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O Som do Pasquim

Leia trechos de entrevistas de Chico Buarque, Tom Jobim e Agnaldo Timóteo publicadas no livro O Som do Pasquim, da Editora Desiderata

Redação Publicado em 16/04/2009, às 15h39

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Chico Buarque (6/1972)

Jaguar: Alguma pessoa te levou pra fazer música?

Chico: Vinicius era muito amigo lá de casa. Moramos dois anos em Roma, e Vinicius era cônsul. Era meio um mito, chegava lá com o violão, cantava as músicas dele. Lembro exatamente o dia em que saiu o disco do João Gilberto. Dizia-se lá em casa: "Saiu um disco com músicas do Vinicius." Naquele tempo ele tinha poucas coisas de sucesso, e Chega de Saudade tava pintando. O pessoal lá em casa comprou o disco pelas músicas do Vinicius. Quando eu ouvi me bateu na hora. Chega de Saudade bateu... (bate na mão) pá! Negócio de ficar ouvindo dez, vinte vezes seguidas.

Ziraldo: Você tinha tocado violão, aquele negócio de duas posições?

Não. A minha irmã tinha tentado me ensinar, mas eu não tinha me ligado. Quando comecei a aprender tinha aquele negócio de bossa velha e bossa nova. Minha irmã estudava bossa velha. Eu não queria saber mais... Eu e um amigo meu começamos a tirar, de ouvido, imitar, a batida de bossa nova no violão.

Ziraldo: Pegou com facilidade?

Não. A minha mão... (olha para os dedos) não tem habilidade manual nenhuma. Sou mau violonista até hoje.

Ziraldo: Mas dá pra quebrar o galho?

Dá inclusive pra compor. Dá pra tocar. Mas em gravação minha não ouso tocar violão. Nunca toquei violão em gravação minha. A não ser na primeira, "Pedro Pedreiro". Toco mal, por deficiência motora. Faço nada direito com as mãos.

Ziraldo: Música também você nunca estudou?

Mais tarde tomei aula com a Dona Graça. Aprendi alguma coisa de teoria. Depois, com o contato com o violão, sei o que estou fazendo. Sei fazer cifra.

Ziraldo: Você escreve música?

Muito mal.

Antonio Carlos Jobim (11/1969)

Esta entrevista está sendo feita no dia 30 de outubro de 1969, às 21 horas. Tom Jobim, você vai continuar a passar o verão inglês na Inglaterra e o verão brasileiro no Rio?

Tom: Se Deus quiser. Mas eu acho muito chato viajar. Na primeira vez que eu saí do Brasil, já tinha 36 anos. Saí empurrado com aquele pontapé no traseiro, do Vinicius e do Fernando Sabino. Foi pra ir àquele malfadado Carnegie Hall. Me diziam: você é burro, tem que ir. Mas eu não queria: estava naquela de minha terra tem palmeiras, pindorama é a coisa mais linda do mundo, estou de pijama listrado numa cadeira de vime, e adeus porque vocês estão numa civilização velha e superada. Mas eles insistiram e eu fui. Cheguei lá, todo mundo fez o Carnegie Hall e voltou pra cá, mas eu não, eu disse: "Agora, eu quero ver isso aqui, esse frio, essa gente esquisita" e tal. Fiquei lá uns sete meses.

Você fez um disco inteiro, agora, com o Sinatra, só com músicas suas.

Eu gravei o disco em março deste ano (1969). Ia sair em abril, mas eu pedi ao Sinatra pra não soltar o disco porque eu pretendia botar umas músicas do disco no filme. Mas aconteceu que não foi nada disso, o filme era completamente diferente. Eu tinha lido o roteiro na Califórnia e pensava em usar o "Sabiá"...

"O Sabiá" ou "a Sabiá"?

A palavra é do gênero masculino pra nós: em algumas regiões do Brasil, como diz o Caldas Aulete, é do gênero feminino. Quando você diz a onça não quer dizer que a onça seja fêmea; com a sabiá é a mesma coisa. O que o Rubem Braga disse está certo: "Sabiá" é uma música visivelmente influenciada pela editora do mesmo nome.

Quando você foi lá dentro eu dei uma espiada na sua agenda em cima do

piano e estava escrito: "telefonar Sinatra". O que você vai falar com ele?

Se vou, ainda não sei. Aqui no Brasil, é difícil telefonar para ele. Você pede à telefonista: "Quero uma ligação para Los Angeles, o número é tal, quero um person-to-person call." Ela pergunta para quem, você diz Frank Sinatra, e a telefonista começa a rir e pensa que você está gozando ela. O Frank Sinatra troca de telefone a toda semana, com exceção de um dentro da gaveta que só ele e os filhos sabem o número.

Agnaldo Timóteo (11/1972)

Jaguar: Você tem pontos em comum com o Waldick. Os dois se acham o maior cantor do Brasil, vocês brigam bem...

Aguinaldo: Não! Protesto veementemente! Não seja irônico, por favor! O senhor está ironizando a pergunta, por favor! O Waldick Soriano...

Julio Hungria: Você não acha o seu repertório parecido com o do Waldick, não?

Não diga uma besteira dessas. Eu gravo exatamente Paul McCartney, Charles Aznavour, David Nasser, Roberto Carlos, Antônio Marcos, entende? Waldick grava bolero. Eu gravo Festival de Sanremo. Algumas pessoas, como aquele cara que escreve na Última Hora, que é boneca... Como é o nome dele?

Jaguar: Qual deles?

Esses caras escrevem sem ter a menor noção do que eu realmente canto. Eu preciso pedir ao meu irmão pra trazer meus long-plays, inclusive os editados na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Europa. Esses long-plays internacionais, que o público não conhece, porque eu não tenho a mesma máquina do Chico, do Caetano... porque eles chegam e dão um puf e nego diz que ele deu puf.

Millôr: Você não acha o Caetano um grande cantor?

O quê?! Caetano como cantor seria gongado, pô! Vocês fabricaram o Caetano! Caetano é uma merda! Caetano não é artista; o Caetano - eu lamento dizer isso, porque a Maria Bethânia eu adoro - não sabe cantar! O Caetano não tem postura no palco. Agora, vem com esse negócio de imitar "veado" - boneca, né?, que fica mais distinto -, e os caras dizem que ele é um gênio. Que isso?! Isso não existe!

Ziraldo: Mas ele não é um grande compositor, não?

Compositor de quê? Tá cantando "cada macaco no seu galho" e todo mundo roda e diz que é sensacional, e a música foi feita em mil novecentos e outrora, por um cara que ninguém conhece. Que gênio é esse? Pelo amor de Deus! Gênio é Roberto, que ganha 300 milhas todo mês.