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No Topo do Mundo

A teoria da evolução de Lula: o que faz do ex-retirante, ex-metalúrgico e duas vezes presidente, um fenômeno de popularidade no país e no mundo?

Por Fernando Vieira e Rodrigo Barros Publicado em 10/12/2009, às 18h09

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Ilustração Rodrigo Rosa
Ilustração Rodrigo Rosa

Nunca antes na história deste país um presidente havia superado a barreira do índice olímpico de popularidade. As marcas recordes não deixam dúvidas: Luiz Inácio Lula da Silva é, sem dúvida, "o cara" no topo do pódio. Um fenômeno político, publicado e republicado como tal. Mas que não pode ser visto de forma isolada, como o resultado de um tiro curto de 100 metros livres. Há muito por trás do alto rendimento. Envolve treino, prática e repetição. Erros, inúmeros. Acertos, em momentos decisivos. Um aprendizado e reaprendizado. Derrotas e vitórias. A reinvenção em si mesmo.

Avaliar a ficha técnica desse líder contemporâneo, no calor dos fatos e não distante dos acontecimentos, como recomenda a boa análise histórica, é assumir o risco de dar o resultado do jogo antes dos 45 minutos do segundo tempo. Estampar no pôster de campeão as feições de um ídolo durante o campeonato. Afinal, o jogo só acaba quando termina, no apagar das luzes do estádio, seja da Copa do Mundo ou das Olimpíadas.

Mas a busca pelo entendimento da dimensão de Lula, o operário que virou presidente, pode, sim, ser feita. Daqui para trás. E nos remete à teoria que consagrou o naturalista inglês Charles Darwin. Resumindo: a evolução do político está ligada à capacidade de adaptação ao ambiente em que vive.

O Lula que se consagra a cada dia como mito não é o mesmo de 30 anos atrás, dos tempos do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Tampouco se resume na figura presidencial. Lula é fruto de um processo, mais natural do que moldado, que absorveu intensamente a influência de experiências pessoais e políticas, além de inúmeras mudanças no contexto ambiental, ao qual se adaptou por convicção ou necessidade.

A fotografia do cenário, hoje, baseada em estatísticas, é a mais favorável da história dos líderes políticos nacionais. Segundo levantamentos, antes mesmo da conquista das Olimpíadas Rio 2016, o presidente atingia seu ápice. Em pesquisa realizada para a Confederação Nacional da Indústria, no mês de setembro, o Ibope cravou em 82% a aprovação de Lula, índice que serve de parâmetro para popularidade, e em 69% a avaliação de seu governo como ótimo ou bom.

No Datafolha, o dado é similar: 67% de aprovação ao governo como ótimo e bom. Já nas pesquisas do Vox Populi, realizadas no final de agosto e no final de setembro, 65% dos entrevistados consideravam o governo ótimo ou bom.

Os dois últimos institutos não diferenciam a avaliação do governo da pessoa do presidente, pois consideram que não há como separar a imagem de Lula da avaliação como governante. "Essa divisão aconteceu no início do primeiro governo, quando a população ainda não sabia como ele seria como presidente, mas gostava dele como pessoa ou torcia por ele. Quase no final do segundo, se sobrepõe a imagem de presidente", justifica Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi.

Vale ressaltar que os três institutos de pesquisas apontam avaliação negativa semelhante, sendo que no Ibope e no Vox Populi 9% dos entrevistados consideravam o governo ruim ou péssimo, enquanto no Datafolha 8% apontaram esta opção.

Sob a ótica dos números, Mauro Paulino, diretor do Datafolha, aborda a quebra de paradigmas na política nacional, ao serem mantidos recordes de popularidade no final do segundo mandato. Para ele, a solidez dos dados é decorrência da "capacidade de Lula de se fazer entender e de conquistar o segmento mais numeroso da população". Márcia Cavallari, diretora executiva de atendimento e planejamento do Ibope Inteligência, chama a atenção para a segmentação dos índices. "A avaliação positiva é maior entre os eleitores com menor índice de escolaridade e residentes no Nordeste do país, muito embora seja muito boa em todos os segmentos sociais, inclusive nas classes de maior nível econômico", diz Cavallari.

