fiz com essa música da Coca-Cola.

E, falando em afirmar algo, você acaba de fazer o papel de Elvis Presley em um filme (Walk Hard): uma coisa é compor uma música para um ícone pop, outra é encarnar o próprio ícone...

[Risos] Não é um papel fácil de encarnar. Eu sou um grande fã de Elvis, como todo mundo devia ser, ele é um ícone brilhante. [O ator] John C. Reily me chamou e perguntou se eu poderia fazer o papel dele durante alguns dias, e eu pensei que fosse uma coisa meio pra TV a cabo ou um filme alternativo, mas ele disse que seria um filme comercial. Foi muito engraçado, foi tudo bem improvisado. Na cena, o protagonista encontra o Elvis nos bastidores de um show em 1957, sendo que ele também é um cantor iniciante. Foi só uma cena, mas eu não vi o filme pronto ainda. Mas tentei fazer o melhor que pude!

Falando nisso, gostaria que você falasse sobre essa estranheza da música "Icky Thump", que parece contagiar o disco inteiro...

Como eu disse, as músicas mostram o caminho que elas querem andar. Não é porque não tem guitarra em uma música que eu não vou colocá-la num disco do White Stripes, não tem nada a ver. Se acabou soando estranho, foi justamente por causa da forma que ela saiu. Não é premeditado. As pessoas pressupõem que tudo na gente é premeditado por causa da forma como agimos no palco, do jeito que nos vestimos, nossos encartes. Acham que a música também é encarada dessa forma, mas não.

E o próximo disco do Raconteurs?

Já temos 18 músicas gravadas e estamos finalizando. Já gravamos as bases das músicas e o som está muito forte, mas eu acabei de lançar o disco dos White Stripes, então teremos até janeiro para terminá-lo. Só vamos lançá-lo no ano que vem.

Vocês pretendem lançar algum single antes?

Talvez iremos lançar algo na primavera [primeiro semestre de 2008], porque o disco deve ficar mesmo para o meio do ano. Eu queria poder lançar algo antes, mas estou muito ocupado, não consigo ter tempo para nada. Gravei coisas dos Raconteurs umas três semanas antes de sair em turnê com os White Stripes...

Você tem algum tempo livre?

Não [risos]. Sempre muito ocupado. Eu não sei como consigo, eu simplesmente vou fazendo. É o meu trabalho, então sigo tocando como dá. Muitos artistas acham que quando ficam famosos, eles passam a agir como vencedores de reality show, como se tivessem ganhado na loteria e não tivessem que trabalhar mais. E aí o trabalho deles fica sendo basicamente arrumar truques para manterem-se famosos, e isso não tem nada a ver com criatividade ou com arte. Isso é só preguiça.

Mas você concorda que aos poucos o público está percebendo esse truque?

As pessoas estão cada vez mais de saco cheio de pessoas famosas sem ter motivo, de músicas esquecíveis, e da rádio e da TV sempre martelando os padrões mais baixos de cultura e entretenimento o tempo todo... Quanto tempo isso pode durar? Eu não vou compactuar com isso, não deixo meus filhos assistirem a reality shows ou escutarem esse tipo de música. É só um ruído. Mas acho que isso está mudando, porque as canções soul estão voltando ao topo das paradas. Ano passado, tivemos "Crazy", do Gnarls Barkley. Este ano, temos "Rehab", da Amy Winehouse. As pessoas estão aos poucos exigindo músicas com mais alma, mas só temos uma dessas por ano. Devíamos ter umas 30 na parada!

Como você vê a influência da internet na música de hoje?

Acho que coisas como o YouTube e o MySpace ajudam as bandas a terem um público maior, mas não quer dizer que se você jogar quatro macacos num estúdio, eles irão compor o Sgt. Pepper, sabe? Deve existir certa dificuldade! Existe uma ética de criatividade, não é só ter uma página bonita no MySpace ou uma camiseta legal para ser um bom compositor.

Você não acha que sites como MySpace e YouTube não têm um impacto nesta geração semelhante ao que a MTV teve nos anos 80?

Eu não sei. Eu temo muito por essa geração por conta da perda do romance pela música. Eu temo pelos adolescentes que estão perdendo isso. Eu não me importo se eles baixam músicas legalmente ou ilegalmente, ou qualquer outra bobagem dessas. Quem liga para isso? O ponto é que eles estão perdendo o ato romântico de comprar um disco de vinil, segurar uma capa enorme nas mãos e fazer parte daquela experiência.

Mas as bandas em que você toca têm muitos fãs adolescentes.

É, e eu gosto de saber que estamos oferecendo essa experiência para eles. Lançamos todos os nossos discos em vinil e todos os nossos singles saem em compactos. Em cada show do White Stripes você pode comprar um pôster que só está à venda naquele show. Isso é fazer parte da experiência. Não é como clicar e comprar na Amazon, por exemplo.

Ou seja: os moleques querem algo e a indústria não sabe o que dar para eles.

Exato. Esse é o ponto em toda essa história. Eles sempre procuram onde eles podem tirar dinheiro. E ganhar dinheiro é conseqüência de um bom trabalho, não o contrário.