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Obama até Agora

Por Eric Bates Publicado em 09/11/2009, às 14h57

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Durante os 100 primeiros dias de Franklin Roosevelt à frente do governo dos EUA, o Congresso concedeu todos os pedidos que o novo presidente fez. Barack Obama, apesar de gozar de maioria decisiva nas duas casas do Congresso, não teve tanta sorte assim. Seu pacote de estímulo econômico não conseguiu conquistar nem um único voto republicano e integrantes conservadores de seu próprio partido estão tentando bloquear seus planos ambiciosos de fornecer planos de saúde universais e tentar diminuir o aquecimento global. Além disso, o próprio Obama assustou seus partidários ao fazer concessões relativas a questões fundamentais, e ele ainda precisa exercitar seu músculo político com a mobilização da rede de ativistas comunitários versados em tecnologia que ele reuniu durante a campanha do ano passado. Tudo isso leva à questão: Será que Obama está alimentando falsas esperanças? Ou será que ele tem condições de efetuar mudanças reais?

Para avaliar a performance de Obama durante seus seis primeiros meses de

governo, três dos principais observadores políticos dos Estados Unidos se reuniram na redação da Rolling Stone EUA, em Nova York. David GERGEN, analista político sênior da CNN e diretor do Centro de Liderança Pública na instituição de pós-graduação Harvard Kennedy School, trabalhou na Casa Branca sob o comando de Nixon, Ford, Reagan e Clinton. Paul KRUGMAN, colunista do New York Times e professor de economia e relações internacionais na Universidade de Princeton, recebeu em 2008 o Prêmio Nobel de economia. Michael MOORE é o diretor de Tiros em Columbine, premiado com o Oscar, e de Sicko - $O$ Saúde; seu novo filme, Capitalis: A Love Story (Capitalismo: uma história de amor) estreou recentemente nos EUA.

D e maneira geral, como os senhores avaliam os primeiros seis meses de Obama no governo?

DAVID GERGEN: É preciso perguntar: Com o que estamos comparando? Comparando com o último presidente - aliás, comparando com os dois últimos presidentes democratas, Bill Clinton e Jimmy Carter -, ele começou acelerado, com um bom número de conquistas legislativas no papo. A economia não desabou em um penhasco, ele mudou o clima do país e há sinais de que esteja transformando a cultura. Mas, na comparação com as aspirações dele para o futuro, acho que ele ficou atrás do que esperava conseguir até agora, e certamente do que o país esperava até agora

PAUL KRUGMAN : Os problemas que Obama enfrenta são meio canhestros. Os dois principais - a economia e o sistema de saúde - são coisas em que meia bomba basicamente não é muito melhor do que nada. Se temos um plano de estímulo que não chega lá, a economia fica parecendo péssima e todo mundo diz que falhou, apesar de ter melhorado de fato coisas que estariam piores sem o plano. Esse era um caso em que ele realmente tinha que ter ido ao extremo, e não ficou claro se as ações dele atingiram escala suficiente.

MICHAEL MOORE: Eu ainda estou me beliscando, e faço isso desde o dia da eleição. Nos primeiros seis meses de Obama, ele fez algumas jogadas políticas muito perceptivas e espertas com a oposição, o que a deixou amarrada com vários nós. Estou muito feliz com o que vi. Mas isso não significa que eu não discorde de certas coisas, mas agora temos praticamente o oposto do que vivemos ao longo dos últimos oito anos. Temos um presidente inteligente que tem coração e que se preocupa com os outros, e que assumiu algumas posições muito corajosas. Pode conferir a lista: do discurso dele no Cairo a ter admitido ao povo iraniano que os Estados Unidos ajudaram a derrubar o primeiro-ministro democrático eleito no país na década de 50, passando pela assinatura da lei contra as empresas de tabaco e pelo que ele tentou fazer para fechar Guantánamo, mesmo sem o apoio da maioria dos senadores de seu próprio partido. Levando em conta o que ele herdou - a bagunça absoluta e completa em que o país se encontra -, esses foram seis meses notáveis.

O que mais os impressionou até agora? Há algum movimento feito por ele que se destaca?