Mas como Lula alcançou esse patamar e em diferentes níveis? O jornalista Ricardo Kotscho, amigo há mais de 30 anos e assessor de comunicação de Lula durante passagens de sua história política, fala do presidente como o Rei do futebol quando trata de si mesmo. "É preciso separar o Lula amigo, do político, como o Pelé e o Edson Arantes", afirma. "O lado pessoal continua o mesmo. Já politicamente, surge como um radical e tornou-se pragmático", analisa. Um misto de testemunha e cúmplice nas três derrotas (1989, 1994 e 1998) e nas duas vitórias na disputa pela Presidência (2002 e 2006), o jornalista é incisivo: "Quando o cara perde três eleições, você pensa que acabou. Mas as derrotas foram os grandes ensinamentos que o fizeram crescer e se readequar à política moderna." Segundo Kotscho, a percepção de que o PT estava em desacordo com a realidade do país e do mundo no virar de século foi do próprio presidente, que é um dos fundadores do partido. "Me espanta quando perguntam: quem faz a cabeça de Lula? Sem querer puxar o saco, ele é quem faz a dos outros, quem fez o convencimento dizendo: 'As coisas estão mudando e nós também precisamos mudar, deixar de lado o discurso Fora FMI'", exemplifica, apontando a capacidade de readaptação de Lula como um dos fatores de seu sucesso.

Ao assumir o poder, o presidente encontrou os fundamentos econômicos em ordem, após o controle da hiperinflação no governo Itamar Franco (1992-1994) e a estruturação promovida durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). E soube manter os parâmetros macroeconômicos, abandonando o velho discurso radical. Também contou com a "sorte" quando se viu diante de um boom da economia mundial, com bases sólidas internamente. "Fazia tempo que não tínhamos um crescimento que não fosse um voo de galinha, embora não tenhamos alcançado resultados tão significativos como em outros países emergentes", observa o historiador e sociólogo Marco Antonio Villa, professor de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

O terceiro ponto na economia foi resultado de seu toque pessoal, investindo em políticas de distribuição de renda e abertura de crédito. E esses dois aspectos se relacionam diretamente com a aprovação presidencial. "Crédito é muito importante para a popularidade. Mesmo que as pessoas fiquem endividadas, elas se sentem bem quando estão comprando mais", afirma Villa. "A relação entre desenvolvimento e aprovação de governo também se viu de 1968 até quase o final da década de 1970, durante o regime militar, no período do milagre econômico", completa o historiador e sociólogo.

O quarto tópico econômico se refere à competência que Lula demonstrou em meio à crise mundial. É certo que o histórico de estabilidade acumulado pesou. Mas o ex-operário que chegou a presidente assumiu os riscos da "marolinha" e, agora, pode surfar na onda de retomada do crescimento.

Por fim, Lula não só comandou o país em posição extremamente favorável e na contramaré mundial, como soube se creditar dos feitos como ninguém, se consagrando como se fosse o único responsável pela evolução econômica dos governos anteriores. E contou com uma ajudinha da oposição para isso. Segundo Villa, não houve um levante contra um discurso "messiânico e pessoal" de Lula. "A oposição parece não existir mais no país. Não há o contradiscurso. Os responsáveis por esse papel temem o enfrentamento político", afirma. "E essa ausência leva ao pico da glória de quem fala sozinho, sendo verdade ou não", acrescenta Villa. O historiador e sociólogo também destaca a incapacidade da oposição em tirar proveito das crises ao longo do governo Lula, como os escândalos de corrupção, tendo em seu maior expoente o episódio do mensalão. "A realidade é que a oposição não consegue ler, interpretar e indicar o caminho. Se mantém a reboque dos acontecimentos, que vêm da imprensa ou da própria base do governo quando racha", conclui Villa.

A brecha deixada pela oposição fez com que uma característica de Lula que o diferencia ganhasse mais impacto: a comunicabilidade. Ainda sindicalista, o presidente começou

a desenvolver uma capacidade inigualável de convencimento entre as mais diversas classes e frentes sociais.

