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Memórias do Subsolo

O cinema discute a vida das periferias ou se aproveita dessas cenas inéditas?

Thereza Dantas Publicado em 08/05/2008, às 10h12 - Atualizado em 04/08/2008, às 18h19

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Cinema Verdade - Cenas de Bróder, de Jeferson De (acima, entre os atores Zezé Motta e João Acaiabe). (Ao lado, acima) Cássia Kiss e Ailton Graça. (Ao lado) Caio Blat como um dos protagonistas do longa
Cinema Verdade - Cenas de Bróder, de Jeferson De (acima, entre os atores Zezé Motta e João Acaiabe). (Ao lado, acima) Cássia Kiss e Ailton Graça. (Ao lado) Caio Blat como um dos protagonistas do longa

Na sala de uma discreta casa do bairro Pompéia em São Paulo, o cineasta Jeferson De chega para um bate-papo sobre Bróder, sua nova produção. Um dos mentores do movimento "Dogma Feijoada" - que colocou na pauta a questão do negro na filmografia nacional -, ele mostra que seu corpo é seu discurso sobre as agruras e as alegrias de se aventurar na sétima arte neste país. "Não quero mais ver negros só nas telas, quero que eles dominem todos os processos, que estejam presentes em todas as áreas."

Para soltar essa frase (com propriedade), Jeferson vem trabalhando duro na área audiovisual. Bróder é seu primeiro longa-metragem, um relato de 24 horas na vida de três amigos: Jaiminho (Jonathan Haagensen), Pibe (Silvio Guindane) e Macu (Caio Blat). "Eles representam o 'Caminho do Milagre': o jogador de futebol ou o cantor de pagode que alcança a fama (Jaiminho), o batalhador que sobrevive em outro bairro e enfrenta problemas raciais (Pibe) e o jovem que se envolve com o crime organizado (Macu)." Mas quem melhor para contar uma história como essa? Um narrador ou um agente da realidade? Jeferson De acredita que traz, desta vez, um outro olhar. "A produção exigiu uma articulação junto aos representantes da comunidade e hoje posso dizer que este filme está sendo feito de dentro para fora."

O fator auto-estima também é determinante para comunidades que têm acesso, ou são retratadas, na TV e no cinema. "Ouvi depoimentos de moradores que diziam que antes de Antônia [outra película que também filmou a dura realidade da periferia], quando iam procurar emprego, colocavam seu endereço, mas localizavam a rua como se fosse nos bairros da Freguesia do Ó ou de Pirituba. Hoje, todos têm uma ponta de orgulho ao afirmar que vivem na Vila Brasilândia", conta a diretora Tata Amaral. "As meninas - Negra Li, Cindy, Leilah Moreno e Quelynah - ficaram conhecidas. A marca virou sinônimo de mulher guerreira, batalhadora, com a qual uma infinidade de jovens e adolescentes se identificam", completa.

O que dizer então do Capão Redondo, que recebe atores como Caio Blat, Cássia Kiss, Ailton Graça e Zezé Motta? Uma equipe de quase 20 pessoas se espreme em uma locação com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e quintal na rua Flávio Seabra Pires do Campo, casa número 231. Nada muito maior do que 80 m2. Para rodar esse longa considerado de baixo orçamento (R$ 2,5 milhões), são quase 3 toneladas de equipamentos. Cássia Kiss, a Dona Sônia, conta que o convite do diretor a trouxe para o bairro, mas que se sente à vontade no papel. "A Dona Sônia é uma guerreira. A luta dela pela sobrevivência é muito forte e tenho total compatibilidade com essa mulher." Caio Blat ficou muito impressionado com a história. "Foi esse movimento por um novo Capão Redondo que me fez interpretar o Macu."

Para os atores Jonathan Haagensen e Ailton Graça, o roteiro, o Capão Redondo, a possibilidade de outra visão sobre a periferia os levaram para casa de Silvana Marques, onde acontece grande parte das cenas. Silvana é promotora de vendas, tem uma filha de 3 anos, fez diversos cursos de teatro e hoje vê em Bróder uma possibilidade de mudança - ela participa como a amiga da personagem Elaine (Cíntia Rosa). A mudança também acontece na vida de Victor Nascimento de Lima, o Jeferson (irmão de Macu). O ator-mirim, descoberto pela produção, estuda na 6ª série, adora estar entre globais. Na trilha, a música do Du Bronk's/Napão, nova geração do rap, um dos cinco integrantes do grupo Rosana Bronk's e personagem do longa. O ator e músico é a porção "verdade" da coisa, segundo o diretor. Mas Jeferson De adianta: "O filme não fala da violência nem sobre o rap, mas trata da periferia. Me interessa contar a história de jovens da periferia urbana. Acho que esse assunto pode emocionar as platéias".

A periferia é violenta, musical, solidária, pobre ou rica, depende dos olhos de quem a vê e a descreve. A visão de Jeferson sobre esse mundo chega à tela grande no início do ano que vem.