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Da Mata para o Mundo

Da infância em Mato Grosso ao universo jamaicano do reggae, da fama anônima nas novelas brasileiras aos pequenos prazeres da Europa, Vanessa da Mata resgata suas viagens e planeja o futuro

Por José Julio do Espirito Santo Publicado em 19/08/2009, às 13h26

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Vanessa DaMata - FOTO LOUISE CHIN
Vanessa DaMata - FOTO LOUISE CHIN

Por que essa moça cabeluda está me olhando assim?", deve ter pensado o senhor que cantarolava o refrão de "Ai, Ai, Ai", que muito provavelmente assimilou durante alguns dos 209 capítulos da novela Belíssima, entre 2005 e 2006. E ele a olhava feio de volta. A versão "Deep Lick Radio M ix" foi feita por encomenda para a trilha sonora do folhetim global, mas a mulher em questão, alta, bonita, não se parecia com nenhuma das personagens principais da TV. Era Vanessa da Mata, na época, não tão famosa quanto seus hits.

Ela ri e continua a contar outras engraçadas situações relacionadas ao anonimato. Certa vez, na Bahia, entrou numa loja e foi abordada por uma vendedora, que lhe ofereceu colares feitos de sementes. "Ah, eu ando muito com esse estilo, não aguento mais" , recusou. "Pareço uma menina africana com o pescoço pesado assim de tanto colar." Insistente, a mulher batalhava a venda: "Você não gosta assim? Um estilo meio Vanessa da Mata?" A cantora a encara e indaga: " Você está brincando ou falando sério?" Enquanto isso, a outra vendedora se diverte com a ignorância da colega.

Em outra ocasião, na Espanha, entrando na cantoria de uma rodinha liderada por Vanessa em alguma balada pós-show, um sujeito a aborda, em tom sério: "Você canta alguma da Vanessa da M ata?" Ela olha para o engenheiro de som que a acompanhava e responde, rindo: "Praticamente todas".

Nos últimos dois anos, as coisas mudaram para Vanessa - mas não muito. Sentada diante de uma mesa de um sofisticado café em São Paulo, a mato-grossense se prepara para uma rodada de perguntas, acompanhada de algo parecido a um enorme frappucino. Ela atrai alguns olhares, talvez mais pela beleza exuberante do que por sua celebridade. "Existia essa delícia de eu ficar incógnita, que com este DVD vai mudar um pouco" , ela brinca, se referindo ao seu mais recente lançamento.

Jardim e Perfumes de Sim é o primeiro DVD da carreira de Vanessa da Mata - título que quase passa batido na embalagem, dando lugar ao nome Multishow ao Vivo, série musical pela qual foi lançado. O repertório, gravado em dois dias de shows na histórica Paraty, inclui a maioria das faixas de seu terceiro álbum de estúdio, Sim (2007). A participação especial da vez ficou por conta de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare, respectivamente baterista e baixista, considerados entidades do reggae de raiz. "Era como se fechasse um ciclo para mim ", Vanessa argumenta, referindo-se à sua ligação ao gênero jamaicano. "Comecei a cantar música brasileira em Minas Gerais. Vim para São Paulo e não tinha música brasileira para cantar. Eu não sabia. Porque aqui é dividido por nichos."

