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Kate Winslet - Rainha do Mar

Por David Lipsky Publicado em 05/10/2010, às 11h52

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Leonardo DiCaprio e Kate Winslet em cena de <i>Titanic</i> - Interfoto
Leonardo DiCaprio e Kate Winslet em cena de <i>Titanic</i> - Interfoto

Kate Winslet está sozinha em um Starbucks em Midtown, Manhattan (Nova York): jaqueta de couro, café com leite e cabelo castanho-avermelhado ligeiramente desgrenhado. Do outro lado da cidade, Titanic (1997) atrai multidões. No filme, ela interpreta Rose DeWitt Bukater, uma aspirante a matrona da alta sociedade da Filadélfia que larga o noivo rico e se apaixona por Jack Dawson (Leonardo DiCaprio), um artista batalhador que tem a sorte duvidosa de encontrar o amor em um navio afundando. Por todos os Estados Unidos, meninas do ensino médio penduram fotos de Kate nas paredes do quarto e ficam imaginando se podem ter uma chance com DiCaprio se ficarem parecidas com a atriz britânica de 22 anos.

Por alguns instantes, me afasto do balcão e tenho uma visão estranha. Winslet parece, com frequência, hiperativa ou superexpressiva como aqueles atores que costumam se comunicar intensamente, mas agora está sentada com toda a calma do mundo. Ela ergue a mão e bate no vidro com os nós dos dedos. Daqui a algumas semanas, daqui a alguns dias, isso não será mais possível para Kate: ficar sentada com toda a tranquilidade e sem prestar atenção em nada, em público, ao lado de pessoas igualmente desligadas. Para o bem ou para o mal, este é um momento mágico, retorno à mesa bem devagar.

As palavras provavelmente não são grandes o bastante para Kate: tudo que ela diz carrega consigo efeitos especiais, adjetivos como "brilhante", "absoluto" e "maravilhoso" e, por causa deles, tudo que sai da sua boca realmente parece brilhante, absoluto e maravilhoso - como se fosse um mundo levemente melhor do que aquele em que eu e você vivemos. E ela fica impaciente com pessoas que não conseguem acompanhá-la. "Tive uma conversa com a minha irmã menor e ela resmungou: 'Estou com rugas ao redor dos olhos, estou muito deprimida'. E eu respondi: 'Sua idiota, isso é emocionante! '" Winslet se emociona com o clima ("surpreendente!") e com animais atropelados na cidade: "Ah, olá! Esquilo morto! Splat! Que maldade!" De alguma forma, ela faz a gente se sentir culpado por não estar de bom humor. A impressão que se tem é que estamos diante de um coração batendo a120 pulsos por minuto, como o de um ratinho silvestre.

Há cinco anos, depois de fazer seu primeiro longa-metragem, Kate se viu fatiando presunto em uma rotisserie londrina. Ela tem tanto orgulho do que alcançou ali - de avental, tábua de corte e caixa registradora - quanto de qualquer um de seus trabalhos cinematográficos. "Quando se está desossando presunto, é preciso ter o garfo e a faca certos", teoriza. "Também fiquei muito boa com cheeses" [literalmente, queijos, mas também o que se diz para sorrir em uma foto]. O projeto em questão era o terror neozelandês Almas Gêmeas (1994), de Peter Jackson. Logo depois, ela coestrelou Razão e Sensibilidade, uma adaptação de Jane Austen feita em 1995, e recebeu um indicação ao Oscar como melhor atriz coadjuvante. Também estrelou Jude (1996), um épico depressivo sobre temas pesados, e viveu Ofélia no Hamlet de quatro horas de Kenneth Branagh. Ao que tudo indica, ela já teve a carreira que atores menos sérios desejam quando dizem querer se tornar atores sérios.

