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Pele de Atriz

Por Paulo Terron Publicado em 10/12/2009, às 18h13

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Daniel Klajmic
Daniel Klajmic

o Parque Henrique Lage, no Rio de Janeiro, é um pequeno oásis de mata atlântica, com vista lateral do Cristo Redentor. O casarão que hoje abriga a Escola de Artes Visuais do Parque Lage é cercado por uma farta vegetação, por onde esquilos e macacos saltitam livremente, ignorando o calor infernal que dominou a cidade. Lá, o ar fresco e o clima tranquilo fariam com que o mais paulistano dos executivos tivesse vontade de passar o dia de bobeira. Alinne Moraes chega sorridente ao café do parque, vestida com lycra esportiva preta. Ao tirar os grandes óculos escuros, não revela nada no rosto que indique que ela tenha acabado de acordar. Ela se desculpa (mesmo sem estar atrasada) e explica que a localização do parque - no caminho entre sua casa e o escritório de seu empresário, além de bastante próximo da academia de balé que ela frequenta - fez com que esse se tornasse um dos locais favoritos dela para um café da manhã. Ninguém em volta acha anormal que uma das atrizes centrais da novela de maior audiência da Globo, Viver a Vida, esteja ali. Ou melhor, quase ninguém. Plantado na porta do café, um garçom espera Alinne se aproximar e a cumprimenta: "Oi, Alinne!" Momentos depois, ele já está na copa do lugar comentando com as outras atendentes: "Que engraçado! E a gente fala dela todos os dias, né?"

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Nesse sentido, a atriz de 27 anos combina com o clima imperial do local. Afinal, um espaço de destaque no horário nobre da maior rede de televisão da América Latina seria o correspondente brasileiro a fazer parte de uma família real europeia. E, se por outro lado essa vaga de estrela não é vitalícia, Alinne tem mantido o sangue azul circulando nas veias com a notável marca de sete novelas nos últimos sete anos. É até difícil mensurar o que esse tipo de exposição pode trazer para alguém dentro de uma tabela imaginária de celebridade: se nos Estados Unidos um espectador tem de pagar para assistir a menos de duas horas de Megan Fox na telona, por aqui Alinne Moraes é estampada diariamente nos televisores, gratuitamente. Do garçom do café do parque ao motorista de táxi, todo mundo a reconhece sem esforço - se não nominalmente, pelo menos como "a menina da novela".

Nos primeiros minutos de conversa, uma coisa fica clara: ela é exatamente isso, "a menina da novela". Sentado diante de uma mesinha frágil, sinto que não estou conversando com uma atriz experimentada e obcecada pela profissão, no sentido de que Alinne parece aberta a falar sobre qualquer coisa sem se prender muito à sua arte. Linda naturalmente, sem um pingo aparente de maquiagem, ela olha tão fixamente nos meus olhos que seu corpo escultural - reforçado e realçado pela malha colada - nem chega fazer diferença. As unhas estão pintadas com esmalte escuro, já descascado. Os cabelos estão presos (mais tarde ela confessa que acha esse estilo "menos sensual"). É desse mesmo modo informal, quase involuntário, que a ex-modelo se tornou uma das atrizes mais famosas do Brasil - e agora segue determinada, tentando encontrar um meio do caminho ideal entre interpretação, fama, vida pessoal e a carga pesada de quem grava até seis dias por semana, durante oito meses ininterruptos. Ralação, aliás, com a qual ela está completamente satisfeita, sem queixas quanto ao esquema intenso da emissora que a emprega. "Tem muitas pessoas na Globo que trabalham felizes", diz, calmamente. "E tem outras que vão reclamar sempre, que vão dizer que a emissora faz pizza, que é tudo rápido, que não tem arte. Mas a gente sempre sabe que vem pepino no sanduíche do McDonald's e ponto! E sempre vamos ao McDonald's porque gostamos", compara. "Prefiro sempre ver o lado positivo."