MOORE: Ele demitiu o chefe da General Motors! [ Risos] Falando sério, um presidente dos Estados Unidos, por todas suas intenções e motivos, demitiu o chefe de uma empresa que ocupou a primeira posição da lista [de mais ricos] da Fortune 500 durante mais anos do que qualquer outra empresa na história da lista. Ele essencialmente assumiu o controle da empresa na tentativa de salvar a infraestrutura industrial e os empregos que ela representa - isso realmente sobressaiu. Isso e o discurso que ele fez no Cairo para as pessoas do mundo muçulmano. Ele é um sujeito que passou por uma eleição em que uma das táticas usadas para impedir sua eleição foi plantar continuamente na cabeça das pessoas a ideia deque ele era muçulmano, e poucos meses depois de assumir o governo ele vai lá e essencialmente diz ao mundo muçulmano que ele quer ser amigo, que tem muçulmanos na família e que os respeita. É alguém assim que eu quero para me representar para o resto do mundo.

KRUGMAN : É engraçado - a minha reação é estar de fato extremamente impressionado com muitas coisas que Obama está fazendo, mesmo nas frentes em que estou reclamando, e, no entanto, é inadequado. Tome como exemplo o estímulo. Esse foi o maior movimento deliberado e discricionário para estimular a economia por meio de ação governamental desde a década de 1930 - nunca existiu nada assim. Usando essa perspectiva, é realmente impressionante, e a qualidade da discussão vem sendo extremamente boa. É tão estranho ver gente dentro e ao redor da Casa Branca que realmente faz sentido... Eu converso pelo telefone com representantes da administração e nós falamos a mesma língua - é algo fantástico. Mas a escala dos problemas que Obama herdou é tão grande que é possível dizer, simultaneamente: "Isso é realmente impressionante, isso não tem nada a ver com o que seria possível imaginar politicamente há alguns anos"; e, do mesmo modo, dizer: "Realmente me parece que não vai bastar".

Se no fim não bastar, pode haver conseqüências eleitorais. Muitos de nós que atuamos no ramo da economia, até os conselheiros econômicos do presidente, estão falando de 1937, que foi o ano em que Roosevelt foi convencido pelas pessoas erradas a deixar de lado o New Deal. A economia escorregou novamente para uma recessão severa, e no ano seguinte ele levou um pau na eleição de meio de mandato, o que freou a agenda do New Deal durante vários anos. Todos nós estamos nos perguntando: "Será que vamos ver algo assim aqui?"

GERGEN: Nos últimos seis meses, o que mais me impressionou foi o grau de compromisso passional e sério que Obama tem com as mudanças sociais. Não é só retórica - ele realmente está tentando efetuá-las. Ele também deixou claro que as pessoas que disseram que ele não estava preparado e não estava à altura do cargo estavam erradas. Ele é hoje a figura política mais respeitada no mundo, de acordo com algumas pesquisas internacionais. Quando se compara isso com o passado recente da nossa política, é um salto adiante importante.

Estamos no meio de duas guerras que Obama herdou. Comecemos com o Iraque: o que acham da maneira como ele tem lidado com o conflito?

KRUGMAN : Muita gente gostaria de ver as forças americanas a caminho de sair de lá de maneira bem mais convincente a esta altura. No final, parece que vamos ter um regime levemente hostil instalado ao custo de cerca de 1 trilhão de dólares e 4 mil vidas norte-americanas. Mas o Iraque não incomoda tanto - é o Afeganistão que me preocupa profundamente. O Afeganistão - e a guerra que se pode argumentar como tendo justificativa - certamente não começou com um "vamos invadir alguém que não nos atacou" gratuito. Mas a coisa parece bem pantanosa. Obama parece estar tentando fazer coisas inteligentes para mudar o rumo da situação, mas é substanciais de soldados e gastando muito dinheiro sem obter resultados. A Guerra do Afeganistão não é tão impopular quanto à do Iraque, porque havia um motivo real para a guerra, mas o quadro não é muito bonito.

MOORE: Eu discordo, não acho que tenha havido motivo para a guerra no Afeganistão. Nós não fomos atacados pelo Afeganistão - fomos atacados por um grupo de brutamontes fanáticos que cometeram assassinato em massa - quase três mil pessoas. Deveria ter havido uma ação policial para apreender os criminosos que o planejaram e executaram. O Taliban não é uma força de invasão - são cidadãos do Afeganistão, e é da responsabilidade do povo afegão decidir se quer ser oprimido por um grupo de fanáticos religiosos. Eu me sinto muito mal por Obama ter tido que herdar isso, e ele claramente não recebeu os conselhos certos. Porque, daqui a um ano, essa vai se transformar na guerra dele, como o Vietnã se transformou na guerra de Nixon.

