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Lula não é Chávez - é Lula

O presidente brasileiro quer o poder, mas de forma sutil. E não quer o terceiro mandato em 2010, mas em 2015.

Da redação Publicado em 12/02/2008, às 16h46

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O governo é o Lula. Ou melhor, Llula é o governo. Pode parecer óbvio, mas não é. No Brasil, muitas vezes presidentes são passageiros do seu próprio mandato, presos a alianças políticas ou circunstâncias da economia. No caso de Lula, isso não aconteceu. Para não cair num exagero típico dele, não vamos dizer que "nunca", mas poucas vezes na história do Brasil, as estratégias, decisões e até os humores do presidente influenciaram tanto os destinos de um governo e do país. Entender o personagem Lula é fundamental para compreender o seu governo. E, mais importante, saber aonde ele quer chegar.

O Lula de hoje é diferente do que tomou posse há pouco mais de cinco anos. A crise política provocada pelo escândalo do mensalão e outras denúncias de corrupção contra o governo e o PT deixaram o presidente mais desconfiado dos políticos e ao mesmo tempo mais seguro na sua capacidade de resolver as crises apelando diretamente para os brasileiros mais pobres. Isso faz com que às vezes seu discurso de pobres contra ricos e os ataques "às elites" lembrem o tom incendiário do venezuelano Hugo Chávez. Mas que ninguém se engane. Lula não é chavista. Assim como nunca foi socialista, comunista ou marxista. Ele é lulista. E uma de suas principais características é a capacidade de adequar o discurso à platéia e aos interesses.

Em 2005, no auge da crise do mensalão, Lula teve medo de sofrer um impeachment. Os escândalos tinham minado a imagem dele e do governo. Não tinha apoio popular e sua base no Congresso estava dividida e enfraquecida. Ironicamente, uma das coisas que o salvou foram os baixos índices que obtinha nas pesquisas de opinião pública. Um ano antes da eleição, elas diziam que o presidente seria batido pelo candidato tucano, fosse ele qual fosse. Diante da perspectiva de retomar o poder nas urnas, a oposição preferiu evitar os riscos institucionais do impeachment. Com isso, deu tempo para que Lula retomasse o fôlego.

Ele foi buscar esse fôlego junto ao povão. Seu governo ampliara os programas assistenciais como o Bolsa-Família a números nunca vistos. Milhões de novos brasileiros passaram a ganhar um dinheirinho do governo todo mês. Para a maioria deles, isso representou uma mudança de vida. Nesse terreno fértil, Lula lançou sua retórica. Durante os meses que antecederam a campanha eleitoral, transformou qualquer evento de governo num comício. Ia a favelas para inaugurar obras ou a assentamentos rurais para anunciar medida. Anunciava um "pacote de bondades" por semana. Gerou imagens fortes para os telejornais. Nelas, um presidente suado, sem gravata, com as mangas da camisa dobradas e muitas vezes com um capacete de operário na cabeça, dirigia-se ao povo falando em sua língua, inclusive com tropeços no português. Passou a se apresentar como o presidente dos pobres. O ex-retirante nordestino a quem as elites não perdoavam o sucesso por ter chegado à presidência da República. Deu certo, como todo mundo sabe. Lula foi reeleito com grande vantagem sobre o tucano Geraldo Alckmin.

Falando assim, o discurso lembra mesmo o de Hugo Chávez. As diferenças estão na prática. Chávez rompeu com o modelo de democracia representativa na Venezuela. Ignora o parlamento e tenta governar por plebiscitos, que lhe garantam cada vez mais autoridade. Lula faz o que pode para adaptar-se ao modelo parlamentar brasileiro, por mais que ele o irrite. Ele sempre se preocupou em construir uma maioria sólida no Congresso. Depois do risco de impeachment, essa preocupação só aumentou. Atrapalha-se nisso, é verdade. Lula nunca gostou das articulações do Congresso. Deputado por um mandato, deixou claro que não pretende voltar à Casa.

No primeiro mandato no Planalto, a tentativa de formar essa base se deu através do pagamento em dinheiro a partidos como PP, PTB e PL. Coordenada pelo ex-ministro José Dirceu e operada por dirigentes do PT como Delúbio Soares, a estratégia terminou nas denúncias do mensalão. Reeleito, Lula mudou o jogo. Voltou ao antigo esquema de cooptação. Ofereceu aos partidos aliados participação no governo. Em bom português de político, isso significa acesso a cargos e verbas públicas. Até aqui, vem funcionando de maneira razoável, apesar de alguns tropeços, como a rejeição da CPMF.

Mas Lula sabe que esse tipo de apoio é volátil. O PMDB é tão bom em sair de governos quanto em entrar neles. Basta que alguma crise torne a permanência arriscada. Só há duas coisas capazes de segurar uma aliança de partidos tão contraditória quanto a que apóia o atual governo. A primeira é o poder. Lula tem e sabe usar. Basta ver a forma como a máquina do governo foi ocupada pelos aliados. O segundo é a perspectiva de poder. Um presidente sem condições de vencer as próximas eleições parece cada dia mais com um ex-presidente. E poucas coisas são tão pouco atraentes na política quanto um ex-governante.

É por isso que Lula continua com a ligação direta com o povão. Sabe que são eles que podem decidir a seu favor as eleições de 2010. E aí vem mais uma diferença entre ele e Chávez. O presidente brasileiro quer sim manter o poder. Mas de uma forma mais sutil que a de seu colega venezuelano. Lula não quer o terceiro mandato em 2010, como tanto se especula na imprensa e no Congresso. Na verdade, ele quer mais. Seu sonho é ser o político mais influente do Brasil pelo menos até 2020. A estratégia para chegar a isso é menos simplória do que supõe a oposição.

O presidente sabe que a tentativa de mudar a Constituição para permitir que ele dispute uma nova reeleição é uma aventura perigosa. Para começar, é muito difícil que o Congresso aprove. Para mexer na Constituição, é preciso dos votos de três quintos dos deputados e senadores. Se o governo não conseguiu esses votos para prorrogar a CPMF, não dá para imaginar que teria sucesso ao tentar aumentar o mandato do presidente. Além disso, pareceria tentativa de golpe e poderia desgastar a imagem dele, que hoje é muito boa, segundo as pesquisas.

Lula quer outra mudança na Constituição, esta com ares democratizantes. Defende o fim da reeleição e a ampliação do mandato do próximo presidente para cinco anos. Essa idéia tem boas chances de passar, inclusive com o apoio da oposição. O PSDB se aperta para escolher seu candidato, entre José Serra e Aécio Neves. O fim da reeleição facilitaria um acordo entre eles.

O sonho de Lula é eleger alguém ligado a ele, como Dilma Rousseff para a presidência em 2010. Se isso acontecer, ele continuará comandando o governo. Terá sido o principal eleitor do presidente no poder e ao mesmo tempo será um fortíssimo candidato a voltar em 2015. Essas condições garantiriam que o poder continuaria a passar por suas mãos. É isso que ele mais quer. Assim é Lula.