"Dos discursos para os operários, Lula foi para as mesas de negociação com altos empresários e políticos. Fazia o ponto de amarração e se tornou um privilegiado nessa habilidade, transitando entre o conhecimento intelectual e a prática do saber popular", analisa o psicólogo político Alessandro Soares da Silva, professor- Doutor da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, Lula vai se construindo à medida que os fatos vão acontecendo, de acordo com a necessidade para resolver um problema. Tal qual o camaleão, o presidente faz os ajustes em seus discursos. Os críticos são céticos: "Ele fala o que querem ouvir e age de acordo com a conveniência, seja para os usineiros - Os heróis deste país - ou diante do MST, quando veste o boné". Já quem defende o presidente responde: "Ele não se preocupa em falar o que querem ouvir, mas o que vão entender".

Lula, contudo, jamais quebrou a relação de identidade com sua origem. E fez dela seu principal trunfo, sempre trazido à tona para quebrar o estigma de que só a elite é capaz de governar e, com isso, se fortalecer e influenciar psicologicamente a sociedade. "Daí, a característica muito forte de Lula enquanto personagem, de sua identificação com aquele que é o povo e não com o eleitor em si", explica o especialista em psicologia política.

Essa dinâmica facilita a capitalização da glória como político, sendo o impacto mais importante, a afirmativa por praticamente todos de que ele é um bom presidente. Conclusão: entre os pobres, é visto como melhor que os "representantes da elite" que o antecederam. E, acima da base da pirâmide, superou as expectativas de como se sairia. "Ele vem para romper com muitos 'status quo'", avança Silva, que não considera Lula um mito clássico. "Ele é um 'sapo barbudo' que governou bem e muitas vezes melhor que o príncipe. Funciona muito mais como um antimito dos mitos tradicionais", conclui. Para os marqueteiros, o sucesso de Lula é visto como resultado da composição de sua marca, especialmente nos valores agregados ao longo do tempo. Enquanto a maioria dos políticos buscou no currículo e na capacidade intelectual o principal atributo, o ex-retirante nordestino, ex-metalúrgico e duas vezes presidente fez da história de vida a sua maior riqueza. "Ele passou a ser a cara de um Brasil em crescimento. Potencializou sua origem, de onde saiu e onde chegou, criando um elo com o povo e seus sonhos", diz o publicitário Marcelo Simões, que fez parte da equipe de marketing da primeira vitória do PT para a Presidência. Ele também analisa a marca Lula sob os aspectos visual e simbólico. "É curta e sintética. Não é nome, mas um apelido, o que gera proximidade no primeiro contato", explica. Simões faz ainda uma revelação curiosa: como foi o remake da faceta do presidente que ficou conhecida como Lulinha Paz e Amor, em 2001, véspera de ano eleitoral. Apesar da desenvoltura inata e da experiência sindical, o então candidato pela quarta vez tinha dificuldade para ser enxergado como uma figura presidenciável por todos os níveis sociais.

Os "ricos" esperavam uma postura sóbria de um futuro presidente, enquanto os "pobres" apresentavam um comportamento de não votar em seus iguais. Simões esmiúça a segunda ideia: "A cabeça do povo funciona geralmente assim: ele é igual a mim. Se eu não consigo resolver os meus problemas, ele também não. Então vou votar em quem aparentemente possa resolvê-los".

Lula, que até aquele momento não tinha cuidado especial com o look, aparou o cabelo e a barba e abandonou de vez os resquícios do macacão por um terno alinhado. O então candidato apenas perguntou antes o motivo. E ouviu: "Quebra a resistência de um lado. E, do outro, você passa a mensagem: ele é igual a mim, mas chegou lá", conta Simões. "É um chegar lá imaginário, de esperança." Bastou. Lula aceitou o redesenho, o que nunca havia sido sua vontade. Era o fim de um radical. E o presidente, conhecido por não perder a piada, logo teria começado a tirar sarro da nova roupagem. "Puta que pariu. Fiquei bem pra caralho neste terno. Muito melhor que o macacão", lembra o marqueteiro, tentando imitar a voz característica de Lula.