Nascida em Sorocaba (SP), Alinne passou a infância alternando temporadas entre um apartamento na cidade, com a avó, e uma chácara, com a mãe e o padrasto. Foi na área rural que ela sentiu suas primeiras atrações pelo mundo da ficção. "Na chácara eu tinha os animais e as coisas da minha cabeça - um pedaço de pau que virava varinha -, enquanto no prédio tinha os amigos para brincar", explica, sem conseguir tocar no sanduíche ou no suco que estão sobre a mesa. Ou no café, o primeiro de muitos que a ajudariam a manter o planejamento de um dia cheio e sem hora para acabar.

Na escola, a já tradicional história comum às futuras mulheres lindas também marcou a infância de Alinne. Mais alta que o resto da turma (aos 12 anos ela já tinha 1,72 metro), tinha de se sentar no fundo da sala de aula, "junto com os repetentes". E, outro traço que futuramente a destacaria mesmo entre as mulheres belas, os lábios carnudos causavam pequenos incidentes. "Na escola eu era a feia", relembra. "Diziam que pra eu sair na chuva bastava puxar o beiço pra cima da cabeça e não precisava de guarda-chuva." Por outro lado, em casa a garota era tratada a elogios sem fim. "Aquilo foi ficando na minha cabeça. A família falando, minha mãe me fotografando e dizendo que meu pai era fotógrafo, me mostrando as fotos dele", conta, referindo-se ao pai que só viria a conhecer pessoalmente muitos anos depois. "Isso me inspirava, eu queria ser aquela modelo." Não demorou muito para que o desejo virasse realidade. Quando tinha 12 anos, uma amiga da escola venceu um concurso de modelos organizado por uma revista. Incentivada pelo ocorrido, a mãe de Alinne a inscreveu, no ano seguinte. Ela acabou em primeiro lugar e foi contratada pela agência de modelos Elite. Alinne admite que nesse momento deixou a beleza subir à cabeça. "Os meninos da escola mudaram totalmente!" De motivo de piadas, ela se tornou centro das atenções, a "menina da revista." No recreio, sentia os olhares e as pessoas apontando para ela. "Depois fiz muitas capas, trabalhei com muita gente bonita, com muito glamour e me acostumei. Só que naquela época eu conseguia sentir a diferença - num dia eu era de um jeito, no outro tudo era diferente."

Ela e a mãe se mudaram para São Paulo e, logo no primeiro teste, Alinne foi escolhida para uma campanha fotografada por J.R. Duran. Aos 14 anos, já estava de mudança para o Japão, com a mãe, hesitante, a tiracolo. "Ela tinha muito medo. Eu sempre fui madura e dizia: 'A gente pode não ganhar nada, mas de alguma forma vamos voltar - e vamos voltar diferentes, com uma bagagem'." Nenhuma das duas falava inglês (e muito menos japonês). "Minha mãe não queria ir! Morria de medo, não sabíamos dizer nem 'oi'." Logo no desembarque em Tóquio, a modelo já descobriu que a expressão corporal poderia significar mais do que as palavras. O ofi cial de imigração não conseguia descobrir a profissão da menina e ela não teve dúvida. "Deixei a minha mãe de lado e comecei a desfilar para ele ver", diz. "Ele riu e deixou a gente entrar." Essa foi a primeira de muitas temporadas da então modelo no exterior. Mais tarde vieram Milão e Nova York, onde ela chegou a morar com boa parte das top models brasileiras. "Era uma época em que o John [Casablancas, fundador da Elite] estava investindo muito nas meninas brasileiras", conta, pedindo licença para finalmente começar a comer o sanduíche. "Então moramos eu e a Gisele [Bündchen] com a minha avó. Depois fomos eu, Alessandra Ambrósio e a Isabeli [Fontana], com a minha avó cuidando da gente. Todas as meninas foram para Nova York na mesma época - aí morei com a Ana Beatriz Barros e a Gianne Albertoni", enumera, citando casualmente uma lista que faria o organizador dos desfiles da Victoria's Secret babar de desejo. Aos domingos, as mães das modelos se juntavam para cozinhar, em clima de união familiar. A época era de muito trabalho, e também de diversas experiências em comum entre as garotas. "Foram as primeiras baladas, os primeiros namorados. Éramos todas muito novas, era uma turma mesmo. Cada uma tinha seu estilo e eu circulava bem entre todas - talvez porque fosse a menorzinha, a que fazia menos sucesso." Por ter começado trabalhando com moda, Alinne não se arriscava no mundo dos comerciais - achava um trabalho menor. Eu nem fazia testes para comerciais, não me sentia bem. Era insuportável."