Chegando à capital paulista aos 17 anos, no início dos anos 90, foi Vanessa quem foi escolhida pelo reggae. Através de um anúncio pregado em um mural, ela entrou como vocalista na Shalla-Ball, banda feminina que contava ainda com Simone Soul na bateria e Liege Rava no saxofone. "Muito boas instrumentistas começando", Vanessa comenta. " As meninas me ensinaram muito sobre reggae. A minha intenção era cantar música brasileira. Sempre foi. Mas foi uma delícia, porque no meio dos anos 90 essa foi uma cena muito bombada. " Dois anos depois, Vanessa saía em excursão pelo Brasil com a seminal banda jamaicana Black Uhuru. "Eles acharam que minha voz era parecida com a da [vocalista] 'Puma' Jones", ela diz, entregando que seu destino quase foi viver fora do Brasil. " Tive o convite deles para ir morar em Kingston, na Jamaica. Ainda bem que não fui, porque não teria dado certo. Quando conheci o país, percebi que poderia ter dado certo. Mas, se desse errado, iria dar muito errado." Foi para a mesma cidade que os produtores Kassin e Mario Caldato a levaram para gravar parte de Sim e conhecer Sly & Robbie. Ao mesmo tempo em que dá a impressão de que a missão na ilha foi bem cumprida, Vanessa tenta esconder uma desilusão: o reggae que ela conhecera tardiamente em São Paulo era página virada há muito tempo na própria Jamaica. Bob Marley e Peter Tosh são, hoje, figuras históricas. Em poucos dias na capital jamaicana, o sonho que ela tinha - de um lugar de paz e amor - morria ao som do dancehall saído de quebradas que deixam o Capão Redondo parecer a avenida francesa Champs-Élysées. Quando re-corda certas situações de estresse em Kingston, sua indignação soa maior do que a de um europeu desorientado que vai parar em algum morro do Rio de Janeiro para ouvir bossa nova. A atitude marrenta do jamaicano atual lembra pouco o estereótipo rastafári. E não lembra em nada a figura formosa e colorida à minha frente, que conversa olhando nos olhos e transmite calma e simpatia. A experiência reggaeira havia chegado ao fim, e uma nova Vanessa estava prestes a surgir.

"Queria só ser compositora. Achava charmoso. " A revelação de Vanessa Sigiane da Mata Ferreira vem em tom brejeiro e com um enorme sorriso, do alto de seu 1,80 metro. " Tenho uma tendência a virar um casulo. Gosto adoro a introspecção. Se deixasse Bem, eu não conseguiria sobre viver só como compositora, ainda mais agora, com essa coisa de pirataria", se desculpa. Enquanto explica sua personalidade - como agora ou em momentos do documentário que entra como bônus de seu DVD -, Vanessa também expõe seu lado tímido, muitas vezes coberto por uma carga e vidente de mistério e contemplação. Ficam então mais compreensíveis algumas cenas de bastidores que mostram a banda fazendo o maior carnaval pós show. A estrela parece curtir a situação, mas permanece quieta, isolada em seu canto.

As coisas começaram a ficar grandes para Vanessa quando Maria Bethânia cantou uma composição dela em parceria com Chico César, "A Força que Nunca Seca", faixa gerada durante os primeiros lampejos de seu direcionamento artístico atual. "Eu fiquei meses atrás do Chico, mesmo sem ele me conhecer, pois eu queria uma música dele no meu disco", Vanessa expõe seu lado tiete. "A Força..." acabou rendendo a Bethânia uma indicação ao Grammy L atino. O fato também impulsionou Vanessa a abandonar sua timidez de compositora, mesmo já sabendo escrever desde que era criança em Alto Garças, sua cidade na tal no interior do Mato Grosso, onde nasceu em 10 de fevereiro de 1976.

"Eu já brincava como qualquer moleque que faz piadinhas com letra dos outros ou inventa uma melodia", ela conta, antes de abrir a caixa de segredos da família: " Aos 6 anos, musiquei um segredo da minha mãe com uma vizinha que destruiria a cidade. A história falava sobre uma séria pulada de cerca entre habitantes da cidadezinha. Saí cantando, já era um hit. Meus irmãos, vizinhos, amiguinhos, todos já cantavam. Quando minha mãe ouviu, desesperada, já estava na boca da criançada"

Não para causar mais estragos à reputação alheia com músicas provocadoras, mas por uma curiosidade "aquariana" de conhecer o mundo, a adolescente Vanessa partiu para Uberlândia (MG) aos 1 4 anos. "Se eu quisesse entrar numa boate, entrava. Ninguém pegava minha identidade porque eu já era grandona. Tinha corpo, personalidade. Tinha um jeito de vestir diferentão, meio velha. Eu já era vovó", conta. E dá risada.