Hoje, de dentro de um Ricardo Almeida, grife luxuosa de trajes sociais, o presidente agrada até mesmo aos consultores de moda e stylists, tendo em vista a necessidade de passar maior credibilidade, compatível ao cargo que ocupa. "O presidente veste ternos bem cortados e cores sóbrias. É óbvio que a roupa está relacionada com a imagem da pessoa", afirma o consultor Arlindo Grund. "São poucas as pessoas que alcançaram sucesso sem se preocupar com a imagem", diz. Para o stylist Luis Fiod, de renome internacional, Lula passou por uma grande transformação para melhor. "De um visual popular, vem construindo uma imagem mais polida e respeitosa. Credibilidade e honestidade são associadas à imagem de uma pessoa pública." Mas, segundo ele, há uma ressalva: a mudança não pode desconfigurar a personalidade. "Sem a barba, Lula seria como Sansão sem cabelo."

Com o visual alinhado, já no governo, Lula soube como ninguém se favorecer das propagandas institucionais para a sua promoção como governante. "É o presidente da república mais perfeito que já existiu. Digo isso no sentido que ele consegue se creditar das realizações locais mesmo estando distante", afirma o publicitário Nelson Biondi, que trabalhou em quatro das cinco últimas campanhas presidenciais ao lado dos tucanos. Os recursos gastos pelo governo federal com publicidade fazem a diferença na balança para a avaliação de governo. Ao longo dos dois mandatos, a curva é crescente no volume de valores. Quando o presidente chegou ao Planalto, em 2003, eram consumidos mais de R$ 700 milhões com publicidade institucional. Em 2006, para se recompor do escândalo do mensalão, esse montante atingiu o pico de cerca de R$ 1,1 bilhão, gasto em apenas seis meses devido às limitações de ano eleitoral. O resultado foi significativo, fazendo com que o índice médio de aprovação no período, que havia caído para a casa dos 40%, variasse para cima em torno de 18%. Hoje, o patamar de verba publicitária destinada pelo governo federal se mantém ao redor de R$ 1 bilhão. Segundo Biondi, a interferência das ações de propaganda institucional é direta sobre a aprovação do governo, embora não haja ilegalidade nessa situação. "Verticalizaram a mensagem e foram muito eficientes, com segmentação de linguagem e temas. No último ano de FHC, 499 veículos recebiam anúncios institucionais. Em 2008, com Lula, esse número subiu para 5.297". Mas Biondi não acredita que a propaganda também tenha influência direta na popularidade do presidente. "Lula é um puta marqueteiro, mas intuitivo." Já o cientista político Antônio Lavareda discorda. "O valor gasto em propaganda se traduz facilmente em popularidade. Ao se creditar do que foi apresentado nas propagandas, o governante personaliza a ação institucional." Lavareda acrescenta que o fato de Lula ter disputado cinco pleitos presidenciais também o ajudou na construção de imagem. "Garantiu mais aparições em TV do que todos os políticos de países democráticos já tiveram. Fez dele uma celebridade com tempo de mídia como poucas", afirma.

Em destaque na mídia internacional, especialmente após a escolha do país para sediar a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, Lula também se consolida mundialmente. Quando assumiu o primeiro mandato era visto como uma pessoa popular, um trabalhador pobre que chegou ao poder. Uma incógnita. Há quem diga que era até uma representação folclórica. Mas Lula marcou território e passou a ser reconhecido praticamente pelas mesmas características internas. "À primeira vista era uma impressão esquerdista, de uma pessoa do povo, que representava o trabalhador das classes mais baixas. Depois, se mostrou um moderado, capaz de ter contribuído para o desenvolvimento econômico, com extrema habilidade de relacionamento, capaz de transitar entre todos, seja EUA, países latinos ou Europa", analisa Jason Ralston, considerado o "cérebro" da publicidade na campanha presidencial de Barack Obama.