Algo que parece não ter mudado com o passar dos anos é a capacidade de decisão de Alinne Moraes. Do mesmo modo que entrou de cabeça nas viagens ao exterior, ela hoje, ao conversar, quase não hesita nas respostas, batendo - sem perceber - as mãos na mesa, marcando as frases mais incisivas. Tudo sem tirar os olhos esverdeados do seu interlocutor, como se aquele fosse o papo mais importante de sua vida. A intensidade garantiu com que ela pensasse em desacelerar logo: entre os 16 e 17 anos, depois de comprar uma casa para a mãe e juntar dinheiro para estudar, decidiu voltar ao Brasil para diminuir o ritmo do trabalho - mas sem parar de fotografar - e cursar arquitetura. O plano ficou para trás rapidamente. A primeira aventura pelo mundo da atuação - a primeira mesmo, já que Alinne nunca se interessou nem por teatro infantil, na época da escola - nasceu por uma coincidência. Na volta ao Brasil, a modelo foi visitar a Merlin, agência para a qual trabalhava na época. Um pequeno alvoroço se formou quando os funcionários se reuniram para ouvir histórias, ver fotos e colocar a conversa em dia. Ao mesmo tempo, o diretor Alexandre Avancini descia do andar superior, onde ficava o setor de modelos que também atuavam. Ele estava procurando atrizes para a minissérie Presença de Anita. Ao ver a comoção em torno de Alinne Moraes, ficou curioso. Avancini perguntou se ela não atuava, já que tinha o rosto bastante expressivo. Também recomendou que a menina, àquela altura com 18 anos, tivesse aulas nessa área para que pudesse trabalhar nela futuramente. A sugestão foi ignorada. Alguns meses depois, a agente de Alinne recebeu um telefonema de outro diretor, Ricardo Waddington, que pediu um teste para a novela Coração de Estudante (2002). Outros companheiros dela também foram convocados, como Paulo Vilhena e Guilherme Berenguer. Na hora do teste, Waddington optou por uma entrevista sobre a vida dela. Perguntou sobre a carreira, a infância e tocou em pontos nos quais ela mesma evitava, como a relação com o pai. "Comecei a me sentir invadida, ninguém nunca tinha me questionado", explica. "Eu nunca tinha feito terapia nem nada assim. Aí comecei a chorar!" Chorou, mas ganhou o papel. Alinne interpretaria Rosane, mãe solteira que vai morar em uma república com outros jovens. Aos poucos ela percebeu que aquele papel fazia muito sentido dentro da vida dela: "Vi que era praticamente a história da minha mãe". Com a virada na carreira, a mudança para o Rio virou realidade. Mas o desafio da atuação ainda estava só começando, como provaria a primeira cena que a agora atriz teria de gravar. Era um diálogo com o amigo Paulo Vilhena. Nervosa, no camarim, ignorou uma sugestão do rapaz. "Vamos bater o texto?", perguntou ele, referindo-se a um ensaio rápido que atores costumam fazer. A cena era um plano contínuo, sem cortes, dos dois conversando e andando. "Cara, fiz tantas vezes que a cena foi remarcada. Voltei chorando pra casa, achando que tinha de desistir."

