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Estrelas de Belém

Com a ajuda da (auto)pirataria e dos camelôs, a nova geração do tecnobrega paraense reinventa a música eletrônica e reescreve as estratégias de mercado da indústria fonográfica

Vladimir Cunha Publicado em 09/01/2008, às 11h13 - Atualizado em 14/02/2008, às 16h04

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A diva Gabi Amarantos, vocalista do Tecnoshow, um dos grupos precursores do tecnobrega paraense - Marcos Hermes
A diva Gabi Amarantos, vocalista do Tecnoshow, um dos grupos precursores do tecnobrega paraense - Marcos Hermes

São 2 da manhã de sábado, e marcos Nazareno Coelho ainda não parou de fazer negócios. Grudado ao celular, ele vende discos, acerta datas de show e negocia a distribuição de seu último DVD enquanto dirige pela periferia de Belém do Pará rumo à segunda apresentação da noite.

A primeira, em uma casa noturna no distrito de Icoaraci, atraiu pouco mais de 200 pessoas. A expectativa é que na próxima o público seja melhor. Afinal, vai dividir o palco com o Biquini Cavadão em um clube classe média da capital paraense. Daqui a pouco, Marcos Nazareno irá se transformar no DJ Maluquinho, o enfant terrible do tecnobrega paraense.

Em Belém, capital do Pará, é esse o gênero predominante entre a juventude da periferia. Uma versão rasteira e eletrônica da música brega dos anos 70 e 80, envenenada com loops de bateria e efeitos sonoros. Alguns produtores mais radicais incluem na receita samples baixados da internet ou pirateados de jogos eletrônicos como Mortal Kombat e Street Fighter.

À medida que foi se modificando e flertando com outros gêneros musicais, o tecnobrega acelerou a sua batida e se distanciou da música romântica tradicional. Nas produções mais recentes, as músicas chegam à velocidade de 170 batidas por minuto e quase não têm mais melodia, apenas samples e rimas no estilo dos vocalistas de rap, que o aproximam de gêneros eletrônicos como o jungle e o grime. Existe ainda uma versão mais lenta, o melody, estilo romântico surgido quando o tecnobrega tornou-se agressivo demais. Por conta de suas letras de amor, o melody ainda mantém algum tipo de relação com a música feita por Reginaldo Rossi, Carlos Alexandre e Odair José.

Embora seja um astro do tecnobrega, Maluquinho conta com uma produção modesta. Em seu carro, ele leva a mulher, também dançarina, suas roupas e os CDs que vende depois dos shows. Em uma van alugada, vão os músicos, dois casais de dançarinos, uma cantora de apoio e três roadies. Aqui, todo mundo se vira como pode. Enquanto o Biquini Cavadão se despede do público e anuncia a última música, eles trocam de roupa na própria van. É uma correria. Maluquinho precisa começar a tocar assim que a outra banda sai de cena.

Vestindo uma saia e com uma panela enfiada na cabeça, ele sobe ao palco. O show é uma espécie de Rocky Horror Picture Show do tecnobrega. O tecladista toca de fraldas, o guitarrista vestido de The Flash. Maluquinho vai tirando a roupa ate ficar só de cuecas. A batida é forte, grave e pontuada por letras de duplo sentido. A platéia adora e responde com entusiasmo, quando Maluquinho, além de "Rubi", seu maior hit, canta versões de "O Melô da Periquita", "Chupa Paula" e de outros sucessos do estilo. Quando tudo termina, é hora de correr para o último show da madrugada. Desta vez, na casa noturna Apororoka, um galpão reformado no Telégrafo, um bairro pobre, violento e só recentemente urbanizado. Enquanto a banda se arruma, o cantor confere o cachê, a venda de discos e acerta novos shows com os produtores do evento.

Maluquinho vive na informalidade, e dela retira o seu meio de sobrevivência. Assim como todos os outros artistas do tecnobrega, ele não tem gravadora, não recolhe Ecad e suas músicas não são protegidas por direitos autorais. Nesse universo, o modelo de negócios é informal e conta com a ajuda da pirataria, dos atravessadores e dos camelôs.

