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Tá Rindo do Quê?

Humoristas brasileiros usam a cara-de-pau como arma, satirizam a vida real e se apóiam em fórmulas clássicas que garantem a boa piada. A TV vive um novo escracho, mas continua a reverenciar os grandes mestres

Redação Publicado em 12/12/2008, às 15h14

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MAURÍCIO NAHAS/GERSON NASCIMENTO
MAURÍCIO NAHAS/GERSON NASCIMENTO

Os contadores de histórias para rir que nos perdoem, mas a velha fórmula da piada não é mais fundamental para arrancar gargalhadas e atrair a audiência na TV brasileira. Sabe aquela do português, do brasileiro e do argentino? Perdeu a graça. Quem precisa de ficção quando um repórter de língua afiada que soa como um mix de Seu Madruga com Mazzaropi, na presença de outra dezena de jornalistas, diz ao banqueiro Daniel Dantas, envolvido em um escândalo de corrupção, que se ele tivesse dado uma propina no primeiro encontro de ambos não estaria novamente ouvindo aquelas perguntas constrangedoramente indiscretas?

Quem necessita de personagens como o craque de futebol Coalhada, criado pelo genial Chico Anysio, quando uma garota revelada no Big Brother, travestida de repórter e vestida com o mínimo de roupa possível, pergunta diretamente ao craque bom-moço da Seleção Brasileira, Kaká, carola de carteirinha que contou ao mundo que casou virgem (e não estava fazendo piada), se ele está recuperando o tempo perdido com a mulher - e ainda por cima arranca uma sincera e animadíssima resposta positiva?

O homem contemporâneo pensa diferente desde a popularização da internet, a partir dos anos de 1990, e do choque de realidade que a cultura pop levou quando a Endemol criou o Big Brother - a primeira edição foi ao ar em 1999, na Holanda; o reality show chegou aos Estados Unidos em 2000; ao Brasil, em 2002. Agora que qualquer mané pode ser famoso na TV e todo mundo é convidado a interferir e a interagir com a notícia e a indústria do entretenimento pela rede mundial de computadores, a motivação para sorrir e fazer graça também ganhou outros parâmetros. Os norte-americanos falam em novo constrangimento ao rotularem um grupo de humoristas ianques que diverte sem pudor, muito menos intermediários. Mais refinada, a Tina Fey, que imita e superexpõe Sarah Palin na presença da própria ex-vice candidata republicana à presidência, é um bom exemplo. Tosco, o humor nerd do diretor Judd Apatow também se sobressai: filmes sem piada como O Virgem de 40 Anos (2005), Ligeiramente Grávidos (2007) e Superbad (2007) têm um efeito devastador se encarados como um retrato dos jovens que integram a média da sociedade norte-americana. São constrangedoramente conservadores, machistas e insipientes.

Inserido no contexto global, o humor brasileiro está experimentando os mesmos efeitos. Mas na terra da malemolência e da compulsão para o desregramento (este é o país em que vez por outra até "a lei não pega") é mais apropriado identificar como um novo escracho essa maneira de divertir ridicularizando, que tem o próprio público-alvo como um dos alvos. No momento em que o mundo das celebridades ocupa um espaço assustadoramente grande e a própria noção dequem é célebre mudou - o Big Brother colocou o voyerismo político opressor de Orwell e o idealismo exibicionista pop de Warhol sob um mesmo teto -, os humoristas nacionais experimentam um radicalismo inédito na execução de suas críticas bem-humoradas (ou nem tão engraçadas, se for o caso).

A cara-de-pau dos integrantes de programas como Pânico na TV e CQC ao interpelarem "quem é" só tem antecedentes na TV brasileira no distante princípio dos anos 80, quando Marcelo Tas se notabilizou como o repórter Ernesto Varela. Quando se trata de abordar "quem acha que é" e sua predisposição de pagar um mico desde que seja em rede nacional, o conceito de que vergonha alheia diverte chega ao seu ápice. É aqui que uma figura como Christian Pior (que, sinal dos novos tempos, não diverte por ser gay, mas por ser escrachado) aproveita para falar mal de pobre, meio personagem, é verdade, mas 100% sincero ao zoar omundo real. Se as pseudo-celebridades, os alvos prediletos do novo escracho, acreditam no triste clichê do "falem bem ou falem mal, mas falem de mim", como não tirar sarro delas? É quase um contrato velado...

Você lê esta matéria na íntegra na edição 27, dezembro/2008