Coração de Estudante pode ter impactado Alinne Moraes ao mostrar que ela precisaria se reinventar para continuar trabalhando naquela nova área, mas o trabalho seguinte mudaria definitivamente o modo como ela seria vista pelo público. Para Mulheres Apaixonadas 2003), recebeu um resumo simples do que seria seu papel: "Clara é a melhor amiga de Rafaela [interpretada por Paula Picarelli]. Rafaela é a melhor amiga de Clara". Com os ensaios e workshops, ela descobriu que havia algo além da amizade entre as duas - mas nem o próprio autor, Manoel Carlos, sabia o rumo exato que a dupla seguiria. O cuidado era redobrado porque em uma experiência anterior, em Torre de Babel (1998), o casal vivido por Christiane Torloni e Silvia Pfeifer foi tão rejeitado pelo público que acabou sacrificado na explosão de um shopping center. O novelista podia não ter certeza, mas a dupla que ele escalou era à prova de antipatia. As duas atrizes - jovens e bonitas - conseguiam despertar a luxúria fantasiosa dos homens, além da simpatia das mulheres. E o público GLS também aprovou. "Nessa época fui participar de uma parada gay e, quando vi, havia uma multidão de garotas correndo atrás de mim! Meu empresário teve de me pegar pela mão e sair correndo comigo!", conta. Ainda assim, ela vê com naturalidade a confusão entre as opções dela e da personagem. "Apesar de ter atuado antes, foi ali que fiquei marcada. Como as pessoas não tinham no que se basear, acho que a fantasia - principalmente a masculina - talvez tenha criado isso." Para Manoel Carlos, a inexperiência da atriz foi uma vantagem. "Ela me pareceu adequada e preparada para o papel", conta o autor. "Para mim, uma personagem complexa pede justamente uma atriz novata, desarmada, que não faça o papel mais complexo do que ele já é. Tudo na Alinne conspirava a favor."

Curiosamente, Clara e Rafaela nunca apareciam em contatos físicos mais intensos. Ao longo dos capítulos, as duas protagonizaram cenas insinuantes na cama, no chuveiro e em todos os lugares imagináveis, mas a câmera nunca as mostrava durante beijos ou carícias de verdade. Para Alinne, tudo é uma questão comercial. "Acho que o tabu vende", explica. "É a parte marketing do negócio. Senão não vai existir uma revista Raça - e eu acho o cúmulo do absurdo ela precisar existir. Ou produtos para cabelos negros, para brancos, para pardos... Não existe isso! É puro marketing. A impressão que dá é que não se acabou com tudo isso até hoje para [poder] se vender, se criticar, entendeu? Então, demos um passo, mas um passo muito pequeno. Porque a hipocrisia rola o tempo todo. É uma indústria, não dá para falar abertamente de tudo." No fim de Mulheres Apaixonadas, as duas namoradas trocaram um selinho breve - e dentro de uma peça de teatro (que encenavam na escola). O público se decepcionou, mas a atriz acredita que foi a melhor solução. "Foi o jeito mais sensato de respeitar as pessoas que estavam nos respeitando. Na vida, não é porque nos dão um braço que temos de pegar tudo." O autor também acredita que o beijo final foi bem justificado: "Foi uma solução engenhosa, sutil e - fundamentalmente - bonita. Eram duas estudantes adolescentes que ainda mantinham dúvidas sobre a própria sexualidade. Não eram lésbicas consumadas", explica. "Padeciam da vigilância dos pais, dos professores e dos colegas de escola. Fazendo daquela maneira, elas riam da sociedade e dos costumes conservadores. Enganavam com inteligência, criatividade e bom humor, os pais, os professores e todos os colegas."