Para acontecer no universo do tecnobrega, o artista deve ter o seu disco pirateado. Se cair no gosto do povo e vender bem nos camelôs, passa a tocar nas festas de aparelhagem, sistemas de som itinerantes que percorrem os bairros pobres de Belém se apresentando em galpões, terreiros e clubes de periferia.

No caminho para Apororoka, Maluquinho faz as contas. Como não depende de gravadora, ele mesmo pirateia seus discos e os revende aos camelôs.

Cada disco custa R$ 0,50 e é vendido por R$ 2 para os ambulantes e a R$ 5 nos shows. As músicas, ele grava em um computador num estúdio improvisado. A cada dez discos que vende, compra mais cem. Em uma noite boa, chega a vender 200 discos por show. Essa é a segunda onda de sucesso de Maluquinho. Entre 2002 e 2004, ao lado da cantora Gabi Amarantos e do DJ e produtor de tecnobrega Beto Metralha, ele conquistou o Pará com a banda Tecnoshow. O sucesso foi fulminante e rendeu um bom dinheiro ao trio, que também operava na informalidade. Mas, após desentendimentos financeiros, Maluquinho saiu da banda, perdeu tudo o que tinha, passou a morar na rua e na casa de amigos e recomeçou literalmente do zero. Foi quando inventou o personagem que hoje encarna nos palcos paraenses. De favor, conseguiu gravar em um estúdio de fundo de quintal o disco DJ Maluquinho e Seu Batidão, que caiu nas graças dos camelôs e rapidamente se tornou um hit graças a "Rubi", uma homenagem à aparelhagem de mesmo nome. Com o dinheiro que ganhou vendendo discos e fazendo shows, montou um estúdio caseiro e comprou um carro e um apartamento.

"Eu não tenho a menor vontade de trabalhar com uma gravadora", afirma. "Na verdade, acho que nem preciso. Para que ter um intermediário se posso gravar, prensar, divulgar e vender o meu disco? Aqui em Belém a gente conseguiu fazer a pirataria trabalhar a nosso favor. São os piratas que fazem o nosso disco chegar ao povão, que divulgam nosso trabalho e transformam uma determinada música em sucesso. Foi por causa da pirataria que o meu disco chegou ao Maranhão, ao Tocantins e ao Mato Grosso. Estou com turnês marcadas nesses três estados. Isso sem gravadora e sem jabá."

O caminho entre o estúdio de gravação e as barracas de camelôs é um tanto tortuoso e passa por um DJ responsável por garimpar as novidades que irão abastecer o mercado informal da música paraense. De moto, ele percorre os estúdios da periferia, recebendo pessoalmente dos músicos as suas últimas composições. Seu nome é Mauro de Souza, conhecido na cena tecnobrega como DJ Mauro Classe A.

A casa de Mauro tem apenas dois cômodos. Na parte da frente, um quarto serve ao mesmo tempo como dormitório e depósito de discos em vinil. Ele é também DJ da aparelhagem Rubi Saudade, especializada em música das décadas de 1960 e 70. Nos bailes do Rubi Saudade há uma regra: só se toca disco em vinil. Na sala, uma TV de tamanho médio, um aparelho de DVD, um som portátil, fotos do DJ nas aparelhagens e pilhas e mais pilhas de CDs.

Mauro começa a mostrar os discos que produziu. São centenas de coletâneas de tecnobrega e melody que ele monta em um estúdio caseiro. A primeira coisa que fala é que não lança coletâneas de músicas de grandes gravadoras, somente as produzidas por artistas paraenses. Assim que escolhe as faixas, Mauro monta um CD Master, ao qual adiciona efeitos sonoros e vinhetas do seu estúdio. Só depois que fecha o disco é que ele procura os atravessadores. Por conta das turnês com o Rubi Saudade, Mauro foi deixando as coletâneas de lado. Hoje em dia, produz cada vez menos, o que não impede que ele ainda lance os seus discos.

