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Matheus Nachtergaele

Enfrentando seus demônios, ator estreia na direção com filme sobre a morte

Por Paulo Terron Publicado em 13/07/2009, às 12h07

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Com quase duas décadas de carreira, alternando-se entre televisão, teatro e cinema, Matheus Nachtergaele ganhou fama como um dos maiores talentos de sua geração. Depois de um processo de dez anos, ele enfim conseguiu concluir sua estreia como diretor com o longa-metragem A Festa da Menina Morta - a história de um culto religioso surgido ao redor de um "menino santo", que recebeu de um cachorro as roupas de uma menina desaparecida. O trabalho já passou por festivais, levando um prêmio de melhor direção nos Estados Unidos, no Chicago International Film Festival. Por telefone (ele está em Garibaldi, Rio Grande do Sul, gravando a minissérie Decamerão, da Globo), ele relatou detalhes sobre a experiência.

De onde você tirou a história da menina morta?

Eu vi algo parecido com aquilo. Acho que tem coisa sobre tempo sendo dita, com relação à morte, a Deus, e acho que é um filme sobre um cara que é um emissário de Deus levado à loucura. É um filme sobre o luto e a superação dele, em vários aspectos. Eu acho que a religião é luto. Acho que nossa história é boa. Ela quer dizer o seguinte: o que acontece com um homem sem mãe. É isso.

Em algum momento você hesitou por querer tratar de religião no filme?

Nunca. Acho que sempre estive ligado à religião, amigo.

Mas o problema não é você, é a reação das pessoas que estão vendo.

Acho que não existe religião. Existe uma necessidade absoluta e muito precária em crer. Ninguém tem de se ofender com nada, no meu filme ninguém detona nada. A não ser pelo fato de que entra promiscuamente na intimidade dos participantes de uma seita. Não existe um demérito ou um mérito.

Sua relação com os diretores mudou depois de passar por essa experiência de dirigir?

Não. Foi o que tinha de ser. Amo fazer o que faço.

Você sempre quis dirigir?

Não. Eu não sempre quis dirigir. Bonito isso, né? Eu não sempre quis dirigir...

Quanto tempo durou o processo de produção do filme?

Dez anos. Eu não tive uma relação com o filme como se fosse um cineasta. Fiz o filme como foi possível pra produção e pra mim. [Ele foi feito] muito lentamente... Mas eu filmei o meu roteiro, do jeito que eu sonhei. A palavra "sonhei" é ruim, né? Entre a primeira escritura e agora foram dez anos. Aconteceram

duas novelas, por exemplo, nesse tempo [Da Cor do Pecado, de 2004, e América, de 2005].

Alguém sugeriu que você mudasse o filme?

Passei por muitas etapas. Fiz uma primeira versão que era o meu roteiro montado, como eu tinha escrito. Tinha duas horas e quarenta e cinco minutos. Foi muito

duro ter de cortá-lo. Foi muito duro fazer um filme. Primeiro porque eu não sou um "fazedor" de filmes, sou um ator. Eu fiz um filme como se fosse um sonho, uma vertigem. Como se fosse um lugar para você ir. Sacou?

Por que você cortou tanto?

Porque eu preciso de vocês.

Quem são "vocês"?

São as pessoas que assistem.

E você achava longo demais?

Pra mim, não. Os filmes que amo têm muito mais que isso. Mas percebi que as pessoas não estavam mais conseguindo [assistir a filmes com essa duração].

A primeira versão de A Festa da Menina Morta, para mim, era o filme. Depois, eu... Como vou dizer... Entendi que as pessoas não podiam suportar o filme.

Como foi que a cena do índio dançando hip-hop entrou no filme?

Na primeira vez em que eu fui até lá, em 2002, o cara dançou e pediu: "Pelo amor de Deus, me dá um papel!" [risos] Acho que é a única cena política do filme.

Política como?

É um índio. Dançando hip-hop. No alto do Rio Negro. Ao som de bossa nova. Sacou?

Seu pai viu o filme?

Meu pai chorou muito. Quando

ele saiu do filme, me perguntou: "Por que o pai é tarado com o filho?" [referindo-se a uma cena de sexo entre o pai, interpretado por Jackson Antunes, e o filho, Daniel de Oliveira] Eu falei: "Porque ela [a esposa dele] foi embora, pai". A ideia é a seguinte: um homem que perde a sua mãe - supostamente

suicidada - e que se torna ela. Ele é ela, vira ela. A casa é invadida por meias fêmeas e o homem continua lá, casado com ela. Quando me perguntam "e o incesto no filme?", digo que não há incesto. Ele está trepando com ela. Ela está nele, permanecida. Ele é um órfão que sente falta dela. Não se consegue chegar aonde eu queria, foi o que eu tentei. É um filme sobre o luto: da mãe morta, da menina morta, da comunidade morta e das pessoas que acreditam em alguma coisa - e que, na verdade, não importa. A verdade... é que a gente morre. A grande merda é que a gente morre. É difícil resumir, porque o primeiro filme tem muitas instâncias. Mas acho que consegui ser conciso nesse sentido. É um filme sobre o que morre. E o que vive, morre.

Como foi a seleção dos atores? Teve teste?

Não teve nenhum teste. Eu queria chamar um pouco de atenção para o irmão da menina morta, que é um cara de Brasília [o ator Juliano Cazarré]. Ele parece um caboclo.

Não foi estranho passar da posição de escolhido para escolhedor?

Existe uma aproximação completamente erótica, isso eu posso te afirmar. Erótico no melhor sentido. A escolha do elenco é erótica. É muito difícil falar sobre

isso, né? Você ama os seus atores, você gostaria de se casar com eles [risos].

Você precisa ter um sentimento tão forte assim com cada um deles?

Esse "casar" significa várias coisas, né?