Nem só de café da manhã é feito um dia de folga de Alinne Moraes. Aliás, durante os meses em que uma novela das 20h fica no ar, é raro ela ter períodos completamente livres - e a agenda está sujeita a mudanças de última hora. Dentro desse processo intensivo, a atriz tenta manter pelo menos uma rotina: a de frequentar as aulas de balé sempre que pode. Então pegamos o carro dela, um SUV gigantesco - pra praticamente um tanque de guerra, transitando de forma desconfortável pelas estreitas ruas da região ("Era o único que podia ser blindado", explica, em tom de sofrimento). Por dentro, o veículo é organizadíssimo: não há absolutamente nada sobre os bancos. No toca-CDs, zii e zie, trabalho mais recente de Caetano Veloso. Saindo do frescor e dos sons naturais do Parque Lage, o ambiente refrescante passa a ser outro, com os sons da rua sendo amenizados pela voz do baiano, e o clima, esfriado pelo ar-condicionado. O balé entrou na vida de Alinne cinco anos atrás, como forma de melhorar o alongamento do corpo e "deixar de ser estabanada". Deve ter funcionado, porque é impossível detectar qualquer gesto fora de ordem durante a aula. Ela não tem dificuldade em obedecer às instruções do professor, que vão do mais simples "jogando o quadril para a frente" ao abstrato "fechando as costelas". Mesmo os óculos que usa - ela tem astigmatismo - são equilibrados sem muito esforço.

Sentado no chão em um canto do estúdio de dança, não sinto que a minha presença inibe as cerca de 20 pessoas, de idades variadas, majoritariamente mulheres, que estão ali para se exercitar. Outros rostos (e corpos) conhecidos compartilham a aula: Fernanda de Freitas ("melhor amiga!", define Alinne), Letícia Spiller (companheira de Viver a Vida) e Luana Piovani. Faz sentido: a aula de balé extrapola o exercício físico, com o professor puxando as aulas para o lado da expressão corporal. Durante os exercícios rolam até frases que lembram os livros de auto-ajuda, como "procure uma sensação diferente, o sentido do corpo, sentidos, significados". "Às vezes me arrepio com as coisas que ele diz", confessa Alinne. Em certo momento, o professor se abaixa e me sussurra, com seu sotaque francês carregado: "A gente pensa que o poder está com os homens, mas está com as mulheres". O balé também foi essencial na construção de Luciana, que Alinne interpreta na atual novela "das 8". Em um acidente de carro, a personagem ficou tetraplégica, ou seja, sem os movimentos das pernas e do tronco. Pode parecer uma dicotomia - uma atividade física que ajuda na interpretação de alguém com uma limitação extrema de mobilidade -, mas Alinne discorda. "Se eu não tivesse feito o balé, seria muito mais difícil para mim. O balé te dá uma consciência total [do seu corpo]. As pessoas me dizem: 'Ah, se ela é tetraplégica, vai ficar o tempo todo deitada na cama...' Na tetraplegia, você não tem o movimento das pernas e do tronco. Mas o que acontece é que, dependendo da vértebra atingida, algumas vezes você consegue movimentos [musculares]", explica, com jeito de quem passou horas e horas lendo sobre o assunto. Sem a reação intencional dos músculos, a atriz precisou se acostumar aos movimentos naturais do corpo - "o básico do balé", segundo ela. Foram quatro meses de preparação, convivendo com uma jornalista que tem essa condição. "Eu tinha páginas e páginas de perguntas para ela: como foi? Onde foi? Você quis morrer ou acreditou [em uma recuperação]? Acredita em Deus? Como faz xixi, coco, vomita? Pra transar, beijar?" O autor da novela concorda que essas pesquisa e convivência foram essenciais para a construção de Luciana. "[A Alinne] aprendeu com ela como comportar-se nas mais diversas situações", opina Manoel Carlos. "E, principalmente, como reagir a essa fatalidade. A moça que a ensinou a viver uma tetraplégica sofreu o acidente aos 18 anos e agora está com 36. Era uma jovem que sonhava ser modelo e viu esse sonho ser sabotado pelo destino. Tudo a ver com a Luciana."