E Winslet é uma mulher de paixões. Eis como ela conseguiu o papel em Titanic: "Fechei o roteiro, chorei rios de lágrimas e pensei: 'Tenho que fazer parte disto, não há jeito". Então ela telefonou para seu agente, que deu alguns telefonemas. Winslet pediu: "Simplesmente me arrume o telefone do Jim Cameron". Ela discou o número do carro do diretor. "Ele estava na estrada. Acho que eu falei: 'Tenho que fazer Titanic, você é louco se não me chamar'." Quando DiCaprio foi sondado para viver Jack e os dois atores se encontraram no Festival de Cinema de Cannes, Winslet descobriu onde Leonardo estava hospedado, escapou de um evento de imprensa e o encurralou em seu quarto. "Fiquei pensando em convencê-lo a aceitar o papel, porque não vou fazer isto sem ele, simples assim", confessou.

Todo mundo sabe que Kate Winslet não ficou muito feliz no set de Titanic, dirigido por James Cameron, cineasta conhecido por ser furiosamente exigente. Quando as filmagens terminaram, a atriz concedeu uma entrevista ao jornal Los Angeles Times que foi amplamente reproduzida - ela diz que foi mal interpretada e eu agora também acredito que tenha sido mal interpretada mesmo. Cameron - falando com a voz generosa e enormemente relaxada de um homem que acaba de ficar sabendo que seu filme pode quebrar o recorde de US$ 400 milhões nas bilheterias norte-americanas - não guarda rancor e explica que sua protagonista só estava "botando tudo para fora" depois da pressão de carregar uma produção de US$ 200 milhões. "A Kate olhava para fora e via aquela pequena cidade, com milhares de pessoas e tanta coisa acontecendo", recorda. "E ela sabia que tudo se resumia ao que os olhos dela transmitiam."

Titanic foi filmado em uma península ao sul da fronteira entre a Califórnia e o México. Um estúdio inteiro foi construído na praia de Rosarito, sendo que o navio foi reproduzido em escala de 90%. Na metade da produção, quando o elenco e a equipe viviam com cerca de quatro horas de sono por noite, Cameron apostou quem desabaria primeiro. Nos últimos três meses de filmagens noturnas, Winslet terminava de filmar às sete da manhã e ia para a cama ouvindo os navios de lagosta deixando o porto para pescar. No set, ela se concentrou na água e resistiu às filmagens por causa de DiCaprio. "A Kate mencionou que os dois realmente deram muito apoio um ao outro?", James Cameron me pergunta. "Nós éramos como duas crianças bobas", ela explica. "Sabe como é.Trabalhar com Leonardo DiCaprio... ele é lindo e eu estava preocupada. Não podia me apaixonar e tinha medo que ele fosse me achar entediante, shakespeariana e inglesa. Mas, no segundo em que nós nos encontramos, nos demos muito bem", lembra. "Ele me fazia cócegas, me agarrava, me deixava louca. E eu respondia com o mesmo tipo de coisa, pegava a bunda dele." DiCaprio, 22 anos, parece ficar surpreso ao saber que Kate contou tudo isso; a voz dele assume tom oficial. "Ela foi minha melhor amiga durante sete meses", admite, devagar. "Nós descarregávamos o estresse da filmagem um no outro, desabafávamos um com o outro, cuidávamos um do outro. Kate foi simplesmente a pessoa perfeita com quem trabalhar porque era como se fosse um cara da turma. Teria sido muito mais difícil sem ela."

"Deixar a Kate com nojo era tarefa total de DiCaprio", recorda Billy Zane, que interpreta o noivo rico e nada atraente dela em Titanic. "Ele se aprimorou de verdade nisso. Quando não estava com as pálpebras viradas, fazia obras de arte com fluidos corporais." Cameron lembra que DiCaprio precisou usar um casaco comprido durante boa parte das cenas. "Ele peidava lá dentro", conta o diretor, "e colocava o casaco no rosto dela. Se qualquer outra pessoa no mundo fizesse isso, iria apanhar. Com Leo, Kate morria de rir."

Quando os tablóides tentaram aplicar o truque de transformar amizade em algo mais sensual, Winslet diz que ela e DiCaprio liam as fofocas e davam risada. "A ideia era insana - para nós seria quase um incesto. Tenho com Leo a relação que todas as mulheres do mundo invejariam", salienta Winslet, em uma interpretação errônea do tipo exato de relacionamento que as mulheres gostariam de ter com o astro de traços angelicais de Romeu e Julieta (1996). Winslet lembra que DiCaprio perguntava se ela o achava bonito. E a respondia era: 'você é absolutamente estonteante. Como consegue, depois de dormir só duas horas?'".

