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O Diabo na Carne de Keith Richards

O ícone absoluto do rock'n'roll resgata seus ídolos, faz questão de esquecer os excessos do passado e se confessa um puritano e amoroso pai de família

Por Jo Champa Publicado em 18/12/2009, às 15h54 - Atualizado às 15h58

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FRANCESCO CARROZZINI
FRANCESCO CARROZZINI

Um sujeito endemoniado, de virtuose quase mágica, talvez até imortal. De que outra forma se poderia explicar sua sobrevivência aos excessos da vida na estrada, shows e hotéis? São incontáveis as histórias das vezes em que "perdeu a cabeça" - essa é a expressão que ele gosta de usar -, o que só enriquece o folclore em torno do guitarrista dos Rolling Stones. A sua jornada é uma que "não se consegue colocar em palavras", como sugere a recente campanha da Louis Vuitton, que tem Keith como protagonista. Uma jornada que o levou ao "fim do mundo" da série Piratas do Caribe, na qual interpreta o pai de Johnny Depp/Jack Sparrow. Mas, para contar a história de forma absolutamente verdadeira, só há uma maneira: dê uma guitarra na mão dele que ele irá tirar o som que o transformou em lenda.

CONFIRA imagens de mais de 45 anos de rock: Keith Richards ao lado de amigos e no palco, fazendo o que sabe melhor.

Você é um ícone do rock'n'roll.

Ícone com "c" ou com "k", como uma daquelas pequenas pinturas russas com um santo? Porque santo certamente não sou, você sabe bem.

Com "c", como uma pessoa de talento e estilo lendários. Você tem um ícone, alguém que tenha representado para você uma importante fonte de inspiração artística?

A resposta pura e simples é não... e sim. Sou uma mistura de muitas influências, um prato com diversos ingredientes. Eu poderia citar Bach. Poderia citar Beethoven. Poderia citar Chuck Berry.

Há alguma coisa que junte todos? Afinal, Chuck Berry escreveu "Roll Over Beethoven".

Eram sujeitos que sabiam compor música, tocar e cantar. Uau. Para mim isso era a coisa mais extraordinária. Chuck Berry é o rock'n'roll. Eu ficava impressionado com as músicas que ele escrevia. Posso dizer que deve ser o melhor conjunto da obra que me vem à cabeça. E Chuck não é só o rock'n'roll, ele é o jazz, o blues e todo o resto. Quando escuto "SchoolDays", "Too Much Monkey Business", "Little Queenie", "Johnny B. Goode", simplesmente começo a viajar. Mas teve mais gente muito boa, Buddy Holly foi um deles, Muddy Waters, Robert Johnson Elvis Presley era um rock and roller fantástico, não tenho nem o que dizer. Tudo ficava mais interessante quando se escrevia sobre a própria experiência, falando deles mesmos. Sabe, pra mim era essa a ideia do pacote completo, que triunfava simplesmente com uma grande interpretação.

Muitas vezes um ícone tem um passado pitoresco. Parece que todo mundo conhece alguma história absurda sobre Keith Richards.

É verdade, continuo escutando essas histórias absurdas e sempre me pergunto onde eu estava nessas horas [risos].

Quem sabe não leremos algumas delas em breve? É o que dizem sobre a autobiografia em que você está trabalhando.

Estou tentando me lembrar... [risos] Estamos ainda estudando que tipo de formato utilizar. Não esperem a lista de autoelogios de sempre. Não é um livro de escândalos de sexo que eu quero fazer. Se bem que... vai ter muito sexo!

Uma coisa divertida que você fez recentemente foi o filme Piratas do Caribe. Como você se sentiu a bordo do "Fim do Mundo"?

Johnny e eu já nos conhecíamos faz tempo. Desde que começou a filmar essa série, ele me dizia: "Talvez você devesse ter um papel aqui". E foi o que aconteceu. Eles me deram duas pistolas, uma espada e outras tranqueiras. O que acontece é que, se me fantasiarem o suficiente, sou capaz de interpretar qualquer papel. Eu me diverti demais e foi muito fácil trabalhar com Johnny. A gente deu risada até não poder mais. Eu gosto dele, e ele é também um ótimo guitarrista. Além disso, são só histórias de piratas, certo?

Mas, tirando a vida pirata do rock'n'roll, você é uma pessoa bastante tradicionalista, com valores musicais sólidos. Trabalha na mesma banda há 40 anos. É casado há bastante tempo, tem quatro filhos, uma família muito unida...

Viver duas vidas diversas ao mesmo tempo é um inferno [risos]! Sabe, sob muitos aspectos sou bastante puritano, acredite se quiser, especialmente quando se trata de música. Sou muito presente com minha família. Eu sempre achei que se você quer ter filhos, precisa servir de exemplo. Se você os trata de modo justo, é assim que eles vão te tratar... o que é ótimo. O meu contato com as pessoas é assim. Eu sempre gostei de ser amado e acho que o único modo de se receber amor... é amando.

Você herdou o amor pela música da família?

Sim. Está dentro de mim. Provavelmente, nos meus genes. Na minha casa se escutava muita música, sempre havia um disco tocando. Todo mundo pulava pra lá e pra cá dizendo "Você precisa ouvir isso". A gente ficava louco com qualquer gênero. Foi meu avô quem me iniciou. Ele não era um grande entendedor de blues, mas conhecia música.

Qual era o gênero preferido dele?

Simplesmente, a música. Nos anos 20 e 30, ele teve uma banda de baile. Tocava violino e saxofone. Eu o vejo até hoje perseguindo minha avó no quarto, cantando "La Vie en Rose" e tentando conseguir levá-la para a cama [risos].

A sua mãe (morta em 2007) também era iniciada na música?

Ela tinha muita música dentro dela. Quer dizer, ela era filha do meu avô, afinal de contas. Era música o tempo todo. Até na Inglaterra dos anos 50, quando ela precisava se virar para conseguir alguma coisa decente, ela sempre tinha o recurso da música que tocava. A gente fazia isso mesmo. Se a gente estava sem ter o que fazer, começava a cantar, criava uma nova harmonia ou alguma coisa assim. Nossa casa

era sempre assim.

Como era a sua mãe?

Era maluca, esplendidamente maluca. Na época eu não percebia. Sabe, ela era simplesmente a minha mãe. Eu não me dava conta do quanto ela era maluca. Ela tinha esse incrível senso de humor e sensibilidade para a música. Quer dizer, com uma combinação dessas não tem o que dar errado. Eu poderia ter me dado muito pior. Às vezes, não tinha muito o que comer na mesa. Mas a nossa casa era cheia de alegria, de risadas, de música. Foi isso que minha mãe me deu. Agora há pouco, cantei alguma coisa pensando nela... Deus a abençoe.

Você tem alguma lição de vida que gostaria de transmitir?

Vamos fazer assim, vou pensar no assunto. Ainda preciso aprender que lição é essa. Mas, quando isso acontecer, transmito pra você com certeza.