Terminadas as duas aulas de balé, Alinne toma um banho rápido e decidimos fazer uma parada para o almoço, em um restaurante por quilo da região. Mesmo com um ambiente cheio, não há nem olhares na direção da atriz. Mas, assim que nos sentamos, uma representante do local corre para perguntar se não gostaríamos de nos sentar em uma mesa "melhor". As pessoas podem até ignorar a presença de Alinne, mas não é algo que passa despercebido. O curto caminho entre o restaurante e a Artcênicas - o misto de escritório e escola de atuação que administra a carreira dela e de outros artistas - tem um momento revelador: ao ver um gato dormindo em cima de uma caixa de correio, ela abre a janela e finge tirar uma fotografia da cena. "Por isso que eu deveria carregar uma câmera sempre comigo! Adoro fotografar", empolga-se diante da cena corriqueira. A ex-modelo, filha de fotógrafo e clicada praticamente todos os dia pelos paparazzi, ainda não se cansou das lentes.

Da mesma forma como Clara ajudou as homossexuais a serem aceitas pelas senhoras que assistem à novela das 20h, Luciana pode cumprir um papel social interessante: o de abrir as discussões a respeito dos preconceitos sofridos pelos portadores de limitações físicas. "Não acho que vamos ajudar essas pessoas", diz Alinne. "A gente vai se ajudar a ver as coisas com mais clareza." E se Manoel Carlos é lembrado como o autor que só escreve sobre gente muito rica, a intenção - nesse caso - é exatamente esta: a ideia é mostrar como essa dificuldade pode ser aliviada em uma situação ideal, sem restrição financeira para o tratamento. A personagem de Alinne vai se deprimir, mas a novela vai ter uma passagem rápida de tempo e o público logo a encontrará mais confortável com a sua situação, batalhando por uma vida normal - casada, mãe de gêmeos. "Os conflitos dela não são por estar ou não em uma cadeira de rodas", reflete a atriz. "São outros: em um momento a irmã vai tentar se relacionar com o marido dela, são coisas assim. Isso que é o bacana. Quero que o público se esqueça da cadeira de rodas." Empolgada com o rumo da conversa, ela movimenta os braços com as mãos retraídas, exatamente como mostrou, momentos antes, que uma pessoa com movimentos parciais do braço faria. Ao ser alertada disso, ela brinca, se referindo a Luciana: "É que ela está vindo!"

"Eu tenho só 27 anos, o que eu sei? Não sei de nada, não tenho nada a dizer!", adora repetir Alinne Moraes, sempre sorrindo. Difícil é aceitar que ela realmente acredite nisso. Mesmo sendo jovem, a atriz é muito bem resolvida. Seus principais problemas e conflitos foram resolvidos - ou pelo menos confrontados - anos atrás, praticamente todos ao mesmo tempo. Enquanto sofria com as pressões da fama e a impossibilidade de, com o perdão do trocadilho, viver a vida sem que tudo virasse notícia, ela viu sombras do passado ressurgirem. "Conheci meu pai com 18 anos de idade. Tive um padrasto que foi muito difícil no meu processo de crescimento. Hoje já é muito mais resolvido." O pai, que se separou da mãe quando Alinne tinha três anos e foi morar no Paraná, nunca havia sido nem assunto na casa da atriz. "Eu evitava falar no assunto, queria zelar pela minha mãe - apesar de la ter sido sempre muito aberta quanto a isso. Achava que, se pedisse para conhecer meu pai, poderia magoá-la. Então não falava com ninguém sobre isso. E também nunca havia falado comigo mesma sobre isso." Para ter essa "conversa interior", começou a fazer terapia. "Vi que eu sentia falta do masculino dentro da minha casa. Não foi nada traumático, porque a minha geração já tinha mais facilidade em encontrar um amiguinho que tivesse os pais separados. Então, as coisas ficaram mais comuns. Depois da terapia é que comecei a falar mais sobre isso com as pessoas. E foi nessa época que meu pai me procurou, quando eu tinha 18 anos". O contato inicial foi feito por uma revista que - sem avisá-la - localizou Luís Orlando Morais para uma matéria. "Ligaram para o meu pai, sem eu conhecê-lo. Eu queria chorar, me esconder, morrer!" O reencontro foi fácil? "Foi...", ela hesita novamente. "Porque eu sou muito prática, foi." Ela foi encontrá-lo em Londrina, trocaram telefones, e-mails e conversaram. Só teve dificuldades em lidar com os sentimentos envolvidos na reaproximação - ou, para ser mais preciso, com a ausência deles. "É difícil você ter vínculos e se identificar com uma pessoa que não fez parte da sua vida. Foi uma experiência boa, continuamos conversando. Mas foi um ano só, ele faleceu logo. A gente não pode resgatar tantas coisas. Foi o suficiente para poder conhecê-lo, enfim."

