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Exclusivo Site: Clica Raul!

Conheça Conceição Almeida, que clicou as fotos da reportagem de capa com Raul Seixas

Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 29/08/2009, às 23h01

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Conceição Almeida encarava seu primeiro trabalho como fotógrafa quando ouviu palavras de fazer corar o mais robusto marmanjo do bar. "Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu!", o alvo dos flashes continuou enquanto balançava a cabeleira negra, possante como uma bigorna da ACME, aquela dos desenhos animados. "Ela fotografou minha alma!"

De cara, não deu para entender se aquilo era bom ou ruim. Então com 20 anos e estudante de fotografia, ela estava petrificada com a reação de Maria Bethânia, já docemente bárbara naquele começo dos anos 70. Será que, à moda antropofágica dos tropicalistas, teríamos ali mesmo um ensopadinho de Conceição? "Fiquei apavorada. Meu maior desejo era cavar um buraco. Ela começou a gritar, falar palavrões. Para mim, era muito chocante", contou à reportagem do site da Rolling Stone Brasil.

Até que Conceição - que só fotografou o show "porque estava com amigos que trabalhavam num jornal subversivo, numa sala que dava para o auditório" da PUC, onde Bethânia se apresentava - sentiu o alívio chegar. A irmã de Caetano Veloso não estava chateada. Longe disso. A cantora tinha percebido o que muita gente descobriria nas décadas seguintes: a mocinha à sua frente era perita em enquadrar "a essência, nos limites de uma só fotografia, daquilo que acontece diante dos olhos" do fotógrafo, como certa vez pregou Henri Cartier-Bresson.

Para entender do que estamos falando, dê uma olhada nas imagens que ilustram a matéria de uma das capas da RS Brasil deste mês. Almeida, hoje com 57 anos, tirou estas fotos de Raul Seixas em novembro de 1978, em São Paulo. Não teve essa de "montar o artista", já que tudo foi feito na hora, sem figurino e cenário, num hotel na Avenida Brigadeiro Luís Antônio e, depois, "na casinha da Warner", antigo reduto da gravadora na Rua Alves Guimarães - a apenas algumas quadras do que hoje é a redação da RS Brasil.

Pergunte a Conceição por que ela acha que o ensaio com o roqueiro deu tão certo e receba, de volta, vários segundos de silêncio. Quando as palavras vêm, chegam cuidadosas, como se tocar no nome do músico fosse dar partida em uma máquina do tempo: "Sempre tive facilidade com essa coisa espontânea. E, no encontro com Raul, teve energia. Temos uma relação espiritual muito forte, que já se manifestou naquela época".

Se você nasceu da década de 80 para cá, é provável que nunca tenha ouvido falar desta fotógrafa com nome de música do Cauby Peixoto. O Google, certamente, não é íntimo da mulher que, por sua vez, ainda não se entendeu com a fotografia digital. As novas gerações também podem não estar familiarizadas com a Pop, revista descolada sobre música, extinta em 1979. Foi nela que Conceição publicou duas (e olhe lá, pois "eram muito ousadas") das dezenas de fotos feitas com o roqueiro baiano.

Estar como Roberto Carlos "era como ver Jesus Cristo"

Misteriosos são os caminhos que fazem alguns nomes passar reto no pente fino da web. O fato é que, mesmo sem ter caído no hype do século 21, Conceição varou pelos anos 70 e 80 com passe livre para as festas mais disputadas, os shows mais badalados.

John Lennon poderia subir num banquinho e, vestido de Marilyn Monroe, pegar o alto falante para anunciar as fatalistas palavras que proclamou, dentro da canção "God", em 1970 - "o sonho acabou". Mesmo assim, corria o risco de passar despercebido por aquela turma, que insistia em viver as décadas seguintes como se o sonho tivesse apenas tirado uma soneca e já estivesse pronto para novo round. Almeida lembra como se fosse hoje de estar no palco para fotografar Rita Lee quando a polícia, nos tempos de fogo da ditadura militar, prendeu a cantora por porte de drogas.

Roberto Carlos foi um capítulo à parte: "Foi num almoço super exclusivo. Me levaram para falar com ele na suíte do hotel. Era como ver Jesus Cristo". Também era íntima de bambas das antigas, como Adoniran Barbosa e Clementina de Jesus, além de confraternizar com Milton Nascimento ("ele era ídolo e, de repente, estávamos lá, conversando sobre fotografia"), Novos Baianos e Erasmo Carlos.

Esta fica entre nós: Conceição era, acima de tudo, persona mais que grata entre a turma bicho-grilo dos anos 70. Pela simpatia, sim, mas também por ser a pessoa certa, no lugar certo, no momento certo (embora, neste caso, qualquer hora fosse hora). "Era engraçado, pois eu ia muito na Fotoptica [rede de foto e óptica], onde sempre me davam umas sedinhas para limpar a lente. Quando os artistas me viam, sempre gritavam: 'Ela tem! Ela tem!'", disse a mulher para quem aqueles, definitivamente, foram os bons tempos que não voltam mais.

"Os artistas de hoje não me emocionam muito", ela manda sem cerimônia. "Antes, eram mais próximos. Agora, existe programação para virar celebridade. Cavaram um abismo entre o público e o profissional."

Sabe aquela galera mais nova, nostálgica por uma época que jamais chegou a viver? Nada disso surpreende Almeida, que naqueles dias fotografou para inúmeras revistas, para depois passar por gravadoras. "Sempre ouço, 'ah, que pena que eu não vivi isso ou aquilo'. E era muito legal mesmo. Saía o LP do Caetano e todo mundo ia se encontrar para escutar. Não havia Torrent. Nem telefone todo mundo tinha!"

Atualmente, ela se dá licença para ser uma autêntica metamorfose ambulante. Há cerca de um ano, deixou tudo para trás e foi morar num sítio num distrito de São José dos Campos, em São Paulo, com nove cachorros e sete gatos. Afastar-se do caos urbano parecia... a coisa certa a se fazer. "De repente, me vi na roça. Fui por uma escolha altamente espiritual, uma força da natureza."

Conceição foi e Pinheiros, o bairro que lhe deu abrigo por 24 anos, ficou. A mesma vizinhança onde, há mais de 30 anos, uma mocinha de câmera a tiracolo se encontrava com o mais porreta dos roqueiros do Brasil, para uma sessão de fotos que não pararia por ali. "Raul sempre está presente. Aqui, no meio da floresta, tenho contato muito grande com ele. Não fisicamente, claro, mas temos conexão", ela divaga sem chegar - nem é seu intento - a algum lugar. "A música me faz renascer de qualquer morte."