Para o analista político internacional Jorge Castro, a conquista olímpica brasileira corrobora não só o crescimento econômico do país nos últimos seis anos, como a mudança em seu status global. "O Brasil é uma potência regional da América do Sul e reconhecido como tal pelos grandes centros de poder mundial, como EUA, União Européia e China", afirma. "A popularidade de Lula perante os líderes mundiais é, portanto, reflexo do que significa o Brasil no plano internacional", conclui Castro, que é presidente do Instituto de Planeamiento Estratégico, na Argentina, entidade especializada em análise de potencial de uma região e de seus personagens políticos em escala mundial. Não faltam também exemplos de fracassos e lambanças do governo Lula na política externa brasileira. São os casos das derrotas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e na Unesco, em que Lula apoiou o candidato egípcio Farouk Hosni, que havia se envolvido em polêmica antissemita. Há ainda o abrigo ao presidente deposto de Honduras, Manoel Zelaya, na embaixada brasileira em Tegucigalpa.

Outra situação conturbada, voltando um pouco no tempo, ocorreu na Assembleia Geral da ONU, quando o presidente Lula congratulou o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad e o convidou para visitar o Brasil, chegando a defender fortemente o programa nuclear daquele país. Naquele momento, o mundo prestou atenção. Qual é o jogo de Lula? De que lado está? Lula parece estar ambientado igualmente em qualquer casa. Se depender dos hermanos, vizinhos e rivais históricos, a teoria da ambientação ganha força. Em pesquisa realizada em outubro pela consultoria Carlos Faria & Associados, se Lula fosse argentino, seria eleito com 52% dos votos, já no primeiro turno. Detalhe: Cristina Kirchner, a atual presidente, venceu a eleição em 2007 com 45%. Na simulação, no entanto, o casal Kirchner ficou de fora da disputa.

A história é ainda mais curiosa se comparada com o cenário interno que se aproxima. Um dos políticos mais populares do mundo não vê garantida a continuidade de seu partido no poder. A transferência de votos à sua candidata, Dilma Rousseff, parece estar mais para incerta do que esperada. Ninguém arrisca projetar uma vitória na "barbada". Pelo contrário. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, no mês de outubro, Lula justifi cou que "a transferência de voto não é como passe de mágica". Garantiu, porém, que se empenhará em transferir seu prestígio e do governo para a ministra-chefe da Casa Civil. Para muitos, a eleição da sucessora equivale a um terceiro mandato, o que é rechaçado por Lula: "A Dilma no governo tem de criar a cara dela. Rei morto, rei posto", disse o presidente ao jornal.

O certo é que uma estratégia de transferência de votos, ainda de resultados discretos, já está em prática. E é de conhecimento geral. Lula chamou de "debate pequeno" a declaração do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de que faz comícios pró-Dilma pelo país. "Ninguém pode ser contra a Dilma ir às obras comigo", diz Lula. "Se for candidata, a lei determina que tem prazo em que não poderá mais ir. Até lá, ela é governo."

Referindo-se ao modelo político de alianças, Lula disse que até "Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão", uma forma de defender a sistemática de seu governo, que contraria totalmente a ideologia defendida durante a maior parte de sua vida.

As declarações do presidente geraram polêmica junto à Igreja. O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, reagiu dizendo que apesar de Judas ser um dos discípulos de Cristo, Jesus não fazia alianças com "fariseus".

No cenário crítico, Lula está praticamente dissociado das crises petistas. O PT, este sim, chega arranhado. Foi a legenda que sofreu cortes "na própria carne" com escândalos e "patralhadas" do governo. Lula manteve sua imagem distante. Seu carisma é visto como algo único. Todos os atributos, exclusivos. Sua marca é personalíssima. Tanto que deixa dúvidas em relação à transferência de votos. Ainda que se molde como um mito, terá de contar também o desempenho individual de sua candidata. Ela deverá mostrar luz própria e não apenas ficar sob o holofote.

Afinal, a expressão mais utilizada pelo presidente ao longo de seu governo - "Nunca antes na história deste país" -, que aparece em mais de 62 mil resultados no Google, quando associada ao seu nome, terá de mudar: pela primeira vez na história (da redemocratização) deste país, não será Lula quem irá figurar nas urnas quando o eleitor digitar o número do candidato à Presidência da República.