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Um Senador Raivoso

Cristovam Buarque rejeita a alcunha de “ético” – prefere “indignado, raivoso” – e pede o afastamento de Sarney, “blindado por Lula”

Por Andrea Jubé Publicado em 30/09/2009, às 11h58

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Ilustração Negreiros
Ilustração Negreiros

Um dos porta-vozes do chamado "bloco dos éticos", o senador Cristovam Buarque, do PDT do Distrito Federal, rejeita a alcunha. "Prefiro grupo dos indignados, dos preocupados, dos raivosos", pondera. "Não é justo excluir os demais senadores da luta pelo resgate da ética e da moral do Senado."

Buarque destacou-se nos últimos meses na cena política nacional, ao lado de nomes como Pedro Simon (PMDB-RS), Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Eduardo Suplicy (PT-SP), em meio à crise que devastou a imagem da Casa. Foi o primeiro a pedir que Sarney se licenciasse do cargo até o desfecho das investigações das denúncias de abusos e irregularidades na instituição. Logo depois, líderes do PSDB, do DEM, do PT e do PDT fizeram o mesmo.

A série de escândalos começou em fevereiro, quando o senador José Sarney assumiu a presidência do Senado pela terceira vez em 14 anos. Foi o mote para que surgissem denúncias de pagamento de horas extras durante o recesso parlamentar, inchaço da máquina, farra com passagens aéreas, nomeações de parentes e amigos por meio de atos secretos, tráfico de influência.

Na linha de frente do grupo de oposição a Sarney, Buarque envolveu-se em polêmicas. Alarmou os senadores ao declarar que, se houvesse uma consulta popular, as pessoas pediriam o fechamento do Senado. Mais recentemente, afirmou sentir-se ofendido com a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que comparou os senadores a pizzaiolos. O episódio obrigou o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), a pedir a Lula que se retratasse junto à categoria. Aliás, a classe dos artesãos da pizza também cobrou de Lula que se desculpasse por se referir a eles de forma depreciativa.

Nesta entrevista, Cristovam Buarque afirma seu desejo de ser candidato à presidência em 2010. Ex-governador do Distrito Federal, ex-ministro da Educação e candidato derrotado à Presidência da República em 2006, quando obteve 2,5 milhões de votos, Buarque analisa a crise no Senado, apresenta propostas de reforma da instituição e do sistema político e denuncia a submissão da Casa ao presidente da República. "Sarney hoje é um ministro do Lula. Se Lula fizer como fez comigo, ele o demite por telefone, simplesmente retirando o apoio do PT e de muitos do PMDB."

A onda de denúncias que atinge o Senado e alveja diretamente o presidente José Sarney (PMDB-AP) começou em fevereiro e parece não ter fim. Por que até hoje Sarney não se licenciou ou renunciou ao cargo?

Além do senador José Sarney, essa crise contamina a imagem de todos os senadores. É possível que algumas pessoas mais informadas sejam capazes de distinguir um senador do outro, mas todos são atingidos. Sarney não deixou o cargo até hoje por duas razões. Uma, porque insiste em não sair, é cabeça dura nesse sentido. Não percebe que se afastar seria melhor para a Casa, para ele, para o país. Outra razão é que nós, senadores, somos impotentes. Não descobrimos um jeito de pressioná-lo. Além disso, ele tem mandato até 2011 na presidência do Senado, não pode sair à força.

Como aumentar a pressão para que Sarney se afaste, ainda que temporariamente?

Quando retornarem os trabalhos [dia 3 de agosto], vou propor um "plebiscito" entre todos os 81 senadores. Se Sarney tiver mais de 41 votos, ele fica. Se tiver menos, terá de sair. Também vou propor a realização de uma vigília em plenário, com a participação da sociedade civil, para discutirmos os rumos do Senado. Vamos convidar representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), das ONGs (Organizações Não Governamentais) e do movimento sindical.

Os líderes dos partidos vão contestar a ideia desse "plebiscito", já que não está previsto no regimento interno.

Sim, não existe no regimento. Mas farei a proposta mesmo assim. Será uma consulta informal. Afinal, ninguém sabe mais como levar adiante uma vontade que, a meu ver, é majoritária no Senado. Se você somar os senadores que já se manifestaram contra Sarney - e, claro, é uma contabilidade com grau de subjetividade -, o número chega a 44. Basta somar os votos do PDT (5), do PT (12), do PSDB (13), do DEM (14), do PSOL (1), mais três ou quatro do PMDB, são mais de 41.