Então, o que acham sobre a decisão de Obama pelo caminho oposto - tomar as duas guerras que herdou e continuar lutando-as?

MOORE: Olha, o sujeito é um ótimo jogador de basquete - ele finge que vai para a direita e vai para a esquerda. Ele diz que vai manter 50 mil soldados no Iraque. Mas eu ficaria chocado se, daqui a três anos, houver 50 mil soldados no Iraque. Ele fala essas coisas para afastar os lobos da porta, e funciona. Parece que o outro lado compra. Por isso admiro a engenhosidade dele. A mesma coisa vale para o Afeganistão. Quando ele disse que ia enviar mais 20 mil soldados, eu pensei: "Mais uma vez, ele está tentando criar uma ilusão para a oposição ficar longe". Na verdade, ele vai mandar forças de operações especiais para encontrar a liderança da Al Qaeda e a levar à Justiça. Acho que a ideia é a seguinte: "Vamos entrar para fazer o trabalho que George W. Bush não fez logo depois de 11 de setembro - capturar Osama bin Laden - e depois vamos retirar os soldados do Afeganistão". Porque a invasão não funcionou para nenhum outro país na história do Afeganistão. Podemos telefonar para os britânicos para ver o que aconteceu com eles, podemos ligar para Gorbachev e perguntar o que aconteceu com os russos. O telefone de Genghis Khan está desligado, então não dá para falar com ele. Mas, historicamente, essa é uma proposta perdedora. Obama não é burro - ele sabe que precisa pegar as pessoas que cometeram esse crime e fazer o trabalho que Bush não fez, e daí ele vai sair correndo dali.

GERGEN: "Finge que vai para a direita e vai para a esquerda". Michael MOORE, apresento-lhe o Partido Republicano. Por acaso essa não é a mesma crítica que os republicanos têm feito a respeito do presidente e do governo?

MOORE: É, e ninguém escuta o que eles dizem! Tenho pena deles. Acham que sabem o que ele está fazendo e tentam apontar, mas Obama só age com a maior inocência e diz: "Não, não estou fazendo isso". GERGEN: Ele está dando continuidade à sua promessa de reduzir a presença norte-americana no Iraque e sair de lá gradualmente. Saímos das cidades pontualmente, e vamos continuar com a redução. No Afeganistão, o presidente está fazendo exatamente o que prometeu fazer durante a campanha. O Afeganistão é muito pobre, e Michael aponta com precisão o que a história sugere: "Baixem suas expectativas". Mas eu acho que precisamos dar seis meses a Obama, ou talvez 12 meses, para descobrir se a estratégia dele vai funcionar. Ele compreende que, se a coisa continuar indefinidamente, a pressão política vai ser para sair, independentemente do que possa acontecer. O presidente merece muitos pontos por seguir suas promessas.Por ser firme. Ele está trabalhando bem com as forças militares, e os presidentes democráticos do passado às vezes tiveram relações conturbadas com os militares.

Em um dos primeiros atos de Obama como presidente, ele anunciou que fecharia Guantánamo. Mas agora está dando indicações de que alguns detentos continuarão presos de modo indefinido, e ele também vai continuar com os tribunais militares de Bush. Será que essa é uma concessão fundamental ou apenas o reconhecimento das complexidades que precisa encarar?

KRUGMAN: Pode ser os dois, certo? É uma decepção, de verdade. Não estou criando caso com isso porque não é a minha questão central, mas as pessoas têm direito de esperar mais. Vai ao cerne de quem nós somos, e que tipo de coisas fazemos enquanto nação.

Falando sobre as concessões políticas que ele fez, parece que ficou no ar a dúvida se ele é forte ou não o bastante. Será que ele está preparado, em uma questão como por exemplo as mudanças climáticas, para enfrentar a indústria do carvão e instaurar o tipo de legislação necessária para tratar do aquecimento global?