Nos intervalos, Winslet e DiCaprio brigavam embaixo de um cobertor no quarto dele e conversavam sobre sexo. "Leo é muito bom nisso. Muitas das dicas sexuais que ele me deu funcionaram", ela relata. Quando explico que as dicas talvez também sejam úteis aos nossos leitores, ela sorri e sacode a cabeça. "Não, é desprezível demais", comenta. "Se eu contar, essa reportagem pode se transformar em um artigo pornô."

Winslet só tem um doce arrependimento em sua relação com Leonardo DiCaprio. Foi durante a cena em que Rose e Jack fazem amor em um carro no compartimento de carga do navio: janelas embaçadas, atores tremendo. "Aquela cena não tinha nada a ver com a gente. No entanto, nos concentramos totalmente no que aquilo tudo devia ser. A Rose em mim estava amando o Jack nele, na verdade. E apesar de eu não me sentir daquele jeito em relação ao Leo, foi legal me sentir daquele jeito na cena. E eu me lembro de ficar lá deitada, pensando: 'Que pena que acabou'. Porque foi bem legal. Foi sim." Winslet se lembra de que ela e DiCaprio às vezes ficavam esticados no chão do set, fumando cigarros enrolados a mão e olhando as estrelas. Outras vezes, ela se pegava assitindo ele jogar Tomb Raider no Nintendo ou então eles cantavam um para o outro - "Wind Beneath my Wings", de Bette Midler, uma piada interna indireta da cena de Titanic em que Jack leva Rose até a proa do navio e diz a ela que feche os olhos e abra os braços.

A confiança entre os dois foi crucial para o filme. Quando Winslet teve um ataque de vertigem na beirada do deque elevado - depois de passar uma semana sobre andaimes suspensos a 30 metros no ar - DiCaprio a acalmou. "Eu só disse a ela que estávamos seguros e ela acreditou." Certa noite, bem tarde, Winslet e DiCaprio estavam deitados no convés e um assistente se aproximou para ver o que eles queriam comer. "Leo estava tão cansado", Kate lembra. Estava com a cabeça apoiada na barriga de Winslet e pediu um sanduíche. "O assistente perguntou: 'O que você quer no sanduíche?', e Leo blbuciou: 'Deixe que a Kate diz'. E Leo caiu no sono. E eu sabia exatamente o que ele queria - um certo tipo de queijo, sem tomate nem picles. Eu sabia, absolutamente. E pensei: 'Meu Deus, como é estranho eu conhecer esta pessoa tão bem'. Foi brilhante."

"Fumo que nem uma chaminé", ela solta ao abrir a porta de seu quarto de hotel. "Então, você, com certeza, pode fumar também." Kate termina uma ligação telefônica - "Fique com o pau em riste! Tchauzinho" - e pede desculpas pelos seus trajes: "roupas de imprensa", esclarece a atriz vestida com uma malha de gola alta pesada preta e calça social preta. Ela faz questão de mostrar a bota Harley Davidson de motoqueiro surrada guardada no armário. "Esta sou eu", comenta. "Na verdade, mesmo, eu sou assim."

Winslet atravessa a sala de estar de sua suíte e se encolhe no sofá. Ela olha com suspeita para a mobília, que parece cara e invisível, como uma criança bem nascida. Definitivamente parece não gostar de hotéis. "Minha família nunca foi de fazer viagens exóticas e se hospedar em hotéis", confessa. Quando os Winslet saíam de férias, geralmente era com passagens econômicas, montando barracas em campos ou "ficando na casa de amigos. É por isso que hotéis às vezes me parecem meio solitários".

A vida dessa inglesa foi delineada pela atuação. Assim como clãs em que cada geração se sucede em empregos de encanador ou na polícia, os Winslet memorizam falas e se apresentam para audições. Os avós de Winslet gerenciavam um teatro com 60 lugares no quintal dos fundos da casa deles em Reading (Inglaterra), onde apresentavam musicais e peças. Sally, a mãe de Winslet, fez curso de babá; Roger, o pai de Winslet, é ator. Kate é a segunda de quatro filhos. Anna, 25, é atriz; Beth, 20, acaba de participar de sua primeira produção da BBC; e Joss, 17, está pensando em atuar.