O senhor já foi duramente criticado por ideias ousadas, como a de um plebiscito sobre o fechamento do Senado.

Fui mal interpretado. Na verdade, sou contra o sistema unicameral. Acredito que o Senado traz equilíbrio à representação dos estados. Sem o Senado, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro mandariam no Brasil. Sou contra fechar o Senado. No entanto, nunca recebi tanto apoio por uma declaração, o que me entristeceu. A declaração que eu tinha feito foi a de que, se houvesse um plebiscito, as pessoas pediriam o fechamento do Senado. Mas lutarei para que isso não aconteça.

O apoio do presidente Lula a Sarney foi determinante para que ele continuasse na presidência do Senado?

Sem dúvida, a presença do presidente Lula nesse processo é um elemento de blindagem do Sarney. Sem Lula, Sarney já não estaria no cargo. Primeiro, a intervenção de Lula teve força para manter o PT junto a Sarney por um tempo, ainda que a maioria da bancada estivesse nitidamente contra ele. O apoio de Lula também fortaleceu o PMDB, partido de Sarney, que só está interessado em cargos no governo. Poderia levar o PDT para o lado de Sarney, mas isso ainda não aconteceu.

O PDT está unido em torno de sua campanha para que Sarney se afaste do cargo?

Sim, a bancada está unida neste caso. Não há unanimidade sobre renúncia, mas todos concordam com a licença. O líder da bancada [senador Osmar Dias, do Paraná] já formalizou o pedido para que Sarney se licencie. Mas, imagine se de repente o Lula resolve pedir ao Lupi [Carlos Lupi, ministro do Trabalho e presidente nacional do PDT] que quer o partido apoiando o Sarney? Quantos vão resistir?

O senhor age com desenvoltura e independência. Não recebeu cobranças do partido, que faz parte da base aliada ao governo Lula?

Nenhuma cobrança. Até porque Sarney está agindo contra o PDT. Em Rondônia, o candidato ao Senado pelo PDT [o empresário Acir Marcos Gurgacz] ficou em segundo lugar, Expedito Júnior (PR) em primeiro. Abriu-se um processo contra Expedito e o Tribunal Superior Eleitoral já determinou a perda de seu mandato e notificou o presidente do Senado. Entretanto, Sarney engavetou a notificação, mandando o processo à Advocacia do Senado. O advogado alega que é preciso aguardar a publicação da sentença. No entanto, o que se fala por aqui é que haveria um acordo para que, em troca do apoio de Expedito, Sarney tente segurar a cassação até o fim do ano.

Qual seria a vantagem de Sarney licenciar-se do cargo?

Pedimos que ele se licencie por, pelo menos, dois meses. Nesse período, seria possível apurar as denúncias contra ele e de irregularidades no Senado sem pesar a suspeita de manipulação das investigações, de que Sarney influenciasse o processo. Se amanhã chegar-se à conclusão de que as acusações são falsas, o povo não vai acreditar se a apuração tiver sido feita sob a presidência dele.

O órgão competente para julgar os senadores é o Conselho de Ética, atualmente dominado por aliados de Sarney (dez governistas contra cinco nomes da oposição). O presidente do Conselho, Paulo Duque (PMDB-RJ), foi escolhido pelo líder do PMDB, senador Renan Calheiros (AL), principal aliado de Sarney. Como explicar à opinião pública que o Conselho não deverá julgar Sarney com isenção?

O Senado continua dominado por um grupo que "se lixa" para a opinião pública, termo que eles mesmos utilizam. A manipulação do Conselho de Ética é a

mais forte demonstração desse "lixar-se" para a opinião da população. Eles chegam ao ponto de escolher para presidir o Conselho um senador que disse de antemão que não acreditava em nenhuma das denúncias contra Sarney. E ele tem o poder de engavetá-las! [Segundo suplente de senador, Paulo Duque afirmou após tomar posse na presidência do Conselho de Ética que não estava preocupado com o que a opinião pública pudesse pensar dele. "A opinião pública é muito volúvel. Ela flutua", declarou aos jornalistas].

O senhor tem desempenhado um papel de protagonista nesta crise. Foi o primeiro a pedir, em plenário, que Sarney se licenciasse?

Sim, fui o primeiro. Mas, um mês depois, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) deu um passo adiante: pediu que ele renunciasse.

O senhor despontou como uma das vozes principais do "bloco dos éticos".

Não gosto dessa expressão, prefiro chamar de "grupo dos preocupados", "dos indignados", "dos raivosos". Ao chamar de éticos, você elimina outros senadores e não se pode fazer isso.

