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A distante América Latina

Brasil subimperialista: Rótulo nasce a partir de iniciativas como A Integração da Infra-Estrutura Sul-Americana

Da redação Publicado em 12/02/2008, às 16h42

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A América Latina não vive uma época de mudanças, mas uma mudança de época. A afirmação do presidente do Equador, Rafael Correa, feita quando tomou posse em janeiro de 2007, é uma boa análise do que vem ocorrendo nos últimos tempos na região. Já se vão quase dez anos, desde 1998, quando Hugo Chávez foi eleito pela primeira vez na Venezuela, dando início a essa tendência progressista. E já se vão cinco anos de Lula no poder, bem menos progressista do que muitos esperavam.

A eleição de um operário de esquerda como presidente do maior país da América do Sul, uma das maiores economias do mundo, com uma plataforma que afirmava uma agenda social, poderia ter colocado o Brasil como protagonista da mudança. O governo Lula, entretanto, não acompanhou os vizinhos na negação da política econômica praticada pelos governos anteriores, nos anos 90. Optou, em vez de uma mudança de rumo, por pequenos "ajustes", e o país vai ficando cada vez mais distante do momento político regional. A Argentina, com o casal Kirchner (Néstor, em 2003, e Cristina, em 2007); o Uruguai, com Tabaré Vázquez (2005); a Bolívia, com Evo Morales (2006); o Chile, com Michelle Bachelet (2006); Alán Garcia no Peru (2006); o sandinista Daniel Ortega na Nicarágua (2007); Rafael Correa no Equador (2007); e grandes possibilidades de o Paraguai somar-se à lista, se eleger em abril de 2008 o ex-bispo Fernando Lugo. Mesmo o México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos, como dizia o ditador mexicano Porfirio Dias, quase elegeu o progressista López Obrador em 2006, numa conturbada eleição decidida por menos de um ponto percentual.

Nesse contexto de transformações, em que os vizinhos latinos começam, inclusive, a julgar seus ex-presidentes por crimes contra a pátria, o governo brasileiro começou uma campanha pela integração regional que prioriza a integração econômica. Evitou a implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos Estados Unidos, mas lançou uma "Alca Light", que manteve o projeto vivo. Ao mesmo tempo, não abraçou a Alternativa Bolivariana para a América (Alba), um projeto de integração mais ligado ao comércio justo e menos às idéias de livre comércio, do qual já fazem parte Cuba, Venezuela, Peru e Nicarágua.

Em cinco anos, mesmo sendo prioridade do governo, o Mercosul, bloco que inclui Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, não andou a passos largos. Pelo contrário. O discurso de Lula de que as desigualdades regionais precisam ser diminuídas ainda não resolveu algumas situações bem concretas, como bem sabe o Paraguai. Um só exemplo: uma das metas do candidato paraguaio Fernando Lugo é exigir um novo acordo sobre Itaipu, para que o Brasil compre a preço de mercado a produção de energia. Hoje, por conta de um acordo assinado pela ditadura militar brasileira com a ditadura de Stroessner, o Brasil paga muito menos do que deveria. Com esse ajuste, o Paraguai poderia receber US$ 1,8 bilhão anuais em vez dos US$ 240 milhões atuais.

Muitos dos projetos de integração sul-americana propostos pelo Brasil passam por financiamentos do BNDES. O banco ofereceu crédito para diversas obras internacionais, inclusive para a polêmica Iniciativa para Integração da Infra-Estrutura da Região Sul-Americana (IIRSA). A IIRSA propõe uma lógica da integração econômica que privilegia a construção de infra-estrutura para o escoamento de matéria-prima. Aproxima-se, assim, do método de exploração adotado pelos colonizadores. A idéia de transformar a região numa plataforma de exportação de produtos agrícolas e extrativistas é duramente criticada, especialmente pela devastação ambiental que causa e pelo desrespeito contra povos tradicionais, principalmente indígenas. São projetos como esses que levam à acusação de que o Brasil pratica um tipo de subimperialismo e que minam a confiança na liderança brasileira pela integração regional.

A intervenção no Haiti é outro alvo de críticas. Após os Estados Unidos terem participado do golpe que derrubou o governo eleito de Jean Aristide, tropas comandadas pelo Brasil iniciaram um processo de ocupação que começou em 2004 e não tem data para terminar, apesar de ter sido eleito um novo presidente. A situação econômica e social segue na última colocação do ranking do continente e do hemisfério. Sem apoio para construir infra-estrutura, o Haiti não sairá desse lugar. E o envio de soldados, em vez de engenheiros ou médicos, vai transformando a capital, Porto Príncipe, cada vez mais numa espécie de campo de testes para os soldados atuarem nas favelas brasileiras. O Haiti se mostrou uma armadilha: fácil de entrar, difícil de sair. Tentando mostrar ao mundo competência para entrar no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil se ofereceu para comandar a missão de paz. Agora, com a discussão sobre reforma na ONU praticamente esquecida, o ônus de uma falha no Haiti recairá sobre o Brasil.

Pensava-se, no início, que o governo iria alavancar os processos de mudança. Um sinal nesse sentido veio antes mesmo de Lula tomar posse, durante a transição. Em dezembro de 2001, o Brasil vendeu à Venezuela um navio de combustível que ajudou a enfrentar o desabastecimento provocado pelo lockout (greve causada não pelos funcionários, mas pelos patrões) da Petróleo de Venezuela S.A. (PDVSA), que pretendia desestabilizar o governo eleito de Chávez. No entanto, apesar de ações pontuais, o modelo escolhido pelo Brasil para avançar os processos de integração regional foi um que não se chocasse com interesses do capital internacional - leia-se bancos, multinacionais e especuladores financeiros. A Venezuela, que concorre pela liderança regional, propõe uma integração econômica em outros moldes. Assim é a Alba, em que se negocia petróleo por médicos, assim é o Banco Sul, um banco onde os países poderiam depositar suas reservas e receber juros mais justos do que quando o fazem em bancos norte-americanos, quando emprestam ou colocam dinheiro lá.

Apesar de Lula apoiar os processos transformadores que ocorrem na vizinhança, o Brasil não teve avanços significativos, impedido principalmente por uma base aliada de centro e até de direita. Assim, enquanto assistimos à mudança de época na América Latina, vivemos aqui, no máximo, uma época de mudanças.