KRUGMAN: Eu estou mesmo muito preocupado, e estou preocupado desde o início, com o fato de ele não ter determinação suficiente - de que ele fosse, na verdade, uma pessoa que sempre tenta encontrar um ponto pacífico quando não existe nenhum. Às vezes dá uma sensação terrível - principalmente quando [o chefe de gabinete de Obama] Rahm Emanuel fala alguma coisa que passa a impressão de que está tudo em liquidação, coisa que ele tem feito com bastante frequência - e a gente se pergunta se realmente há algum tipo de determinação neste governo para de fato fazer com que as coisas mudem de maneira acentuada. Uma das coisas que eu às vezes digo a mim mesmo é: "Será que eu não teria feito muitas dessas mesmas reclamações a respeito de Franklin Roosevelt?" E a resposta é a seguinte: "Em boa parte das vezes, teria, sim". Há uma citação que as pessoas andam usando em que uma eleitora perguntou a Roosevelt: "Sr. presidente, por que não faz isso e aquilo?" E ele respondeu: "Eu quero fazer, moça, mas vocês têm que me obrigar a fazer". Em certa medida, é função dos ativistas criarem a pressão para obrigá-lo a fazer essas coisas.

GERGEN: A abordagem do presidente Obama é bem diferente. Por meio de seus discursos, ele anuncia objetivos de longo prazo, ele está estabelecendo uma agenda para o país, e assim está funcionando mais como catalisador. Em vez de pegar uma bandeira, a tendência dele é arrebanhar as pessoas. Há momentos em que muitos de nos gostaríamos que ele viesse à frente e apresentasse a questão ao público e tentasse fazer com que o Congresso atendesse as suas vontades, em vez de ele embarcar nas vontades do legislativo.A questão de ter força ou não, para mim, vai ser fundamental não apenas pelo lado interno, mas também pelo lado da política externa. Não falamos sobre o Irã, masessa questão está se transformando em algo em que a política dele encontra cada vez mais problemas. O governo foi cauteloso demais em relação à maneira como reagiu às eleições lá, que revelaram a natureza totalitária do regime. Isso vai exigir que Obama seja muito, muito duro com os iranianos, que estão chegando perto de ter armas nucleares. Ele precisa reunir uma coalizão internacional que dê apoio a sanções rígidas caso as negociações multinacionais com o Irã não cheguem a lugar nenhum.

MOORE: Para falar a verdade, tudo que ele disse até agora me impressionou, mostrando como ele é forte. A maneira como ele se conduz em um encontro com líderes estrangeiros passa uma firme noção de segurança e força. E estou falando de uma força silenciosa, não da falsa bravata que Bush demonstrava. Obama parece dizer: "Estou aqui porque queremos viver em paz". Mas ele também tem aquele ar de: "Nem pense em sacanear comigo".

GERGEN: Não acho que isso esteja certo, eu discordo.

KRUGMAN: Não é assim que eu vejo as coisas em relação à política interna, certamente.

GERGEN: E não vejo isso na política externa. Acho que existem várias pessoas, como Kim Jong Il e Hugo Chávez, que desdenham dele.

MOORE: É o que parece, mas eu não acho que seja o que está acontecendo. Com o Irã, por exemplo, acho que a abordagem dele tem sido absolutamente correta. A última coisa que queremos é passar a impressão de que estamos tentando derrubar um governo. Deixe que o povo iraniano dê conta disso - se as pessoas quiserem lidar com isso, elas vão promover um levante e expulsar seus opressores. Essa é a lição da história. Pessoal, vamos lá, vocês acharam que iam ver o muro de Berlim cair ainda em vida? Vocês acharam que iam ver Nelson Mandela fora da prisão, e ainda mais como presidente da África do Sul?

GERGEN: Michael, muito antes de a nossa vida acabar, o Irã vai ter armas nucleares. O que você faria?

MOORE: Se a sua prioridade for fazer com que o mundo esteja livre de armas nucleares, pode conseguir isso de maneiras que não envolvam lutas de espada nem ameaças. Preciso dizer, depois de seis anos e meio desta guerra na qual fomos enfiados porque fomos informados de que Saddam teria uma arma nuclear, eu fiquei igual a muitos norte-americanos: não quero mais ouvir essa história. Não venha me dizer quem vai ou não vai ter uma arma de destruição em massa. Se você vai me dizer que alguém está me ameaçando. Que a minha vida e a vida da minha família está em perigo, então é bom provar, caramba. A esta altura, eu provavelmente ia precisar ver Ahmadinejad de fato carregando aquela bomba para o palco, dizendo: "Aqui está, ela é nossa". Esse tempo acabou, e eu não quero mais escutar papo de gente falando que fulano tem uma arma de destruição em massa lá longe, quando nós mesmos temos mais de 10 mil armas nucleares. Não quero que nem mais 10 centavos do meu dinheiro vá para isso. E não quero mais nem um soldado desse país morto no processo. Obama adotou a abordagem correta, que é a diplomacia.