Como as dificuldades parecem sempre surgir em bando, nessa mesma época Alinne entrou em crise com a falta de liberdade trazida pela fama. As matérias sobre o que ela tinha - ou não tinha - feito a incomodavam muito. "Eu ficava estressada. 'Meu deus, é o meu nome! Ficava meio perdida... Mas... Não dou atenção mais. É difícil para uma jovem aceitar que não pode sair, que não pode fazer isso ou aquilo. Eu era revoltada. Durante um ano eu fiquei assim. 'Por que não posso namorar, beber, sair com meus amigos?'" Agora, Alinne sabe a reação que pode ser gerada por cada uma de suas ações. "Tem uma hora que você quer comprar uma briga, mas não vale a pena." A atitude discreta em relação à vida pessoal tem funcionado. O namoro atual, com o empresário Rodrigo Mendonça, já tem seis meses e não é assunto (pelo menos não constantemente) na imprensa de fofoca. O casal se conheceu por meio de amigos em comum e ela jura que o assunto trabalho/fama nunca aparece nas conversas entre os dois - ele nem assiste à novela, que é exibida quando ele já está no pub estilo irlandês da Lapa, no Rio, do qual é sócio. "Não é uma questão. Ele é o meu namorado", diz, incisiva. "A gente se encontra muito pouco. Ele trabalha na noite, eu trabalho muito durante o dia. Então, quando nos encontramos, queremos namorar mesmo. Nem eu quero falar de trabalho, nem ele."

O relacionamento mais comentado de Alinne - e o que ela hoje considera como um exemplo a não ser seguido, em termos de concessões às armadilhas da fama - foi com o também ator Cauã Reymond. "Fizeram de nós um Casal 20. Chamavam a gente para a 'pizza do Faustão' e eram Glória Menezes e Tarcísio Meira, Cláudia Raia e Edson Celulari e Alinne Moraes e Cauã Reymond. Era um produto: a gente podia ter brigado em um momento, mas tínhamos de sorrir para todo mundo porque ali era um trabalho. Comecei a questionar quem eu era de verdade, não queria aquilo para mim. Aí fui fazer terapia. Descobri que gostava de observar, não de ser observada. E que não gostava dessa vida de mentirinha. Eu sou isso aqui, este chinelinho antigo, todo cagado", aponta para a sandália Zara, desgastada e marcada pelo uso. O momento em que a fama pesou foi quando a atriz se mudava da casa em que morava com Cauã, no fim do relacionamento, em 2005. "Quando me vi às 3h da manhã chorando uma dor minha, com uma amiga, e um monte de fotógrafo tirando fotos do meu ursinho de pelúcia descendo pro caminhão, meu travesseiro, coisas íntimas, me senti muito invadida, foi péssimo! Eu disse: 'Nunca mais vou me expor desse jeito'." Bebericando o quarto café do dia, abraçando uma das pernas, ela reflete sobre sua evolução sentimental. "Estou mais cautelosa. É natural. Se tiver de ser vai ser, se não tiver, bola pra frente. Sou muito intensa, sim. Posso acordar e me questionar: 'Será que é isso mesmo?' Aí ferrou, porque nesse ponto posso acabar com tudo. Estou tentando encontrar um meio - não andar a 180 quilômetros por hora, só sendo prática. Estou mais tranquila."