Um de meus primeiros encontros com Mauro aconteceu em 2006, durante o leilão de uma de suas coletâneas em um antigo casarão no centro de Belém. Na reunião, vários atravessadores. São eles que distribuem os discos de tecnobrega pelos camelôs da cidade. O preço de Mauro é R$ 40 por CD Master. Um atravessador tenta barganhar. O DJ diz que não baixa o preço. Depois de muita negociação, ele vende uma master para cada atravessador por R$ 35 a unidade. Como é praxe nessas situações, Mauro suspenderia a venda caso os atravessadores não concordassem em pagar o valor pedido ou mesmo se alguém desistisse da compra. A justificativa é que, depois que o disco chegar à praça, ninguém mais vai querer comprar a sua master. É mais fácil outro atravessador comprar um CD pirata por R$ 5 e copiá-lo indefinidamente, caso ele vire um sucesso de vendas. Faz sentido. Nas mãos de cada atravessador, são produzidas até 30 mil unidades de cada coletânea.

Um dos atravessadores presentes ao leilão, conhecido como "Gordo", é um antigo cliente de Mauro. Por dia, vende cerca de 5 mil CDs para os camelôs da região metropolitana de Belém. Boa parte desse material sai das coletâneas que o DJ vende aos atravessadores. Para garantir que ninguém vai lhe passar a perna, ele e os atravessadores mais conhecidos prensam as novidades ao mesmo tempo. Em seguida, tentam vender a maior quantidade de discos no menor espaço de tempo possível. Garantido o lucro, só então o produto chega aos atravessadores de menor porte. Gordo conta que essa é a única forma de sobreviver em um mercado como o do tecnobrega, com a sua produção incessante e barata.

É onde entra Mauro, que faz a ponte entre o que está rolando nos estúdios da periferia e os atravessadores. Seja nas festas de aparelhagem ou nos camelôs, a vida útil de um sucesso do tecnobrega é de um ou dois meses. Depois disso, dificilmente a música volta a ser tocada. É esse o período que Mauro tem para produzir uma nova coletânea. Se não apresentar alguma novidade, dificilmente alguém irá comprar um disco montado por ele. Hoje em dia, nas próprias palavras do DJ, todo mundo quer ser "um Mauro". E por ser "um Mauro", entenda-se ter o contato privilegiado com os atravessadores que espalham o tecnobrega pelos camelôs de Belém.

Mas nem sempre a coisa funciona desse modo. Morador de um bairro conhecido apenas como "O Conjunto", uma invasão da cidade-dormitório de Santa Izabel a 40 minutos de Belém, Marlon Branco é o autor da canção "Chupa Paula", o maior hit tecnobrega de 2007. Seja nas festas da classe média ou nos salões da alta sociedade, ninguém ficou imune a ela. Talvez porque Marlon Branco foi direto ao ponto, trocando as letras de duplo sentido por uma espécie de gangsta-brega cujos versos não podiam ser mais explícitos: "Se você quer que eu vá descendo até embaixo/Se você quer que eu vá descendo só de cueca/Chupa, chupa, chupa Paula e mete o pau na máquina/Chupa, safadinha, e vem pra cá dançar".

Além disso, "Chupa Paula" revela ainda outra característica marcante do tecnobrega: a auto-referência. De cada cinco músicas gravadas, pelo menos três trazem no título os nomes dos DJs ou das aparelhagens. "Pop Som", "Tupinambá", "Príncipe Negro" e "Rubi" são as mais citadas. Quem faz a média espera garantir a execução das músicas nas festas por conta da homenagem. Com o tempo, passou-se a falar também das turmas de bairro, das gangues de rua e até mesmo dos fãs. E aí surgiram músicas com títulos como "Galera da Moto", "Galera do Rock" e "A Casa das Sete Mulheres", e letras falando do camelô "Spock do Comércio" e de "Júnior da Picape", famoso por carregar duas colunas de alto-falantes na traseira de sua caminhonete e animar a entrada das festas de aparelhagem com seu sistema de som ambulante. Funciona, a grosso modo, como uma espécie de afirmação contínua da identidade dos moradores da periferia de Belém resumida nos versos "Essa menina ela veio de baixo e não gosta de rock/O que ela gosta mesmo é de aparelhagem", da famigerada "Chupa Paula".

Marlon não sabe explicar muito bem como "Chupa Paula" atravessou as fronteiras de Santa Izabel e conquistou o Pará. O que ele conta é que, assim que terminou de gravá-la, mandou a música por MSN para alguns amigos. Segundo ele, foi o suficiente para que a canção se espalhasse.