O senhor recebeu críticas ou manifestações de apoio durante esta crise?

Recebo dezenas de e-mails todas as semanas. As pessoas perguntam "para que vocês estão aí"? Um e-mail disse que somos "uns babacas". Outro afirmou que sou "um cara sério" e, por isso, deveria renunciar. "Por que o senhor não renuncia para se livrar dessa cambada que está ao seu redor?", perguntou. Eu respondi que se renunciasse, diante de tanta suspeita, iam alegar que vendi os 18 meses que me restam do mandato. Quem iria acreditar que saí em protesto?

Qual é a denúncia mais grave contra Sarney?

Há três níveis de denúncias graves. Existe a manipulação da máquina do Senado em benefício próprio, de seus familiares e de amigos. São todas essas nomeações de parentes, de amigos, e os atos secretos (mais de 500 em 14 anos). Outro nível é o da submissão do Senado ao presidente da República. Sarney não defendeu os senadores quando Lula nos comparou a pizzaiolos. Ele hoje é um ministro do Lula. Se Lula fizer como fez comigo, demite Sarney por telefone, simplesmente retirando o apoio do PT e de muitos do PMDB. O terceiro nível são os privilégios: é receber ajuda de aluguel tendo casa em Brasília e, ainda por cima, podendo usar a residência oficial do Senado, as suspeitas de lobbies, de dinheiro público desviado pela Fundação Sarney.

O que está em jogo na crise é a autonomia do Senado?

Temos uma lama na superfície do Senado. Viagens para parentes e amigos, nepotismo, privilégios, tudo isso está na superfície. Aprofundando, descobre-se uma engrenagem enferrujada, uma máquina que não atende aos anseios da população. Precisamos limpar a lama, lubrificar a engrenagem, mudar a estrutura de funcionamento. Tenho uma lista grande de propostas. Por exemplo, reduzir o mandato de senador de oito para quatro anos. Com oito anos, você fica longe tempo demais para prestar contas aos eleitores.

Quais outras propostas o senhor pretende apresentar?

Vou apresentar projetos de lei e propostas de emenda à Constituição. No caso de reforma constitucional, defendo o fim da segunda reeleição para senador e deputado, só poderemos nos reeleger uma vez. Do contrário, cria-se um vício, transforma-se a atividade política em profissão.

O senhor é autor de um projeto para que filhos de parlamentares estudem em escolas públicas?

Sim, a proposta aguarda parecer do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) na Comissão de Educação do Senado. Diz que filhos de deputados e senadores deverão estudar em escolas públicas, mas só daqui a sete anos. Devia ser já, não é mesmo? Imagine se a Princesa Isabel dissesse que os escravos estavam livres, mas só em sete anos. Recebi críticas de que deveria exigir que se consultassem, também, em hospitais públicos, mas achei que já seria briga demais.

O senhor foi candidato a presidente da República em 2006 com a bandeira da educação. Antevê esse debate na eleição de 2010?

Não vejo diferença entre Dilma e Serra. Vão dizer as mesmas coisas, a única diferença será a taxa de aceleração do crescimento de cada um. Mas o Brasil não precisa acelerar, precisa mudar de rumo. Há um novo Brasil que quer nascer e eles não estão deixando. É o Brasil da indústria do conhecimento, do chip, da distribuição de renda por meio de uma educação igual para todos. Se o Brasil não mudar de rumo, seremos sempre um país que vive de exportar ferro e soja e importar chips, um país sem futuro.

Que avanços tivemos na área de educação?

Comemoramos 40 anos da chegada do homem à Lua e o primeiro ano do piso salarial do professor [de R$ 950, projeto de lei de autoria de Cristovam sancionado em 2008]. Quer imagem mais forte de atraso?

O senhor será candidato a presidente em 2010?

Eu quero ser candidato, mas dependo do PDT. E o partido é alinhado ao presidente Lula, que não quer outros candidatos da base aliada, a não ser Dilma. Porque a candidata dele perder para o Serra não seria uma tragédia. Contudo, Dilma não ir para o segundo turno seria. Não vou dizer que eu iria para o segundo turno, mas o Ciro [Gomes, deputado federal pelo PSB do Ceará] poderia ir.

Sua plataforma seria novamente a educação?

Gostaria de ser candidato apresentando a educação como o vetor da mudança. Daquela vez, fui tachado de candidato de "uma nota só", mas eu tinha duas notas. Era a educação e o resto. Todo o resto é importante. Sem estradas, os meninos não vão para a escola, sem uma economia dinâmica não se paga os professores. O vetor da transformação é a educação.