Aos 11 anos, Kate fez audição para uma escola de atores chamada Redroofs, em Maidenhead, Inglaterra, a cidade em que as Spice Girls começaram. A avó dela pagou pelos dois primeiros anos de estudos, mas Winslet acabou não se convencendo do real valor desses cursos de atuação. A escola, de fato, ajudou com aquilo de que os atores precisam: conexões. Aos 12 anos, Winslet fez sua estréia em um comercial de cereal em que comia Sugar Puffs enlouquecidamente. Com 15, foi chamada para uma série de ficção científica e lá conheceu seu primeiro namorado - Stephen Tredre, 12 anos mais velho do que ela. Aos 16, Winslet viveu um momento decisivo, no set de um drama televisivo chamado Anglo-Saxon Attitudes. Com 1,67 metro, ela pesava 85 quilos. Seu papel era pequeno, como filha de uma mulher muito gorda. Certa tarde, o diretor passou pelas duas atrizes, olhou-as de cima a baixo e observou: "Meu Deus, a semelhança é extraordinária". Esse comentário deixou Kate chocada. "Olhei para aquela mulher, que pesava quase 140 quilos, e pensei: 'Merda, isto aqui precisa mudar. Preciso me livrar disto aqui'." Um ano depois, Winslet, agora em forma, conquistou seu papel em Almas Gêmeas.

Ser uma atriz veterana aos 22 anos também significa que ela é veterana no quesito entrevistas e domina a arte de transformar até os momentos mais dolorosos em frases de efeito. Winslet explica seu antigo apelido, Blubber [Gordura] e um mais recente (de Cameron): Kate Weighs-a-Lot [Kate Pesa Muito]. "Quando era criança, era cheinha", reconhece. "Com 16 anos, estava gorda. Era uma coisa de família mesmo, nós todos comemos muito. Meu tio é chef e minha mãe é uma cozinheira fantástica. Mas fui sensata e emagreci com os Vigilantes do Peso. Fim de papo."

Alguns papos se recusam a terminar tão rápido. Em 1996, um repórter do Daily Mail, da Inglaterra, encontrou o agente da irmã mais velha de Winslet, Anna, e fez com que ele lhe contasse detalhes sobre o ciúme que o sucesso de Kate estava causando em sua família. Anna estava pensando em mudar seu nome artístico, para não ser mais Winslet profissionalmente. A mãe de Winslet foi igualmente direta: "Estamos fartos de toda essa atenção voltada para ela. O sucesso de Kate torna a vida de todos nós muito difícil."

Winslet reconhece que é complicado ser a primeira integrante de sua família a fazer sucesso. Quando ela ergue os olhos e enxerga outdoors de Titanic com seu nome e sua imagem é como se fosse uma vingança da família Winslet inteira contra todos. Ao mesmo tempo, essa visão a deixa culpada, porque ela é a única Winslet no cartaz. "Anna é que ia ser a atriz", conta. "De repente, a irmã mais nova chega correndo cabeça a cabeça e dispara na frente. Fico mal com isso. Quando os convites chegam, me dou conta: 'Será que não posso compartilhar um pouco disto com todo mundo?'." Ela providenciou um papel para o pai em Razão e Sensibilidade, em uma cena que acabou cortada e conversou com Cameron a respeito de um papel para ele em Titanic, "mas nunca tinha nada que fosse realmente adequado". Winslet suspira. "Espero que neste ano possa comprar uma casa para eles. Agora estou bem, tenho carro, tenho um apartamento, e isto é fantástico. E, quando puder comprar uma casa para a minha mãe e o meu pai, deixá-los bem confortáveis, pronto - aí eu vou ficar realmente feliz. Vou sentir que realmente consegui."