Quase 20 anos depois, a Vanessa mulher mantém o mesmo estilo de se vestir. Apesar da predileção pelo vermelho, que sempre usa (a cor inclusive dá o título à faixa de abertura de Sim), ela passa ao largo de cortes futuristas ou exageradamente esportivos. O vermelho de talhando a roupa fica encoberto por um xale sobre o vestido, que a protege do vento gelado do dia da entrevista. Mas está lá. "Eu digo que sou um pouco vovó porque uso muita florzinha. Eu adoro." Mesmo exprimindo um jeito de quase menina, Vanessa nunca deixa despercebida sua admiração pelas pessoas idosas, falando a respeito delas como símbolos de sabedoria. Uma espécie de homenagem a elas vem no enredo de seu próximo videoclipe, feito para a citada " Vermelho", estrelada por bonecos de um grupo de teatro sediado em Paraty. "Sei de cor o espetáculo deles. Até que cheguei e falei: 'Eu quero aquele quadro que vocês fazem, que é uma velhinha que fica paquerando um velhinho super tímido'. É muito bonitinho", Vanessa fala com brilho - agora de menina - nos olhos.

Da vida em Minas gerais para a chegada definitiva a São Paulo, foram meros três anos na vida de artista de Vanessa da Mata. A primeira parada foi o bairro de classe alta Vila Nova Conceição. "Eu morava com umas meninas em um apartamento de uma senhora superfina e elegante", ela recorda. "Elas curtiam música sertaneja e pagode. Elas ouviam as minhas coisas e falavam: 'Nossa! Ninguém vai gostar disso. É difícil demais'." Vanessa ri quando pensa sobre o começo de sua carreira e as críticas sobre seu trabalho ser "chique" e que jamais seria "popular". O fato é que essa dicotomia a incomoda até hoje. Não estou dizendo que sou chique", ela explica, a respeito da música que produz. "Eu falo de Brasil. Não sou chique nada. Falo de gente popular. Eu não tenho música com uma ortografia que você tem que ir lá no dicionário. Não tem uma construção maravilhosa como a de Chico Buarque apesar de", ela hesita antes de expor a fã dentro de si: "... Eu adoraria, já que ele é o meu maior ídolo". Persistindo essa dicotomia ou não, a verdade é que Vanessa da Mata consegue destaque principalmente por se equilibrar habilmente entre essas duas extremidades. Não há como não enxergar como popular uma intérprete que teve tantas músicas em trilhas sonoras de telenovelas, que, dentre outras serventias, são o maior veículo de divulgação do mercado fonográfico nacional. De seu homônimo álbum de estreia, de 2002, "Não Me Deixe Só" entrou na trilha de Esperança. "Nossa Canção", composta por Luiz Ayrão, entrou em Celebridade com a interpretação dela. Do segundo álbum, Essa Boneca Tem Manual (2004), além de "Ai, Ai, Ai", escrita em parceria com Liminha, "Eu Sou Neguinha?", de Caetano Veloso, também entrou como tema de novela (A Lua Me Disse) na voz de Vanessa. De Sim, "Amado", que compôs com Marcelo Jeneci, entrou em A Favorita.

Também não é difícil rotular uma artista com alcance internacional como "chique". A Europa é um destino constante na vida da artista Vanessa. "Na primeira vez que cheguei a Lisboa, toquei no Centro Cultural de Belém, uma sala enorme. Na noite anterior, David Bowie tinha feito um show lá", ela conta, orgulhosa. "Na minha noite, estava lotado. Pensei: 'Esses caras não vieram aqui para me ver, não é possível'. Tanto foi possível que ela chegou a viajar para o continente até quatro vezes em um mesmo ano. Pode ser uma rotina cansativa e estressante para uma pessoa que diz preferir se encasular durante o trabalho de composição, que morre de medo de avião (apesar de anos de terapia para combater isso) e que é declaradamente tímida, embora a atuação desinibida sobre o palco diga exatamente o contrário. Ainda assim, Vanessa só consegue citar boas sensações. "Eu adoro ir para a Holanda, por exemplo, e fi car lá, fazendo show. De dia, posso esticar num café e ver o povo passando de bicicleta no sol. À noite, vira um frio do cão", ela viaja, sem medo de se cansar no futuro. "Tudo pode acontecer. Como é que eu vou saber? Estou no início da carreira. Tudo é uma festa para mim!"