Da internet, foi para os camelôs. E dos camelôs para as festas de aparelhagem. O dinheiro, que ainda é pouco, vem com os shows. Em um final de semana movimentado, Marlon Branco e sua banda atravessam o Pará amontoados em uma van alugada, tocando pelo interior do estado. Dependendo da distância entre uma cidade e outra, chegam a fazer até dois shows por noite.

"Chupa Paula" é um sucesso. Mas, ao contrário de Maluquinho, Marlon Branco ainda não ganhou dinheiro. Mora com os pais, não tem carro e cobra um cachê modesto. As músicas, ele grava em um computador. As batidas e os arranjos são feitos em uma versão pirata do software Fruity Loops, o que o obriga a apelar para uma série de gambiarras e macetes para criar uma única base. Volta e meia o programa tem que ser reiniciado por causa de alguma operação ilegal. E, como não pode bancar uma banda, os ensaios e shows contam apenas com dois casais de dançarinos, uma cantora de apoio e um MP3 player para rodar as bases.

Qual seria então o "sucesso" de Marlon Branco?

"Sucesso pra mim é ser considerado", responde ele. "Até o ano passado, eu não era ninguém. Fui cantor romântico e até dupla sertaneja eu tentei montar. Não deu em nada. Até que um dia, eu tava na janela e comecei a fazer a música da Paula e virei o Marlon Branco, cantor de tecnobrega. Hoje, eu chego numa festa ou num bar e a galera me conhece, as gatinhas pedem autógrafos, o pessoal fica comentando 'olha, lá vai o Marlon Branco do "Chupa Paula"'. Isso pra mim é sucesso. Ainda não fiquei rico, mas já ganho um dinheiro. Seria legal se eu aparecesse para todo o Brasil, se fosse ao Faustão. Mas, se isso não acontecer, eu vou aproveitando enquanto eu posso. Do jeito que der."

Além dos camelôs, a produção dos artistas de tecnobrega tem um outro destino certo: as festas de aparelhagem. Na ativa desde os anos 50, a partir da década de 70 foram incorporando várias inovações tecnológicas até se tornarem enormes paredes de som e luz, nos moldes dos soundsystems jamaicanos ou das equipes de som do funk carioca.

Somente na Grande Belém, existem cerca de 300 aparelhagens. Sobreviver nesse meio não é fácil. É preciso estar sempre um passo à frente da concorrência. Quanto maior e mais espalhafatosa for uma aparelhagem, mais gente ela leva às suas apresentações.

É tarde de domingo no bairro do Icuí-Guajará. Atento, Dinho, o principal DJ da aparelhagem Treme-Terra Tupinambá, acompanha de perto a instalação de um display de leds. "Igual ao da Ivete Sangalo", faz questão de dizer. A inauguração do display é o grande evento do fim de semana para os fãs da aparelhagem. Desde o começo do ano, o Tupinambá atravessa uma crise de popularidade por conta do sucesso do Super Pop, aparelhagem rival que vem fazendo as apresentações mais concorridas da capital paraense. Comandado pelo DJ Juninho, que surge pendurado no grid de luz da aparelhagem e que "fuzila" o público, acionando samples de tiro de metralhadora em um teclado midi, o Super Pop fez as festas mais concorridas de 2007 e foi o campeão de músicas em sua homenagem. Em agosto, levou quase 10 mil pessoas a um clube na cidade de Marituba para a festa da Garota Pop Som, mistura de concurso de miss com show de tecnobrega. Enquanto isso, o Tupinambá foi perdendo público e tocando em lugares cada vez menores. Ao que parece, um display de led de última geração seria uma forma de reconquistar os fãs perdidos e reafirmar a aparelhagem como a maior e a mais sofisticada de Belém.

