Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

Sete crises - até agora...

O saldo negativo do atual governo: denúncias, escândalos e a desmoralização de parlamentares e de partidos

Aloísio Milani Publicado em 12/02/2008, às 16h40

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail

Xinguei a poeira e o mundo enquanto meu nariz resistia à proximidade necessária para a leitura de uns parcos recortes amarelados da pasta azul rotulada com vermelho: "crises políticas. Mantenho um pequeno arquivo de notícias em papel desde o final do primeiro mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso. Em ordem decrescente, meu último recorte era a capa da Playboy com Mônica Veloso. Não era assim uma notícia propriamente da crise, mas dava um tom de sacanagem a essa sangria do ex-presidente do Senado Renan Calheiros - com denúncias mil e duas absolvições no placar do plenário. Mas deixei a tatuagem da Mônica de lado e voltei a folhear os recortes do fim.

Sem parar de espirrar, relembrei casos emblemáticos da era FHC: a farra do Proer, que custeou prejuízos dos bancos; a emenda da reeleição, votada com denúncias de compra de votos; o caso Marka/FonteCindam, envolvendo o Banco Central e a maxidesvalorização do Real; o alfarrábio de dossiês do banqueiro Daniel Dantas, anotado pela imprensa como o que influenciou a intervenção no fundo da Previ. Só de lembrar esses casos, dava para ver que crise política havia de todo jeito. E de outros carnavais. Ligadas ao sistema financeiro, ao governo e até ao Congresso Nacional, como a renúncia dos senadores ACM e José Roberto Arruda por violação no painel eletrônico.

Pela pasta velha, chego à era Lula, no comando, em Brasília. Recheado de denúncias e escândalos, os cinco anos do governo tiveram sucessivas crises com a desmoralização de partidos (principalmente o PT) e de parlamentares. Estes montados em suas máfias das emendas orçamentárias para ambulâncias e obras de engenharia. A arena política se tornou lavadouro dos ataques públicos. Como "nunca antes na história do Brasil", tantos escândalos viraram caso de polícia e panfletos partidários. A glória dos gladiadores era encontrar manchas éticas piores do que as suas próprias. Perdido ficava o povo, sem entender tamanha sujeira.

A imprensa gastou toneladas de papel com o noticiário das crises, contudo vale um lembrete. Considero que a era Lula tenha sete crises, diretamente envolvidas ou não com o governo. Não considero na conta casos de repercussão limitada, como denúncias contra o presidente do BC, Henrique Meirelles, ou ao ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto. Ou derrotas políticas como Severino Cavalcanti na presidência da Câmara ou o fim da tragicomédia da CPMF. Mesmo assim, essas sete crises se arrastaram e pareciam não ter hora para acabar.

A primeira começou com o assessor de Assuntos Parlamentares Waldomiro Diniz, flagrado numa gravação de 2002, ao negociar com bicheiros recursos para campanhas eleitorais. Engrossava o problema a acusação de que ele teria influenciado na renovação de um contrato entre a Caixa Econômica Federal e a GTech. A segunda foi a maior de todas: o mensalão, como foi apelidada a denúncia de que parlamentares recebiam dinheiro para votar a favor do governo na Câmara. O caso começou com outro flagra, desta vez com Maurício Marinho, citando o presidente do PTB, Roberto Jefferson, em um esquema de arrecadação de propina.

Foi pisar no calo de Jefferson que se seguiu um contra-ataque cáustico e monstruosamente acertado. Parecia o capitão Nascimento. Ele, que já fora da "tropa de choque" de Collor, escolheu o alvo: José Dirceu, bastião do núcleo duro do governo Lula. Jefferson acusou Dirceu de "chefiar uma quadrilha" que distribuía mesadas mensais para deputados "aliados". O rótulo pegou e começou a temporada de caça aos culpados (assim eram tratados). CPIs, inquéritos policiais e sindicâncias administrativas corriam soltas. Eram pelo menos 11 frentes de investigação em diferentes órgãos. Os brasileiros conheceram o empresário Marcos Valério. Caíram José Dirceu, Luiz Gushiken, José Genoino e uma trupe de deputados e assessores.

Não era difícil ver petistas cantarolarem o refrão de "Cartomante", composta por Ivan Lins e Victor Martins: "Cai o rei de espadas / Cai o rei de ouros / Cai o rei de paus / Cai, não fica nada". Como num dominó melódico. Era tempo de denúncias politizadas. Às vezes, uma simples hipótese era manchete e repercutia por semanas, tal como uma mordaça às avessas, imposta pela mídia.

Posteriormente, o caso virou peça de denúncia formal pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza - aceita, em 2007, pelo Supremo Tribunal Federal e que aguarda julgamento. Ainda sem data.

Outro pilar do governo caiu logo depois. Antonio Palocci, forte ministro da Fazenda, foi indiciado após participar da quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa, quando este era testemunha da CPI dos Bingos. A quarta e a quinta crises sucederam-se por dois casos envolvendo o esquema de emendas parlamentares, fonte de votos e recursos para deputados e senadores corruptos: a máfia do superfaturamento de ambulâncias, que tinha uma funcionária como ponte dentro do Ministério da Saúde; e os acusados pela Operação Navalha, em que políticos estavam num esquema de favorecimento da empreiteira Gautama, em troca de propina. O último derrubou o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau.

Às vésperas da eleição de 2006, uma mala de dinheiro apreendida pela Polícia Federal mostrou um emaranhado novelo de contra-informação política para as disputas partidárias. Seriam documentos que comprovariam a participação de políticos tucanos no esquema dos sanguessugas. O caso perdeu força perto do pleito, Geraldo Alckmin perdeu, José Serra ganhou o governo paulista e nunca se descobriu a origem certa daquele dinheiro dos petistas. A sétima é caso conhecido atualmente. Renan Calheiros foi acusado de ter contas pessoais pagas por lobistas; de ter usado laranjas à frente de emissoras de rádio, etc. Já foi absolvido duas vezes.

Anoto, como opinião derradeira, o saldo aprendido pelas crises recentes: mais uma vez, a falência moral de um modelo de política, baseado na troca de favores político-partidários, na qual a democracia sucumbe; o vácuo de informação da imprensa, que após inúmeras denúncias, esqueceu suas próprias especulações, sem qualquer autocrítica; o descolamento do eleitorado da própria crise na reeleição do presidente Lula, que o reelegeu com votação esmagadora; e o último meu nariz acusa - vou trocar o arquivo da crise do papel pelo digital. O cheiro ficou insuportável.