A temperatura está elevada, fora do comum para um inverno em Nova York - os moradores ficam olhando para o céu como se esperassem que o clima os surpreendesse - e Winslet chega à conclusão de que uma caminhada faria bem. "Aposto", ela diz no elevador, "que vamos sair por aí e ninguém vai me reconhecer." Na verdade, para que um fã identificasse Winslet, teria que ser muito empenhado e criativo. O rosto dela parece um pouco mais largo do que na tela. "Aceito o fato de que tenho rosto redondo. Às vezes, olho no espelho e penso: 'Ah, por que o meu rosto não é um pouco mais chupado? Mas se minhas bochechas não ficarem mais proeminentes com a idade, azar. E daí? A vida tem mais coisas do que bochechas." Como os filmes em que ela se envolve costumam se passar em outras épocas, é estranho vê-la com vestida com roupas normais. Também é estranho vê-la desviando-se de ônibus no meio do trânsito ou atravessando as quadras de beisebol no meio do parque - são ambientes que ninguém associa a ela. É mais ou menos como entrar em um fliperama com Abraham Lincoln.

Pergunto sobre a preparação para Titanic. Espero ouvir sobre uma espécie de treinamento intensivo. Mas não. A coisa mais difícil foi dominar o sotaque norte-americano. Um treinador de dialetos - uma espécie de personal trainer para a boca - fez com que ela exercitasse a língua e Winslet debruçou-se sobre volumes de história eduardiana, a condição das mulheres, navios de cruzeiro oceânicos. Reparo que os olhos dela são de um azul estonteante ao ar livre e quando ela começa a descrever a jornada emocional que esperava fazer em cena, paro de escutar completamente, da mesma maneira que faria se um médico estivesse discutindo os detalhes da remoção de uma pedra de vesícula. E provavelmente é por isso que os atores andam juntos, eles adoram esse tipo de conversa, e que mais seria capaz de suportar discussões seríssimas sobre crueza, sinceridade, instinto e vulnerabilidade? E esta é a deixa para passar para as questões mais provocadoras a respeito de Titanic, como, por exemplo, o papo de que o diretor a fez chorar, por maldade. Winslet fica pensativa e procura uma resposta astuta, como se estivesse perante uma comissão do Senado. "Não, não é verdade. Quer dizer, o Jim berrava de vez em quando, absolutamente. Ele era o produtor, o roteirista e o diretor, com executivos fungando no cangote o tempo todo. E dava para entender se ele ficava frustrado quando alguma coisa não dava certo - porque algum dublê não pulou no momento certo ou se demorou nove horas para montar a cena a ser filmada. Mas ele nunca foi cruel comigo", ela descreve. "Houve momentos de desespero, em que eu pensei: 'Meu Deus, isto aqui é tão difícil, estou tão cansada', E, sim a água era fria. Mas, sabe como é, no final das contas, preciso dizer que eu não mandaria aquecer a água. Eu disse para o Jim: 'Por favor, não esquente a água do tanque, porque daí não saberemos como foi de verdade'. Eu sou meio masoquista. Nunca acredito que fiz o meu trabalho da maneira correta, a não ser que vá para casa sentindo que sofri", avalia.

Sobre a logística de banheiro da filmagem em um tanque de água, Winslet só fala por si: "Sim, reconheço que às vezes fez xixi naquela água",. "Não dava para sair de lá e ir ao banheiro. Demoraria meia hora com os corseletes e os vestidos e todo aquele figurino. Então, sim, eu fiz xixi. Quer dizer, é a mesma coisa que uma piscina - você realmente pensa no que tem lá dentro?" Winslet acende cigarros para nós e resolve me distrair com mais detalhes perturbadores. "Houve ocasiões em que nós precisávamos literalmente nadar pelos corredores", ela lembra. "E eu não gostava porque os meus pés embaraçavam no vestido de chiffon que estou vestindo quando o navio afunda. Mas a certa altura, o Jim se deu conta: 'Caralho, não vou deixar minha atriz se afogar. Tesoura!'. E o vestido foi cortado, ficou quase do tamanho de uma camiseta. Dava para ver a calcinha por baixo. Ficou conhecido como: o vestido revelador."