Dinho é esperto. Desde 2004, vem diversificando os negócios e criou um pequeno império de mídia na periferia de Belém. Em um estúdio caseiro no bairro do Jurunas, ele grava o programa Na Freqüência na TV. Especializado em tecnobrega, é exibido aos sábados à tarde em uma TV local. No estúdio improvisado, é o próprio Dinho quem checa o figurino e dá algumas orientações ao câmera, na verdade o único membro da equipe e uma espécie de faz-tudo do programa. Sem diretor, sem marcação e sem roteiro, começa a falar anunciando reportagens, mandando abraços e comentando as festas do último fim de semana. Para iluminar, apenas um ponto de luz. Assim que ele é ligado, o calor se torna insuportável. Dinho inventa suas falas na hora e raramente erra. E, mesmo quando se atrapalha com alguma coisa, não pára de gravar. Em menos de 20 minutos, as chamadas do programa estão prontas para serem editadas.

O programa é gravado no estúdio Áudio Digital na casa do produtor Beto Metralha, no bairro do Jurunas. Como todas as outras casas do bairro, o estúdio se expandiu de acordo com as necessidades do proprietário. Beto dividia uma casa de alvenaria com a mãe, o pai e o avô. Casou e teve uma filha, mas continuou morando no mesmo lugar.

Quando virou produtor de tecnobrega, montou um estúdio improvisado em um cômodo no fundo do quintal. Ao se associar a Dinho para produzir o Na Freqüência na TV, construiu mais um andar. Em cima, Beto produz música. Embaixo, Dinho e o câmera gravam o programa de televisão. Em um terceiro cômodo, construído no segundo andar, montou uma ilha de edição, onde, além do Na Freqüência na TV, edita alguns comerciais.

Tudo é feito na raça. Autodidata, Beto aprendeu a gravar e a produzir discos há cinco anos, quando se associou à banda Tecnoshow. Somente com um computador Pentium 100 e alguns programas piratas, que aprendeu a manusear em menos de duas semanas, produziu e gravou o CD de estréia da banda, que vendeu mais de 30 mil cópias somente na capital do Pará. Com o dinheiro que ganhou com as vendas do disco e com os shows do grupo, montou o seu primeiro estúdio, de proporções modestas e poucos recursos. Ao sair da Tecnoshow, foi trabalhar como produtor musical até estrear na televisão junto com Dinho.

A maneira de Beto fazer TV segue a mesma lógica que ele aplicou à música: enxugar ao máximo os custos de produção, utilizando equipamentos baratos e trabalhar com uma equipe reduzida.

Dinho dirige, apresenta e improvisa seus textos. O câmera grava, cuida da iluminação e ajuda o DJ com as suas falas. Beto edita, produz a trilha sonora, cria as animações em computação gráfica que compõem o cenário do programa e finaliza o material. Nenhum deles estudou ou mesmo teve algum tipo de educação formal em rádio ou televisão.

É um modo meio anárquico de produção em que mesmo os erros acabam sendo aproveitados e se revertem a favor do trio. Ao perceber, com o programa já no ar, que a ficha com as datas de shows do Tupinambá que Dinho usava era da cor verde e, por conta disso, absorvia as imagens de fundo utilizadas no chroma, Beto aproveitou para criar a "ficha virtual", dando a entender que ela era gerada por computador. A embromação fez sucesso. E o que era para ser um erro técnico, impensável em qualquer outra emissora, foi saudado como uma grande inovação pelos espectadores. Já os tropeços do DJ foram mantidos quando os fãs do Na Freqüência na TV começaram a achar que, por causa deles, o programa era exibido ao vivo.

Com a carreira em baixa, Dinho luta para sobreviver no mercado do tecnobrega. Ainda assim, é tratado como um popstar pela população de Belém. Resultado dos minutos generosos dedicados a ele por Regina Casé em 2004, no quadro Brasil Total, do Fantástico, e em 2006, no programa Central da Periferia, apresentado por ela e exibido aos sábados à tarde pela Rede Globo. Depois de um período de ostracismo a partir do final da década de 1990, Dinho voltou a chamar a atenção do público quando modernizou o Treme-Terra Tupinambá e moldou para si um personagem que simbolizava uma Amazônia pop e high tech, embora com suas raízes fincadas na selva. Ao combinar streetwear com adereços indígenas e misturar a tradição das festas de aparelhagem com jogos de luz, raios laser e telões de alta definição, ele se proclamou cacique da "Tribo Tupinambá", renascendo para as massas como o "Fantástico DJ Dinho", numa alusão à sua participação no programa dominical da Globo. A figura popularesca de Regina Casé e o poder de persuasão da maior emissora do país lhe deram o aval externo que ele tanto necessitava.