A estratégia de não planejar muito o futuro também se aplica à vida profissional. A atriz ainda nem pensa no que gostaria de fazer quando a novela terminar, no segundo semestre de 2010. Suas vontades são mais abstratas, tentando focar no futuro distante. "Vou envelhecer nesta carreira. Quero melhorar e ampliar cada vez mais o meu trabalho. Daqui a pouco dar uma parada para produzir umas coisas minhas, teatro - que é algo que tem tudo a ver comigo. E cinema." É uma área na qual, ela acredita, sua beleza prejudica. "No cinema talvez eles queiram pessoas mais reais, com cara de nada. E eles acham que a minha beleza pode estar na frente do meu trabalho. Acho até que existe uma preocupação mais ridícula: 'a Alinne Moraes comercial demais'. É uma besteira, lá fora vemos mulheres talentosíssimas e lindas, que fazem coisas incríveis. Mas também posso estar falando uma grande bobagem."

Ela prossegue, na teoria de que a profissão de ator às vezes se apega demais à aparência física. "Vejo pessoas que começaram a trabalhar nesse meio e se incomodam, em uma cena, com o cabelo, maquiagem. Não sou escrava mesmo! Não é o meu sonho. Quero envelhecer naturalmente. Aliás, sou toda natural. Morro de medo em mexer em qualquer coisa." Então as insinuações de que ela teria feito aplicações de botox não são verdadeiras? "Que mané botox! Povo louco! Até Duas Caras [2007/2008], eu fazia novela sem maquiagem. A partir daí, a personagem era um mulherão: fiz cabelo liso, a franja dá outro aspecto. Era muito [baseado na] beleza. E aí começaram a dizer que eu tinha feito nariz, boca. Cara, eu fiquei puta! Eu não seria burra de mexer no meu rosto" - mesmo quando tem alguma preocupação específica, como as laterais da mandíbula, que ela diz estarem "caindo". "Mas vou deixar assim mesmo", emenda. "A impressão que eu tenho é a de que a novela é tão estética que deve ser muito bonito conseguir envelhecer na frente da televisão. Você é julgado o tempo todo." Esse assunto é o único que faz Alinne levantar o tom de voz - em tom de revolta, mas sem agressividade. Ela se lembra de quando levou uma nota zero em uma coluna de jornal, na época de Duas Caras, com um comentário breve: "O bigode de Alinne Moraes". "É como se eu tivesse uma aliança com a beleza e não pudesse envelhecer nunca mais! Quer dizer que posso ter uma nota zero por uma ruga?"

Essa não preocupação - ou "descompromisso" - da artista com o poder excessivo da beleza pode ser comprovada por pequenas atitudes ao longo do dia, que nem de longe mostram uma obsessão que se esperaria de uma ex-modelo. Na correria das gravações, ela dorme pouco (e jura que toma o último café depois das 22h, quando vai começar a estudar os roteiros da novela). No almoço, investe na salada - mas há espaço para uma fritura no prato. E é impossível não reparar como boa parte das histórias casuais contadas por ela envolve o pano de fundo "eu estava tomando cerveja com meus amigos..." (e também as variações "vinho" e "uísque"). Por outro lado, ela se mostra chocada com a liminar que derrubou a lei municipal que restringia o fumo em lugares fechados no Rio de Janeiro. Quer dizer que ela não fuma? "Fumo! Às vezes, quando estou bebendo com os amigos", explica. "Não gosto de extremos. Não faço nada em excesso nem elimino completamente. Senão você sai de uma regra para cair em outra, né?", diz, com um sorriso sincero de quem é bem resolvida com seus próprios limites. É exatamente isso: várias afirmações sobre Alinne Moraes podem ser feitas, mas não para dizer que a vida dela siga uma regra fixa.