"Não vou dizer que foi só alegria", ela insiste. "Houve dias em que eu simplesmente chegava anunciando: 'Estou menstruada e não posso entrar nessa água gelada hoje'." Pense bem: sete meses, sete menstruações. "Eu me lembro de me levantar e dizer para todo mundo: 'Olhem, se de repente ficar tudo com Tubarão, o filme, a culpa não é minha." E Winslet conseguiu uma piada masculina correspondente algumas semanas depois. "Tem a cena no corredor alagado", ela explica, "quando eu mergulho com um machado na mão. A água estava tão gelada que a minha reação foi completamente genuína. E eu era a única mulher ali, rodeada de um monte de homens da equipe. E e aquela água gelada. O que isso significava para eles? Então me virei e cumprimentei a todos: 'E aí, pau pequeno?'."

"Sabe aquilo que eu disse a você, a respeito de ser reconhecida?", Kate pergunta, quatro dias depois. "Mudou. Mudou. Tudo mudou." Um fim de semana se passou, Winslet apareceu na TV mais uma vez, Titanic arrecadou mais US$ 30 milhões, de modo que encontrar a atriz é a mesma coisa que estar na companhia de uma ação em alta. Escolhemos um pequeno café italiano em Greenwich Village (Nova York), principalmente porque os donos nos deixaram fumar. (quando sugeri que podíamos ficar sem fumar em outro lugar, Winslet deu risada: "Não, nós não podemos ficar sem fumar, do que você está falando?".) "Tudo mudou", Winslet repete, "Havia um monte de gente pedindo autógrafo na porta do hotel, e fotógrafos. Isto é incrivelmente lisonjeiro."

Winslet assistiu a Titanic na sexta-feira à noite, comprando ingresso e sentando na última fileira. "Chorei muito. Fez com que parecesse que valeu a pena, total. É fantástico pensar que minha participação nisso foi tão grande e que provavelmente vai ficar para a história." Ela acende outro cigarro. "Se posso dizer alguma coisa, é que é quase assustador." Hoje ela exibe uma espécie de sensualidade despreocupada. Não está na maneira como ela cruza as pernas e puxa a barra da minissaia, nem na visão da alça branca de seu sutiã cada vez que coloca a mão dentro do suéter para coçar o ombro. Cameron a chama de "a queridinha do mundo neste momento".

Nós nos levantamos para ir embora. Meninas de ensino médio estavam em uma mesa próxima, escutando a nossa conversa. Quando ouviram a menção de Titanic e Leonardo, ficam cada vez mais quietas. Uma delas - de aparelho, casaquinho de zíper na frente - levanta.

"Dêem licença", ela pede.

"Pois não?", Winslet responde.

"Você estava em Titanic?"

"Estava."

Cada vez mais animada: "Você é a Kate Winslet?"

"Sou."

A menina respira fundo e sorri. "Você estava ótima."

"Ah, muito obrigada."

A menina dá risada. "Ai meu Deus, você é tão diferente pessoalmente..."

"Hm, é", Winslet responde. "Eu sei."

Perfis terminam com reintrodução da celebridade a seu elemento, como quando se coloca um peixe de volta à água. Há um carro à espera de Winslet a alguns quarteirões dali. Ela tem um pouco da falta de ar dos fumantes. É tocante. Na rua, olha ao redor de si de um jeito diferente, um jeito que reconheço por causa de outras celebridades. Winslet está aprendendo a prestar atenção no que diz e modular a informação. Está se perdendo. Dá para ver a vida pessoal escapulindo; é quase como assistir à dissolução de uma personalidade. Ela está se convertendo em irrealidade, desenvolvendo as habilidades das estrelas em se proteger e ser dura. Mas ainda a vejo com um pé aqui e outro ali. Fico pensando que talvez esta seja a última entrevista que Kate dá antes de se transformar em estrela, sua mensagem final antes de ser tragada com aquele enorme navio cheio de água e reluzente. Pergunto se ela ainda escreve diário. "Escrevo", confessa ao se aproximar do carro de aluguel, uma limusine Continental preta com placa sob encomenda: DIVA II. "As coisas andam meio loucas, mas houve um momento em que os telefones pararam de tocar. Estava simplesmente no hotel, sozinha. E percebi como era emocionante estar sentada no quarto com cinco minutos só para mim. E quis escrever. Mas não tive tempo." Tchauzinho.