Hoje, ameaçado pela súbita popularidade do Super Pop, Dinho tenta voltar ao topo. Em um mercado tão efêmero quanto o do tecnobrega, talvez isso seja só uma questão de tempo.

Enquanto isso, Beto Metralha vê a sua carreira mudar de rumo, deslocando o seu eixo de atuação da música para a televisão. Não por vontade própria, e sim por uma nova configuração no mercado tecnobrega de Belém do Pará. O seu estúdio de gravação, de onde até dois anos atrás saía boa parte dos sucessos do gênero, há muito não é utilizado.

São poucas as bandas que o procuram para contratar seus serviços de produtor musical. Na tarde de hoje, enquanto Dinho grava o Na Freqüência na TV no andar de baixo, Beto edita o comercial de televisão de uma festa de aparelhagem, atende os clientes e checa as reportagens que serão exibidas no próximo programa. Através do MSN, recebe dezenas de músicas em MP3 de outros produtores e artistas do tecnobrega. Sem muita paciência, escuta apenas os trechos de cada uma e decide qual delas será utilizada como trilha sonora do Na Freqüência na TV.

Beto não parece abalado por não arrumar trabalho como produtor musical. Ele tem consciência de que, em se tratando do tecnobrega, essa é uma atividade em extinção. Agora que o acesso à tecnologia já não é mais tão difícil, cada banda passou a ter o seu próprio estúdio de gravação. Por ser feito a partir de programações eletrônicas e loops de bateria, um computador razoável, uma mesa de som e um teclado é tudo o que alguém precisa para produzir um disco do gênero. Pela internet de banda larga, recém-chegada aos bairros pobres de Belém, se distribuem as músicas para outros produtores e para os DJs. Talvez por isso, no universo periférico em que o estilo está confinado, essa facilidade de produção permita que se lance tanta música em um espaço tão curto de tempo. Talvez esta também seja a razão da enorme quantidade de discos de baixa qualidade dentro do limitado mercado do tecnobrega.

Com seu cocar de cacique, envolto em fumaça e feixes de laser, Dinho surge em uma plataforma que avança sobre o público, fazendo pose e reafirmando a sua posição de ícone pop local para o público do Icuí-Guajará. Ao fundo, o tal display de leds. Nele são exibidas a foto do DJ, a logomarca em forma de "T" do Treme-Terra Tupinambá e cenas de filmes e desenhos animados. O público se empolga com a novidade e vibra quando Dinho cruza os braços, brada palavras de ordem e dispara vinhetas sobre a sua aparelhagem e samples de gritos indígenas. Das montanhas de alto-falantes, surge a voz de Regina Casé reafirmando o aval global ao popstar amazônico. Uma seqüência de luzes estroboscópicas embaralha os sentidos e facilita o transe. Na platéia, difícil é achar quem não está com os braços levantados encostando a mão direita no antebraço esquerdo. Um gesto de identificação tribal que forma o símbolo do Tupinambá, popularizado pela música "Faz o T", da diva tecnobrega Gabi Amarantos. Quando termina o seu espetáculo multimídia, e após o cacique ser devidamente apresentado aos seus seguidores, uma potente batida sai dos alto-falantes. É então que a liturgia pop dá lugar à dança, a liberação ansiosamente aguardada por quem já prestou as devidas reverências ao seu líder.

A festa avança pela noite. Em um volume altíssimo, que faz o chão tremer de verdade, o Tupinambá despeja uma música atrás da outra. Algumas são conhecidas. Outras acabaram de ser gravadas e sequer chegaram aos camelôs. Seja como for, a maioria delas não vai durar muito tempo. Não que isso faça alguma diferença. No tecnobrega, tudo é descartável. Talvez até mesmo a própria figura do DJ. Pode ser que Dinho jamais volte a ser o ídolo de antes. E amanhã seja a vez do Super Pop cair para a zona de rebaixamento. É apenas mais um ciclo que se fecha na voraz cadeia alimentar do tecnobrega.