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O Camaleão

Cameron Crowe Publicado em 07/08/2008, às 17h13 - Atualizado em 20/02/2013, às 15h03

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David Bowie, o maior camaleão do rock
David Bowie, o maior camaleão do rock

Corinne Schwab provavelmente é a última remanescente da fase glitter de David Bowie - os dias de Ziggy Stardust, figurinos berrantes, guarda-costas grosseiros, do ex-empresário Tony De Fries e da mística dos bastidores do Max's-Kansas City.

Em seus três anos como sua secretária, Corinne viu Bowie astutamente fazer sua jogada mais difícil até agora: a mudança de roqueiro cult para estrela da música e do cinema, com um alcance mais amplo. "Sempre quis ser uma espécie de Frank Sinatra", ele diz. "E eu terei sucesso."

Empurrando um carrinho em um supermercado em Hollywood, a três quadras de onde Bowie trabalha no novo disco, Station to Station, ela diz que não tem dúvida alguma sobre algo tão óbvio quanto o sucesso do músico em realizar a meta que traçou para si. Da maneira que ela vê, David só tem um problema.

"Eu tenho que colocar mais 'substância' nesse rapaz", ela suspira. E com isso põe cuidadosamente mais oito caixas de leite extra-enriquecido no carrinho.

Caminhando pela rua do Cherokee Studios, David Bowie está de volta após três meses livre de vícios no Novo México, onde estrelou o filme de Nick Roeg, O Homem que Caiu na Terra. Ainda está tomado pela experiência e, segundo Corinne, nunca esteve tão saudável. Está relaxado e quase humilde enquanto caminha pelo estúdio e instrui seus músicos (Carlos Alomar e Earl Slick nas guitarras, George Murray no baixo e Dennis Davis na bateria) durante as canções. É uma total evolução do David Bowie de seis meses atrás.

Mas naquela época, claro, qualquer coisa que não fosse uma total revolta de personalidade estaria completamente fora do personagem para ele. "Eu amo isso", exclamou meses antes. "Sou apenas minha própria corporação de personagens."

Em verdade, ele é qualquer coisa que você quer que ele seja no momento oportuno - um michê paranóico, oportunista arrogante, um ator versátil, um cavalheiro e talvez até um gênio.

Afinal, ele havia me avisado de cara: "Não espere encontrar o verdadeiro... O Davy Jones [nome real de Bowie] por baixo disso tudo".

Maio, 1975. São 4 da manhã. Horário de Hollywood e David Bowie está agitado com a energia. Está inquieto, botando e tirando o cigarro dos lábios cerrados, balançando de leve na cadeira atrás da mesa de controle temporária de demos do estúdio, com o olhar fixo em Iggy Pop, através do vidro.

Bowie passou as últimas nove horas compondo, produzindo e tocando cada um dos instrumentos. Finalmente, chegou a hora de Pop fazer a sua parte. Afinal, é a demo de Iggy.

Bowie toca num botão e a sala se enche de uma faixa instrumental fúnebre e meio sinistra. Sem camisa, Iggy escuta atentamente por um momento e então aproxima-se do microfone. Não aprontou nenhuma letra, e em nome do improviso ele resmunga:

Você sai à noite da sua transa de sessenta dólares pela West Hollywood.

Com suas roupas rasgadas não sabe que está horrível.

Quero dizer, será que você é tão idiota assim?

Quero dizer, não quero que você seja tão idiota assim, tá sabendo?

Mas você é.

Você é tão idiota assim.

Direto do berço para dentro do buraco.

Ao teu lado.

Ele começa a gritar.

Quando atravesso o Du-ah.

Sou sua nova raça de wu-ah.

E agora vaaaaaaaaaaamos beber

À minha saúuuuuuuude.

Bowie aperta o coração e sorri de alegria como um pai orgulhoso vendo o filho na peça da escola. Seus sussurros são de encantamento total - "Eles não sabem apreciar Iggy", comenta. "Quando o improviso começa a fluir, ninguém se compara. É jazz verbal, cara!"

Pop, em pessoa, está exausto com sua erupção: escuta apenas uma vez ao corte finalizado e meio grogue proclama que "é a melhor coisa que já fiz".

Uma companhia feminina se materializa, como se estivesse na fila, arrastando-o estúdio afora por um naco de cabelo platinado tingido.

"Vão e lá façam o que têm que fazer", Bowie diz. "Só não demorem muito. Temos muito mais trabalho para fazer amanhã."